6 brasileiras que cantam contra o machismo

No ano em que a Lei Maria da Penha completa 10 anos, mulheres foram às ruas protestar contra o estupro, o feminicídio e o direito à decisão sobre o aborto. Artistas brasileiras também usaram suas vozes para cantar o feminismo.

Fonte: G1

NAS RUAS E NOS PALCOS

2016 foi marcado pelo empoderamento feminino. No ano em que a Lei Maria da Penha completou 10 anos, o Brasil se chocou com um caso de estupro coletivo no Rio. Não foi um caso isolado. A cada 11 minutos uma brasileira é estuprada, segundo dados de 2015 do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. No Brasil e no mundo, elas foram às ruas dar voz à insatisfação com a violência contra a mulher. Usando roupas pretas, milhares delas pararam suas atividades e fizeram greve simbólica.

Cantoras também não ficaram de fora. Utilizaram suas letras e suas vozes para multiplicar o eco de manifestações pelo mundo. O G1 conversou com seis brasileiras que cantaram contra o machismo.

KARINA BUHR

Eu sou um monstro” critica a cultura machista, inclusive a praticada por mulheres: ‘Mulher, tua apatia te mata/ Não queria de graça /O que nem você dá para você, mulher. “Critica, inclusive o que está dentro de nós, nos corroendo por dentro e lutamos bravamente para cuspi-lo fora. Nos podamos e batemos de frente para poder seguir e isso é constante, luta que não cessa”, afirma Karina Buhr.

Karina Burh lançou o disco ‘Selvática’ em 2015; canções como ‘Eu sou um monstro’ e a faixa-título falam da força das mulheres

A cantora e compositora baiana radicada no Recife atribui essa nova postura a “uma tendência mundial de aglutinação de pessoas e debates cada vez mais profundos sobre feminismo, racismo e todo tipo de opressão”.

Para ela, as redes sociais têm papel nesta discussão: “O debate agora é aberto, cabe todo mundo, quem leu todas as autoras feministas e quem nunca abriu um livro sobre qualquer tema. Isso é precioso para discutir feminismo e se aglutinar com outras mulheres pelos próprios direitos e compartilhar as experiências basta ser mulher”.

“O machismo é estrutural, está em todas as nossas relações sociais, no trabalho, na política, na família. As mulheres não são ouvidas, quando falamos ouvimos sempre, inclusive dos melhores amigos homens, ‘não acho que seja assim, discordo’. Mano! A gente que sente na pele, escuta a gente!”, disse a cantora correlacionando o caso do estupro coletivo no Rio com o cotidiano das mulheres.

O estupro, noticiado em maio deste ano, chocou o país. O delegado que apurava o caso foi dispensado e recebeu uma moção de repúdio da Assembleia Legislativa. Foi substituído por uma delegada e o então chefe da Polícia Civil no RJ, Fernando Veloso, afirmou que a corporação iria “avaliar se houve falta de habilidade na questão do trato com a vítima”.

CAROL NAINE

Em “Dizputa”, Carol Naine faz uma crítica ao uso da palavra puta – pejorativamente utilizada para se referir a uma mulher com o comportamento indesejado pela maioria dos homens. Com sarcasmo, fala de machismo no refrão: “o indivíduo atinge a idade adulta/ ganha umas ideias dentro da cuca/ perde uns cabelos acima da nuca/ mas não aprende que mulher não se disputa”.

A cantora carioca Carol Naine faz uma crítica sarcástica ao machismo em ‘Dizputa’, canção do disco ‘Qualquer pessoa além de nós’

“Eu poderia ter usado qualquer palavra com sentido pejorativo: piranha, vaca, galinha. Escolhi puta porque tem o trocadilho com disputa, mas o sentido é o mesmo. O objetivo é usar linguagem chula para exemplificar o comportamento preconceituoso. Se eu fosse escrever algo poético e lindo ninguém ia perceber a importância da mensagem”, explica a cantora carioca.

Para ela, a mensagem ficou bem perceptível na primeira vez que cantou a música ao vivo. “Começaram rindo bastante, como se eu estivesse fazendo uma piada. Quando cheguei no refrão, no final, as expressões mudaram. Não vi sentimento de negação ou ofensa, mas de empatia e reconhecimento. Foi bacana de ver”, recorda. “Por ser um assunto delicado, existe uma negação imediata em discutir o aborto. Por isso, é tão difícil mudar a legislação no Brasil. Nossa cultura condena, mas não esclarece”, comenta Carol.

Carol acha natural cantar o feminismo. “Agora que temos mais compositoras ativas, a visão feminina também vai para o mundo nas letras das canções. É natural que escrevamos sobre nossas vidas, como enxergamos o outro, que falemos das relações afetivas, de política. Sempre se fez isso na música brasileira. Durante a ditadura os compositores foram perseguidos e exilados porque estavam expondo a ferida da época. Estamos fazendo o mesmo agora com outros assuntos”, diz Carol. Para ela, o debate nas redes sociais tem sido “combustível criativo” e influenciou bastante seu segundo disco.

Para ela, outra questão é que o aborto afeta diretamente as mulheres, mas no Brasil a política se faz “majoritariamente por homens”. “Não há interesse político em tratar o aborto como questão clínica, humana. Estamos flutuando em crenças sociais, padrões culturais. Porque a verdade é que até dentro do viés religioso há caminho para uma solução mais adequada”, opina Carol.

LILA

Com um eletrônico dançante, Lila fala o que muitas mulheres querem dizer: “Quando eu digo não, é não”. Um impasse que muitas mulheres passam é ter um não encarado como um sim. Numa paquera na balada, no dia a dia do namoro… A cantora do Amapá diz que “a opinião da mulher é encarada como algo de menor valor”. “Não é muito louco pensar que às vezes na balada um ‘tenho namorado’ tem mais força do que um simples ‘não’? O homem invisível tem mais autoridade do que a própria mulher que está ali. Inacreditável, né?!”

Lila apresentou o single ‘Não é não’ no Festival Coala, em São Paulo; ele foi lançado no dia 15 de dezembro Foto: Filipe Raposo

A letra toca em um ponto sensível às mulheres: abrir mão dos próprios desejos em prol do homem. “A gente foi criada nessa sociedade machista que nos desvaloriza, né? Fomos ensinadas de maneira sutil e profunda que somos dependentes, que não somos capazes e que eles são mais competentes. Muitas vezes somos machistas com nós mesmas dando mais importância e valor ao homem e ao que ele quer do que o que estamos sentindo e querendo. Essa palavra ‘empoderamento’ é exatamente isso: dar poder a sim mesmo e ao que você tem de melhor”, explica Lila.

“O estupro é a ponta do iceberg de um comportamento machista. A cantada na rua, a propaganda de cerveja que trata a mulher como objeto sexual, as piadas de gênero, o salário desigual para homens e mulheres e outras atitudes do cotidiano alimentam e estimulam esse comportamento que culmina no estupro e assassinato da mulher. Para combater o estupro, aqui e em qualquer outro lugar, é preciso combater esses comportamentos”, opina.

MC CAROL

Em outubro deste ano, MC Carol lançou “100% Feminista” – com participação da curitibana Karol Konká. As dupla fala sobre violência contra mulher. “Presenciei tudo isso dentro da minha família/ Mulher com olho roxo, espancada todo dia/Eu tinha uns cinco anos, mas já entendia/ Que mulher apanha se não fizer comida/ Mulher oprimida, sem voz, obediente/Quando eu crescer, eu vou ser diferente”.

MC Carol lançou ‘100% Feminista’ com a participação de Karol Konká Foto: I Hate Flash

“Eu presenciei três casos [de violência doméstica] dentro da minha família. Eu nunca cito nomes, mas resolvi falar sobre este assunto porque é muito importante. Assim como eu, muitas crianças presenciam isso diariamente. E quando eu canto, muita gente se identifica”, afirma MC Carol.

O termo feminismo é novidade para a cantora de Niterói, mas as atitudes de luta contra o machismo não. “Estou descobrindo agora que o que eu já vivia e tinha que lutar tinha uma palavra”, explica ela. Carol crê que a violência contra a mulher – seja a doméstica, seja a praticada na rua – estão com números alarmantes no Brasil devido à impunidade. “É preciso ser mais firme na punição de estupradores”, opinou.

NINA OLIVEIRA, GABI DA PELE PRETA E GABRIELLE RAINER

Um trio de cantoras se uniu para também falar de violência contra a mulher, o papel feminino na sociedade e a cultura do estupro. Nina Oliveira, cantora e compositora paulista, e Gabi da Pele Preta, artista pernambucana, e Gabrielle Rainer lançaram “Disk Denúncia”.

Nina Oliveira (na foto), Gabi da Pele Preta e Gabrielle Rainer compuseram ‘Disk Denúncia’ Foto: José Cômodo

“Eu acho importante falar sobre esses temas de forma reflexiva, fugindo do senso comum. Eu não acho a maneira como o corpo feminino é visto na nossa sociedade saudável. As normas de higiene que nos colocam não são saudáveis e muitas vezes colocam o nosso corpo como algo nojento que deve ser esterilizado. Como, por exemplo, com a menstruação que é um fluído natural. Toda mulher em idade fértil menstrua, não é nojento, é normal. Mesmo sendo algo natural há um coro cantando que menstruação é um nojo, e sempre há um constrangimento e uma sutil repressão quando se comenta abertamente sobre como é estar menstruada”, diz Nina Oliveira.

Ela encara o conservadorismo no Brasil como o responsável pela dificuldade em discutir assuntos espinhosos relacionados às mulheres, como é o aborto. “Apesar da suposta laicidade do estado, o pensamento recorrente entre grande parte da população está fundamentalmente no pensamento cristão. Ainda que você não tenha religião, ainda que você seja ateu, você pode ser tão ou mais conservador que um religioso. A grande trava para a legalização do aborto é o nosso moralismo e o embasamento em uma crença para a aprovação ou desaprovação de uma lei”, opina.

“Apesar do moralismo, o aborto continua acontecendo, sendo ou não legalizado. O ápice desse problema é que mulheres de diferentes classes sociais realizam abortos. O aborto é um problema de saúde pública, não da moral da população. A legalização é necessária, porque gravidez pode acontecer usando um método contraceptivo ou não”, defende a artista.

PRETA RARA

Preta Rara fala em suas letras do que para ela é uma luta dupla: ser mulher e ser negra. Em “Audácia”, ela narra sua vida em uma letra autobiográfica – mas, como ela diz, poderia ser a história de qualquer menina negra.

Preta Rara canta letras de rap sobre machismo e racismo

“Ser mulher no universo do rap é ser mulher em qualquer lugar da sociedade. O hip hop está inserido na sociedade. A sociedade é machista e o rap não deixa de ser”, reconhece. “Se tem uma roda só de meninos, alguém me apresenta e fala que eu canto rap, os caras já vão falar: ‘nossa, é mesmo?’ – em tom de surpresa – ‘então canta aí para eu ver’. Você tem sempre que provar o que você faz. É diferente quando um cara que chega na roda, ninguém conhece ele, mas já fazem elogios mesmo sem nem ter ouvido a música. Só pelo fato de ser homem é legal, então?”, questiona Preta.

No entanto, esta barreira não intimida Preta. Ela diz ter se inspirado em outras mulheres que abriram espaço para o gênero feminino adentrar o ritmo e que hoje também leva inspiração para o público.

“É gratificante quando desço do palco, as mulheres virem falar que se identificaram com as letras, com as roupas. Muitas delas, que também são gordas e tinham vergonha do corpo, depois de terem me visto com uma roupa mais curta, decotada, sentiram vontade de se vestir assim”, explica.

CRÉDITOS:

Reportagem: Isabela Marinho
Edição: Braulio Lorentz

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