Alternativas de mídias infantis para famílias feministas – Por: Carolina Pombo

Este post nasceu de uma preocupação evidente no grupo FemMaterna: qual é a influência das “princesas” na vida de nossxs filhxs? Como educar uma criança, com um olhar feminista, diante da forte presença de apelos sexistas na mídia – nos desenhos e filmes infantis, nos brinquedos, na internet, na publicidade, enfim?

Texto de Carolina Pombo

Depois da constatação de que essa é uma preocupação comum entre nós, passamos a discutir as estratégias diárias que usamos para proteger as crianças sem cerceá-las completamente. Muitas de nós concordam em equilibrar a oferta de todo tipo de brinquedos e mídia de boa qualidade com a (quase inevitável) exposição às princesas Disney e demais apelos sexistas. Há pessoas que optam por não ter televisão e não permitir que os filhxs naveguem na internet e joguem games eletrônicos tão cedo. Essa é uma alternativa a se considerar, dependendo da rotina e estrutura familiar.

Eu tive diferentes momentos na minha infância. Lembro de uma época em que a televisão só era permitida aos fins de semana, no canal público — a TV Cultura. Só tive uma única barbie e era incentivada a brincar muito mais na rua do que dentro de casa. Mas, como mãe, apesar de não ter o hábito de ligar a televisão, não sou tão radical. Alugo, compro e baixo conteúdos para minha filha desde um ano de idade mais ou menos. E, com a tv que pagamos, podemos escolher a programação dentre a grade sem assistir a qualquer propaganda.

Também somos cinéfilos. Adoro levar minha filha ao cinema. Seu primeiro filme foi com um mês e meio, dormindo no meu sling! Fiquei toda orgulhosa de estrear seus olhinhos diante da grande tela com o documentário Babies, aos dois anos de idade. A primeira princesa que entrou na minha casa não tem nada pink, é uma ogra, a Fiona do filme Shrek. Ela foi um dos personagens preferidos da minha filha durante muito tempo. Mas, hoje em dia, convivemos com todo tipo de realeza — desde as Disney até as artesanais e vintages que tem reaparecido.

Há um argumento comum entre os produtores de conteúdos e produtos para as crianças de que a própria família procura aquilo que identifica com o gênero “menina” ou “menino” na hora de presenteá-las. Um dos princípios do marketing infantil se baseia, então, nessa ideia de que o consumo das crianças é claramente segmentado. É uma explicação circular que, ao mesmo tempo em que parte da “certeza” de que as pessoas consomem aquilo que as diferencia, enquanto grupo e indivíduo sexualizado, alimenta essa tendência de segmentação, discriminação e desigualdade.

Os programas na tv e no cinema tem seus personagens que logo aparecerão em marcas de brinquedos,. E, os brinquedos vão inspirar os vitrinistas a segmentar a exposição nas lojas, o que influencia bastante a escolha das pessoas e reforça a crença de que sempre consumimos em segmentos — de maneira geral, o marketing não está preocupado em contribuir para um mundo mais justo e igualitário.

Na minha experiência à frente de uma marca de produtos para bebês e crianças de até 8 anos de idade, pude constatar duas coisas interessantes: sim, há pessoas que chegam na loja procurando a “seção de meninas” e a “seção de meninos” — na minha loja, elas se sentiam perdidas e às vezes, até reclamavam que nós não tínhamos produtos para meninas enquanto outros diziam que não tínhamos para os meninos… O neutro não significava nada para esses consumidores, que geralmente vinham com uma ideia fixa sobre “o que as crianças gostam de verdade”; mas eu também presenciava sempre os suspiros de alívio de muita gente diante da minha vitrine! Parecia que, enfim, tinham encontrado uma loja que entendia que as crianças não precisam ser o tempo todo classificadas por gênero, e que é muito mais rico deixar que brinquem livremente.

Infelizmente, a maior parte dos produtores não está atenta à esse público mais questionador, que se incomoda com as vitrines divididas entre o mundo doméstico e das maquiagens pink e o mundo preto e azul da violência. Maaaaas, ainda bem que nesta sociedade diversa e globalizada — com suas mazelas e dificuldades profundas — podemos também ter acesso a outro tipo de produção, incluindo brinquedos e mídias infantis que superaram essa crença na segmentação por gênero.

Há, tanto na tv aberta brasileira quanto nos canais pagos, desenhos animados que podem ser boas alternativas para enriquecer o cardápio midiático das crianças. Na internet, também encontramos sites com acesso grátis, e jogos que podem ser baixados para pc ou tablet, nessa mesma linha. São essas alternativas que nos ajudam a prosseguir na educação feminista sem privar nossxs filhxs do uso das novas tecnologias.

Por isso, neste post, resolvi fazer uma breve lista (com contribuições de outras pessoas do grupo) de sugestões que fogem desse círculo vicioso impulsionado pelo marketing. Com certeza, há outras dicas que não puderam ser contempladas aqui. Se você tiver mais algumas, compartilhe nos comentários!

1. Charlie e Lola: o mais citado na discussão do grupo sobre o tema. Agrada a grandes e pequenos, além de mostrar a bela relação de um irmão com a irmã mais nova sem qualquer apelo à segmentação sexual. É lindo!

2. Shrek: todos os filmes da série desconstroem estereótipos: de princesa, príncipe, mãe, pai, casal (o Burro tem filhos com uma Dragão fêmea, por exemplo), e há críticas inteligentes e bem humoradas aos contos de fadas clássicos.

3. Ninoca (Maisy Mouse em inglês): é o desenho animado que gerou uma série de livros, sobre uma ratinha que só assumimos como menina por causa do nome. Ela se veste de forma simples, com shorts e blusa coloridos, e brinca de todo tipo de coisas com seus amigos.

4. Vila Sésamo (Sesame Street em inglês): super antigo e pedagógico, tem a tradição de explorar as discriminações sociais, com personagens de todo tipo, até mesmo um monstrinho morador de rua, chamado Oscar. O site americano tem muitas opções de jogos e vídeos, gratuitos.

5. As visões da Raven: mais direcionado para os pré-adolescentes, é protagonizado por uma menina negra, feliz, engraçada e corajosa. Apesar de ser da década de 1990, faz sucesso na tv aberta.

6. Estela e Marcos (Stella et Sacha): são personagens de uma coleção de livros que viraram jogo e livro interativo para tablet. Os dois tem uma relação especial com a natureza e as brincadeiras ao ar livre. As ilustrações são maravilhosas!

7. Anabel: dá para não gostar de uma menina que se inspira em Edgar Allan Poe? Essa personagem faz um mergulho na literatura, viajando com os pais, conversando com seu amigo Ulisses, indo à escola… E tem a vantagem de ser uma criação brasileira!

8. Toca Boca: apesar do nome familiar, é uma marca sueca que tem ganhado muitos prêmios. Inovadora tanto no conteúdo quanto na aplicabilidade, oferece jogos para tablet que transformam atividades do dia a dia em brincadeira. No jogo de salão de beleza, as crianças podem fazer o que quiserem com os personagens, independente da identidade sexual deles. No jogo de customização de roupas, a gente pode inclusive vestir o menino com vestidos e usar os mesmos acessórios tanto para ele quanto para a menina — é um dos meus preferidos!

9) Dora, a aventureira: é um desenho infantil no qual a protagonista é uma menina livre e curiosa. Ela contracena com os animais e passeia por diferentes “mundos”.

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Carolina Pombo é psicóloga, mãe de uma menina, curiosa e inquieta. Escreve no blog Kaléidoscope.

 

Leia Também:

Dicas de Livros Infantis: Protagonistas Negros – por Isabela Kanupp

 

Fonte: Blogueiras Feministas 

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