100 Cidades Africanas Destruídas Pelos Europeus, parte II

Mawuna Koutonin

PORQUE existem poucos edifícios históricos e monumentos na África subsaariana!

Parte I

“Kumasi era a capital do Reino Axânti, séculos 10 a 20. Desenhos do cotidiano em Kumasi mostram casas, muitas de dois pisos, edifícios quadrangulares com telhados de palha e habitações familiares organizadas à volta de um pátio central. O complexo Palácio Manhyia em outro desenho era semelhante a um castelo normando, mas mais elegante em termos da sua arquitetura.

“Estas casas de 2 pisos com telhados de palha encontradas no Reino Axânti tinham estrutura de madeira e paredes construídas com ripas e rebocos. Havia sempre uma árvore nos pátios que era o centro do recinto familiar. A Árvore da Vida era o altar onde as famílias faziam oferendas ao Deus, Nyame. Uma panela de latão onde se guardavam as oferendas era colocada em um de seus ramos. Era assim em todos os pátios de todas as casas, templos e no palácio. Os oficiais, representantes do Rei, trabalhavam em edifícios abertos. O objetivo era que todos vissem o que estavam fazendo.

“As casas de Kumasi tinham banheiros no piso superior em 1817. A cidade oitocentista está documentada em desenhos e fotografias. Passeios e praças públicas, vidas cosmopolitas, arquitetura requintada, imaculada e organizada, uma abundância arquitetônica, histórica, prosperidade e uma forma de viver extremamente moderna”[i].

Winwood Reade descreveu a sua visita ao Palácio Real Axânti em Kumasi no ano de 1874: “Fomos ao palácio do rei, que consiste de muito pátios, todos cercados de quartos de dormir e varandas, e com dois portões ou portas, para que todos servissem de passagem . . . Mas a parte do palácio diante da rua era uma casa de pedra em estilo mourisco . . . com um teto raso e um parapeito e quartos suíte no primeiro piso. Foi construído muitos anos atrás por pedreiros Fanti. Os quartos de cima me lembram a rua Wardour. Cada um é uma perfeita loja de curiosidades antigas. Livros em várias línguas, vidros da Boêmia, relógios, pratos de prata, mobiliário antigo, tapetes persas, carpetes Kidderminster, quadros e gravuras, inúmeros baús e cofres. Uma espada com a inscrição ‘Da Raínha Vitória para o Rei de Axânti’. Uma cópia do The Times de 17 de Outubro de 1843. E junto com tudo isto muitos exemplares de trabalho manual mouro e axânti”[ii].

A bela cidade de Kumasi  foi destruída, consumida pelo fogo, e pilhada pelos britânicos no final do século 19.

Em baixo algumas imagens da cidade.

Vista do Aban e do complexo do Palácio Manhya antes da pilhagem e destruição pelo exército britânico.

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Em 1331,Kilwa, dos Zanj, um povo de expressão Swahili, da seguinte forma: ”uma das mais belas e bem construídas cidades do mundo, um conjunto construído com elegância”. As ruínas completas com arcos ‘góticos’ e delicado trabalho em pedra, exemplos de uma arquitetura primorosa. Kilwa data do século 9 e atingiu seu auge nos séculos 13 e 14. Este porto africano internacional imprimiu sua própria moeda durante os séculos 11 a 14. Artefatos arqueológicos ligam a cidade a Espanha, China, Arábia e Índia. Os habitantes, arquitetos e fundadores da cidade não eram árabes e a única influência que os europeus ali tiveram, através dos portugueses, foi o inicio do declínio pela varíola e pela gripe.”[iii]

Em 1505 forças portuguesas destruíram e queimaram as cidades Swahili de Kilwa e Mombasa.

A imagem em baixo mostra a reconstrução feita por um artista, do palácio do sultão em Kilwa no século 15, seguida de fotografias das ruínas.

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“Um mouro que morava em Espanha, chamado Al-Bakri questionou os mercadores que tinham visitado o império do Gana no século 11 e escreveu sobre o seu rei: “Senta-se para dar audiências ou para ouvir queixas contra oficiais, num pavilhão com cúpula, à volta do qual se veem dez cavalos cobertos de ouro. Atrás do rei, dez pajens com escudos e espadas decorados de ouro, e à sua direita, os filhos dos reis da sua nação vestidos esplendidamente com o cabelo revestido de ouro. O governador da cidade senta-se no chão diante do rei, e os ministros em seu torno. Na porta do pavilhão, cães de excelente pedigree que mal deixam o lugar onde está o rei, para guardá-lo. Nos seus pescoços, coleiras de ouro e prata com pregos dos mesmos metais”[iv]

Em baixo imagens do Império do Gana.

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No século 15, quando os portugueses, os primeiro europeus que navegaram a costa atlântica de África: “chegaram na costa da Guiné e acostaram em Vaida, África Ocidental, os capitães ficaram surpreendidos ao ver ruas bem planejadas, ladeadas de árvores ao longo de muitos quilômetros, viajando durante dias através de campos magníficos, habitados por homens em ricas e coloridas vestimentas tecidas por eles próprios! Mais a sul, no reino do Congo(sic), uma vasta multidão vestida de finas sedas e veludos; grandes estados bem organizados, ao mínimo detalhe; governantes poderosos, indústrias florescendo – completamente civilizados. E a condição dos países da costa leste de Moçambique, por exemplo – era a mesma.”

O reino do Congo no século 15 era o epítome da organização política. Era “um estado em ascensão no século 15. Estava situado na região norte de Angola e do Congo ocidental. Pensa-se que a sua população fosse de cerca de 2 a 3 milhões de pessoas, uma estimativa conservadora. O país estava dividido em 6 províncias administrativas e um número de dependências. As províncias eram Mbamba, Mbata, Mpangu, Mpemba, Nsundi, e Soyo. As dependências incluíam Matari, Wamdo, Wembo e a província de Mbundu. Todas estavam sujeitas à autoridade do Mani Kongo (Rei). A capital do país (Mbanza Kongo), estava situada na província Mpemba. O baluarte militar ficava na província de Mbamba. Era possível alocar 400,000 a uma batalha.”[v]

Em baixo uma representação por Olfert Dapper, médico e escritor holandês, da cidade de Loango no século 17 (atual Congo/Angola) baseada em descrições do lugar por quem a tinha visto.

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Representação da Cidade de Mbanza no Reino do Congo

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O rei do Congo recebendo embaixadores holandeses, 1642, O. Dapper, “Description de l’Afrique  Traduite du Flamand” (1686)

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Emissários portugueses recebidos pelo rei do Congo, final do século 16, Duarte Lopes, “Regnum Congo hoc est warhaffte und eigentliche, Congo in Africa” (Franckfort am Mayn, 1609)

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Até ao final do século 16, a África era mais avançada que a Europa em termos de organização política, ciência, tecnologia, cultura. Essa prosperidade continuou, apesar da devassidão do tráfico europeu, até aos séculos 17 e 18.

O continente estava repleto de dezenas de cidades grandes e prósperas, impérios e reinos como os do rei Askia Toure de Songhay, rei Behanzin Hossu Bowelle do Benin, Imperador Menelik da Etiópia, rei Shaka ka Sezangakhona da África do Sul, rainha Nzinga de Angola, rainha Yaa Asantewaa do Gana, e rainha Amina da Nigéria.

Falamos aqui de impérios, reinos, reis, raínhas e imperadores, os homens mais ricos da história da humanidade.

E estes reis e rainhas dormiam em bananeiras no mato? Vestiam folhas de parra e andavam descalços?

Se não dormiam em árvores, não se cobriam de folhas, onde estão os vestígios de seus palácios, sua arte?

A cidade medieval de Benim, na atual Nigéria, foi construída a “uma escala comparável à Grande Muralha da China”. Tinha um vasto sistema de defesa com um total de 16 quilômetros. Mesmo antes da extensão da muralha se ter tornado evidente, o Guinness Book of Records publicou uma entrada na sua edição de 1974 que descrevia a cidade como: “A maior construção do mundo anterior à era mecânica.”[vi]

“A arte de Benim da Idade Média era da mais alta qualidade. Um oficial do museu berlinense Für Völkerkunde disse uma vez: “estes trabalhos de Benim igualam os melhores exemplos das técnicas de fundição europeias. Benvenuto Cellini não podia ter feito melhor, nem ninguém antes ou depois dele . . . Tecnicamente, estes bronzes representam o melhor avanço possível em fundição.”

No meio do século 19, William Clarke, um visitante inglês na Nigéria, afirmou que: “A melhor vestimenta entre todos os povos é fabricada pelos tecelões Yoruba . . . em termos de durabilidade, seus tecidos superam os fabricados e os manufaturados em Manchester.”

A recente descoberta da cidade nigeriana de Eredo, datada do século 9, provou que ela era cercada de uma muralha de mais de um quilometro e meio e com mais de 20 metros de altura em alguns pontos. A área interior tinha cerca de 640 quilômetros quadrados.”[vii]

A cidade de Loango na área de Congo/Angola é mostrada em outro desenho datado de meados de século 17. Novamente vemos uma cidade vasta e planejada, em linha retas, estendendo-se por vários quilômetros e completamente cercada de muralhas, repleta de movimento comercial. Só o complexo onde o rei habitava era um edifício de quase 2 quilômetros e meio, com pátios e jardins. O povo de Loango usava a matemática não apenas por razões aritméticas mas também para cálculos astrológicos. Usavam matemática avançada, álgebra linear. O Osso Ishango do Congo é uma calculadora com 25 000 anos de idade. “As chamadas inscrições do Osso Ishango consistem de duas colunas de números ímpares que somam 60, com a coluna esquerda contendo números primos entre 10 e 20 e a coluna direita contendo números de soma e diminuição.”[viii]

A bela cidade de Loango foi destruídapor caçadores de fortuna europeus, pseudo missionários e outros tipos de saqueadores.

Continua dia 11 de dezembro.

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100 Cidades Africanas Destruídas Pelos Europeus, parte I

______

Notas:

[i] PD Lawton, AfricanAgenda.net

[ii] ver ‘WHEN WE RULED’ by Robin Walker

>[iii] Fonte: Centro de Patrimônio Mundial da UNESCO, excerto de “African Agenda” por PD Lawton

[iv]http://en.wikipedia.org/wiki/Ghana_Empire#Government – a fonte da citação é fornecida pela Wikipédia como p.80 de Corpus of Early Arabic Sources for West Africa por Nehemia Levtzion e John F.P. Hopkins.

[v] Excerto de “African Agenda” por PD Lawton

[vi] Excerto de “The Invisible Empire”, PD Lawton, Source-YouTube, uploader-dogons2k12 `African Historical Ruins’

[vii] Robin Walter.

[viii] Fonte: Ta Neter Foundation. Em exposição na Bélgica. – Excerto de “African Agenda” de PD Lawton

 

Fonte: Contramaré

 

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