Adolescente morto a tiros no Fallet tinha 97% de presença e era ‘aluno exemplar’, diz professora

Mais um crime levou crianças e adolescentes alunos de escolas da rede pública a um cemitério para enterrar amigos. Pouco mais de uma semana após Maria Eduarda Alves da Conceição, de 13 anos, ser morta no pátio da Escola Municipal Jornalista Daniel Piza, em Acari, na Zona Norte, estudantes de três escolas públicas foram ao Cemitério do Caju, também na Zona Norte, prestar suas últimas homenagens ao colegas Davi Renan da Rocha, de 16 anos, e Wesley de Paula, 15 anos, mortos na noite do último domingo no Morro do Fallet, no Rio Comprido, Região Central do Rio. As famílias das duas vítimas acusam policiais militares pelo crime.

Por Rafael Soares Do Extra

Davi e Wesley estavam, com um amigo, no pé de uma escadaria no alto da favela por volta das 22h de domingo quando foram atacados a tiros, que vieram do alto da escada. Testemunhas afirmam que, pouco antes, os dois estavam num pagode, que acontecia na favela, e no momento dos disparos, estavam conversando e mexendo em seus celulares. A escadaria tem acesso pela Rua Almirante Alexandrino. Os dois foram atingidos pelas costas — Wesley nas costas e Davi, na cabeça — e socorridos por moradores da favela para o Hospital municipal Souza Aguiar, mas não resistiram aos ferimentos. Um terceiro adolescente, de 14 anos, também foi atingido no pé e já teve alta.

As duas famílias negam envolvimento dos dois com o tráfico. Ao EXTRA, testemunhas afirmaram que foram havia três atiradores de preto do local onde vieram os disparos. O comando da UPP afirmou que não há registros de confrontos no fim de semana no local. O caso está sendo investigado pela Delegacia de Homicídios (DH)

O pai de Wesley, Adriano de Paula, técnico em Tecnologia da Informação, afirma que o menino morou por três anos fora da favela. Quando ele se separou da mãe do adolescente, levou Wesley para morar em Olaria, na Zona Norte. Somente no final do ano passado, o adolescente voltou a morar com a mãe, para ajudar na casa.

— Ele havia acabado o Ensino Fundamental e começou um curso de Jovem Aprendiz. Decidimos que ele tinha que voltar para a casa da mãe para que ela não ficasse sozinha. Infelizmente acontece isso. É muito difícil enterrar um filho depois de tudo que a gente passou. Estudava junto com ele. Éramos muito unidos — conta Adriano. Segundo ele, Wesley adorava dançar, era talentoso e tinha sonho de ser dançarino.

Professores e cerca de 100 colegas de Wesley que estudaram com o garoto na Escola Municipal Chile, em Olaria, e no Colégio Estadual Monteiro de Carvalho, em Santa Tereza, onde cursava o Ensino Médio, foram se despedir do colega. Nas paredes da capela, amigos colocaram cartazes com mensagens: “Por que o destino nos deixou sem você, suas danças e rimas?”. Alzeli França, professora de Química e Física do Monteiro de Carvalho, contou, com provas do adolescente em mãos, que Wesley era um aluno exemplar.

— Conheci o Wesley no último dia 10 de março. É aquele aluno presente, que não falta às aulas, amigo de todos. Ele é do tipo que ajuda o professor a dar aula, conscientizando o resto da turma. Na lista de presença dessa turma, havia dois Wesley: um que nunca apareceu e ele. Quando soube que era ele, não acreditei — disse Alzeli.

Segundo Rosângela Cistaro, diretora da escola, Wesley tinha 97% de presença e conceito geral B. Ele era aluno da turma 1002, do turno da manhã.

— Como um aluno desses pode ser bandido? O que dizer agora para os outros alunos? — se pergunta a diretora.

Já Davi é de uma família que veio do Ceará para morar no Fallet. O jovem morava com a mãe, a doméstica Renata Cristina da Rocha, e o padrasto na favela. Segundo seus parentes, o jovem estudava numa escola no Centro do Rio pela manhã e, à tarde, vendia salgados com seus tio na Central do Brasil.

— Ele era tudo que eu tinha, meu filho único. Tinha sonhos, queria ser jogador de futebol. Agora, não sei o que vai ser — disse Renata, que no antebraço direito carrega tatuado o nome do filho morto.

Na última segunda-feira, por conta das mortes, moradores do Fallet realizaram caminharam do Catumbi até o Palácio Guanabara, em Laranjeiras, em protesto à morte dos jovens. A manifestação casou interdições na Rua Pinheiro Machado.

Mais tarde, na noite de segunda-feira, a base da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) Coroa/Fallet/Fogueteiro, que fica na Rua Navarro, no Catumbi, foi atacada por traficantes. O comando da UPP informou que houve um confronto após policiais terem sido atacados próximos à base. O policiamento foi reforçado.

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