10 canções obrigatórias para entender o samba

 

O sambista Nelson Sargento

Para se ter uma ideia da riqueza musical do samba, basta dizer que a bossa nova, internacionalmente conhecida por misturar nele ingredientes do jazz, é apenas um dos mais de 30 subgêneros que essa espécie de gênero-ônibus comporta em harmonia ou (muitas vezes) em fusão.

Anote aí: samba batido; samba corrido; samba de roça ou rural; samba raiado; samba de roda; samba de terreiro ou de quadra; samba de partido alto; samba-canção; samba sincopado; samba de gafieira; samba de enredo; samba exaltação; samba de breque; samba-coco; samba-joia; sambalanço; samba-rock etc etc etc.

É a partir dessa variedade que um compositor como Padeirinho, de Mangueira, pôde afirmar que “até um inocente sabe o que é sambar”.

Abaixo, uma lista, em ordem cronológica de gravação, com 10 canções para entender o samba – entre os quais um de Nelson Sargento, que, ao lado de Agenor de Oliveira, se apresenta na Caixa Cultural São Paulo (pça. da Sé, 111, SP) nesta sexta (às 19h), no sábado (18h) e no domingo (18h), com entrada gratuita.

“Pelo Telefone” (1917), de Donga e Mauro de Almeida
Primeira composição a ser registrada como samba, é desde então objeto de controvérsia – para muitos pesquisadores nem samba é, e sim um maxixe disfarçado –, o que de certa maneira lhe confere um charme especial. O mais provável é que tenha surgido numa roda de batuque, com diversos participantes improvisando versos e melodias. Teriam participado dessa reunião, na famosa casa da baiana Tia Ciata, na região da antiga Praça Onze, sambistas como Germano Lopes da Silva, Hilário Jovino Ferreira, João da Mata, Sinhô, entre outros que aprontavam na chamada Pequena África carioca no início do século 20. O jornalista Mauro de Almeida, o popular Peru dos Pés Frios, que assina a composição com Donga, admitiu ter sido apenas o “arreglador” dos versos.

“Jura”  (1929), de Sinhô
Mais famosa composição de Sinhô, exímio pianista que ganhou epíteto que resume sua importância nesses anos pioneiros do ritmo: o Rei do Samba. Ainda marcada pela influência do maxixe, suas melodias eram simples e, ao mesmo tempo, originais, caindo no gosto do público. “Jura”, além do forte refrão, mostra um verso malicioso e mui atrevido para a época: “Um beijo puro na catedral do amor”. Recentemente Zeca Pagodinho regravou a música, com o mesmo impacto de antes.

“Se Você Jurar”  (1931), de Ismael Silva, Nilton Bastos e Francisco Alves
Este é um clássico surgido no meio daqueles que revolucionaram a música brasileira ao formatar o samba como gênero urbano genuinamente carioca, quase da mesma maneira como o conhecemos ainda hoje. Foi no fim da década de 1920 e início da de 1930, quando a Turma do Estácio – jovens na casa dos 20 anos, a maioria negros e mulatos, sem ocupação definida – começou a compor num ritmo menos sincopado, para facilitar a fluidez do desfile das escolas de samba, que também surgiam nessa época. À dupla Ismael Silva-Nilton Bastos junta-se na parceria o cantor Francisco Alves que, esperto, sentiu o enorme potencial daquele tipo de música nascente, levando-a para o rádio.

“Agora é Cinza”  (1934), de Alcebíades (Bide) Barcelos e Armando Marçal (este vídeo foi substituido por uma interpretação com a Elza Soares por que o original saiu do ar)
Outra dupla do Estácio, cujas composições primam pela incrível linha melódica, capaz de fazer um Cole Porter morrer de inveja. Como era comum na época, cada parceiro se incumbe de uma parte da música – só que Bide e Marçal, ambos percussionistas de primeira, tinham tanta identidade de estilo que o conjunto se ajusta à perfeição. “Agora é Cinza” foi o campeão do Carnaval de 1934 e até hoje é lembrado como um dos maiores sambas de todos os tempos. Com justiça.

“Adeus Batucada”  (1935), de Sinval Silva
De maldade, diziam que ela não sabia cantar samba direito. Mas, em verdade, Carmen Miranda, ao lado de Mário Reis, foi a primeira cantora brasileira a valorizar o gênero, percebendo, ainda no fim dos anos 1920, todo o tesouro que ali havia. E fez isso com perfeito domínio da voz, acrescentando uma picardia só dela. “Adeus Batucada”, apesar de tom sentimental e algo choroso, demonstra tudo isso. Composta por Sinval Silva, um de seus compositores prediletos, foi executada no carrilhão da Mesbla, no dia do cortejo fúnebre de Carmen.

“A Dama do Cabaré” (1936), de Noel Rosa
Registra o primeiro encontro de Noel Rosa com Ceci, o grande amor de sua vida. Com algumas liberdades poéticas: a moça, então com 16 anos, não fumava; nem poderia entornar champanhe no “soirée” porque ela não usava “soirée” naquela noite de São João. Composto em 1934, o samba foi gravado dois anos depois, por Orlando Silva, fazendo parte da trilha sonora do filme “Cidade Mulher”. A mesma festa e a mesma Ceci inspirariam Noel a fazer o que muitos consideram sua obra-prima, “Último Desejo”.

“Se Acaso Você Chegasse”  (1938), de Lupicínio Rodrigues e Felisberto Martins
Compositor único, Lupicínio Rodrigues lançou-se nacionalmente com este samba, feito praticamente de improviso, na calçada do Café Colombo, em Porto Alegre. Como de hábito, tinha inspiração num episódio de sua vida sentimental. Composto em 1936, só dois anos depois encontrou seu intérprete ideal, Cyro Monteiro, maior expressão do estilo sincopado, e talvez o cantor que melhor tenha sabido “dividir” um samba. Como fizera com Cyro, “Se Acaso Você Chegasse” ajudou a projetar o nome de outra intérprete maior, Elza Soares, que regravou a música em 1959.

“Acertei no Milhar”  (1940), de Wilson Batista e Geraldo Pereira
O sonho de ficar milionário com o jogo do bicho – 500 contos de réis era quantia espantosa em 1940 – inspira este samba de breque com letra escrita sob medida para as brincadeiras vocais de Moreira da Silva. O grande Wilson Batista, cujo centenário de nascimento comemora-se em 2013, é autor sozinho da peça. O não menos grande Geraldo Pereira, então em início de carreira, entrou na parceria só para “trabalhar” a música nas rádios.

“Antonico” (1950), de Ismael Silva
É um marco na linha evolutiva do samba, uma peça intimista feita pelo mesmo compositor que havia começado a revolução no gênero no final dos anos 1920. Uma revolução dentro da revolução. Note-se que toda vez que Caetano Veloso – que sugeriu a Gal Costa que regravasse a música – comete um samba há ecos de “Antonico” nele. Apesar de Ismael ter negado sempre a hipótese autobiográfica, é impossível não identificar o autor naquele que “toca cuíca, toda surdo e tamborim/ Faça por ele como se fosse por mim”.

“Agoniza, Mas Não Morre”  (1978), de Nelson Sargento
Marco da resistência cultural do gênero, este samba inspirou-se num drama familiar. Ao chegar a casa na Baixada Fluminense, depois de trabalhar como pedreiro na zona sul do Rio, Nelson Sargento encontrou a mulher muito mal de saúde. Os dias passaram, e ela nada de melhorar. Nelson suspirou e, já desalentado, murmurou: “Agoniza, mas não morre”. Na mesma hora, pegou o violão e compôs o clássico, gravado por Beth Carvalho. Em tempo: a mulher dele ficou boa.

 

 

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Fonte: IG

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