9 coisas que você faz que perpetuam a cultura do estupro

Não adianta falarmos só do estupro, crime, tipificado no Código Penal.

Por ANNA HADDAD, do Comum 

Precisamos falar de uma cultura inteira que constrói no dia a dia a possibilidade dessa violação de direitos – a mais tolerada do mundo. De uma cultura que diz, de várias formas sutis, que o corpo da mulher não é dela: é público, é mercadoria, é objeto, está a serviço dos homens e da maternidade.

Nós construímos e perpetuamos essa cultura. Hora de parar de apontar o dedo e olhar pro nosso próprio umbigo.

Aí vão as coisas que você faz e que ajudam a perpetuar a cultura do estupro:

1. Educa as meninas pra servir e os meninos pra conquistar

Menina boa é a recatada, cuidadora. Gentil, que serve: os pais, os irmãos, depois os companheiros e filhos. Menino corajoso é aquele que explora, conquista, invade. Que toma o que quer pra si.

2. Diz pras meninas que elas precisam se dar ao respeito e incentiva os meninos a serem pegadores

Com o comportamento sexual não é diferente: mulher tem que ser casta, seletiva. Se dar ao respeito. Se não, é puta, vagabunda, piranha. Já eles seguem o caminho da conquista de território: quantas mais parceiras, mais viril e poderoso é o cara.

3. Critica a roupa de uma mulher

“Mas essa saia tá meio curta, não tá não?”

“Ela não é muito velha pra esse tipo de roupa?”

“Ela se veste de modo bem vulgar, você não acha?”

A gente faz isso o tempo todo. Julgar pela roupa ou pela quantidade de pele à mostra volta pro lugar do entendimento de que mulher que se preze tem que “se dar ao respeito”. E que se ela não fizer isso, o que acontecer a partir daí é culpa dela. Esses julgamentos são a semente de falas de culpabilização da mulher por agressões sofridas, afinal, “de saia curta na rua, à noite? estava pedindo, né?”.

4. Objetifica mulheres na mídia ou tolera que isso aconteça

Ensaios sensuais. Capas de revista. Propagandas. É comum mulher ser objeto, um corpo, um pedaço de carne. É comum a gente assistir, achar normal, ou, em nome da arte, romantizar o corpo das mulheres. Isso precisa acabar.

5. Assiste pornografia

Reproduzimos comportamentos sexuais que vemos nas telas. Simples assim. Se é ok 10 homens transarem, serem violentos e humilharem mulheres em um filme, porque não na realidade?

“Em um estudo inicial conduzido pelo psicólogo Neil Malamuth, homens saudáveis sem histórico criminal foram expostos a 10 minutos de pornografia “hard core”. Depois da exposição, foi pedido a eles que respondessem questões como se “havia alguma vez que uma mulher “merecia” ou gostava do estupro”.

Os homens que haviam assistido pornografia esmagadoramente concordaram com os mitos sobre estupro, de uma maneira que não ocorreu com o grupo de controle. Incontáveis estudos desde então mostraram que a exposição à pornografia dessensibiliza os homens para a violência contra a mulher, frequentemente moldando sua sexualidade de uma maneira que os torne incapazes de ter experiências de excitação sem algum elemento de dominação ou violência.”

Ambos os trechos são do texto Whose porn, whose feminism, de Maya Shlayen.

6. Xaveca ou acha normal xavecarem uma mulher na rua

Um misto de objetificação com invasão de espaço. Homens fazem isso porque se sentem no direito, porque acham que podem. Isso não é inofensivo, é retrato de poder e dominação. É cultura do estupro pura, simples e cotidiana.

7. Usa xingamentos com estereótipos de gênero nocivos

Ela é vadia e ele é viado (entre outras variações). Esses xingamentos perpetuam a noção de que mulher decente é aquela que não exercita sua sexualidade, e que a que exercita merece ser punida. E do outro lado a ideia de que homem machão é o homem comedor, viril. São esses os estereótipos base da cultura do estupro.

8. Faz piadas com caricaturas que desumanizam

Loira gostosa, gordelícia, bonita e burra, “não queria mas acabou dando”, “diz que não mas adora um pinto”, e por aí em diante. Nosso repertório humorístico está lotado de estereótipos irreais que divertem desumanizando e objetificando a mulher. Um dos sexismos mais perigosos é o que vem disfarçado de brincadeira.

9. Fica calado frente a um abuso

Não importa se foi piada sexista, objetificação de uma mulher, cantada na rua, puxada de cabelo na balada. Não dá pra ser condescendente com nenhum desses atos – nem com o melhor amigo nem com um cara conhecido que calhou de passar do seu lado.

Precisamos trocar os óculos, mudar uma vida inteira de hábitos.

Não é do dia pra noite, eu sei. Mas a hora de começar é agora.

Estamos focando nossos últimos conteúdos nesse assunto, desde o estupro coletivo da última segunda-feira, que aconteceu no Rio de Janeiro e chocou o Brasil. Seguimos falando sobre cultura do estupro lá no fórum fechado pra assinantes, em um tópico específico. Se quiser participar do papo, saiba como aqui.

Anna Haddad é co-fundadora da Comum. Escreve pra vários veículos sobre educação, colaboração, novos negócios e gênero, e dá consultorias ligadas à comunidades digitais e conteúdo direcionado pra mulheres.

Giovana Camargo é co-fundadora da Comum. Se dedica a empoderamento feminino através de encontros, conteúdos e consultorias de projetos pra mulheres.

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