A autonomia política das mulheres só é válida para as feministas?

Algo muito importante que precisa ser relembrando vez ou outra é a necessidade de reconhecer a autonomia política das mulheres, ou seja, a possibilidade de nós podermos formular, pensar e resolver questões políticas sem necessariamente ter por trás de nós um homem pensando ou formulando. É por isso a reivindicação de termos mais mulheres nas direções das organizações políticas, pois como pensar política feminista não sendo objeto da opressão machista?

por Luka

 

Coloco esta discussão por não ser nada eventual depararmos entre as próprias mulheres e feministas questionamentos se esta ou aquela figura organiza sua vida política por conta do seu relacionamento pessoal com alguém, não é raro ouvirmos que uma estudante começou a acompanhar as atividades do movimento por causa do carinha barbudo com quem ela começou a namorar, ou a sindicalista que defendeu em assembléia do sindicato política tal por ser apaixonada pelo dirigente y da entidade. Não é uma tarefa fácil desconstruir isso, até por que sabemos que nem todas as mulheres (arriscaria dizer a maioria) não é feminista, nem passa perto do feminismo – mesmo as ligadas a partidos de esquerda.

É importante para nós feministas compreendermos que para o bem ou para o mal defendemos a autonomia das mulheres de formular e ter suas próprias decisões políticas e desacreditá-las por suas relações pessoais seja com quem for é algo que agride nossas convicções, mesmo que seja uma mulher defensora da criminalização do aborto e afins, ela tem autonomia para formular politicamente e filosoficamente sobre o tema. Obviamente é preciso lembrar que mesmo compreendendo a autonomia política das mulheres isso não quer dizer me colocar ao lado delas na luta política, até porque não acredito que baste se mulher para mudar a sociedade de forma radical.

hamed saber big-199x300Iraniana protestando contra o golpe do governo iraniano em 2009. Foto de Hamed Saber/Flickr em CC

Compreender isso é importante até para a própria disputa política com mulheres que não apoiam o nosso programa político, pois é aí que avançamos no debate, pois o lugar delas na política não foi assegurado por mera vontade e respeito dos homens, mas por conta de muita luta das feministas no mundo inteiro. É óbvio que nós por termos sido criadas e educadas politicamente em um sistema patriarcal e machista acabamos por vezes reproduzindo valores machistas como este de passar por cima da autonomia política das mulheres quando elas exprimem posicionamentos políticos parecidos com os de seus maridos, namorados ou ficantes, é equivocado fazer isso pois nos enfraquece. Porém isso não quer dizer nos furtar de criticar posicionamentos políticos condizentes com o reacionarismo, respeitar e reconhecer a autonomia política das mulheres não é a mesma coisa de passar a mão na cabeça quando se apresenta posicionamentos e articulações políticas condizentes com a direita/burguesia.

Essa conta vamos pagando justamente pela luta feminista ser encarada de forma secundarizada nos movimentos sociais, organizações políticas e afins. Pelo fato de ter sido dissociada das chamadas lutas gerais bem lá atrás na história, sendo tratada como um assunto de interesse apenas das mulheres quando atinge diretamente a toda sociedade, pois pelo menos no Brasil nós mulheres somos a maioria da classe trabalhadora e para isso é preciso retormar a construção intríseca da dita política geral com a política feminista, pois é ínviável uma se realizar sem a outra.

Coloco esta reflexão pois é algo que vez ou outra me pego pensando por diversos motivos, pois mesmo discordando politicamente de diversas mulheres respeito sua autonomia política e tento (tentativa mesmo, pois sou humana e vivo na eterna contradição de ser feminista e socialista e viver num mundo capitalista e patriarcal) não fazer este julgamento quando está em jogo algum debate político e eu esteja de alguma forma envolvida. É um exercício árduo tirar do meio do campo este preconceito machista e focar no debate político, mas é preciso ser feito, até para podermos colocar aos nossos companheiros que o debate político se faz compreendendo a autonomia política das pessoas e principalmente das mulheres e não respeitar isso é despolitizar qualquer enfrentamento.

 

Luka

Paraense radicada em São Paulo, jornalista, mãe, feminista e socialista. Graduada em Jornalismo pela PUC/SP, foi militante e coordenadora nacional da Executiva Nacional de Estudantes de Comunicação Social (ENECOS), acompanha mais ou menos a oposição dos jornalistas, faz parte do setorial de mulheres do PSOL e é coordenadora do cursinho Guerreira Maria Filipa, em Guaianases, da UNEafro-Brasil.

Fonte: Blogueiras Feministas

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