Artistas negras somem da paisagem do Rio de Janeiro de 2015. Artistas negras protestam na Pedra do Sal.

Rolou Copa, vem aí as Olimpíadas e o “Porto Maravilha”, no Rio de Janeiro, está ficando prontinho para receber milhões de turistas de todo o mundo. As remoções das populações pretas da “PEQUENA ÁFRICA”, que aconteceram do século XX até agora, já não contam, vão cair no esquecimento. Cumpre-se o “decreto” de Rui Barbosa:

por Marcos Romão, do Mamapress

” Queimem os arquivos. eliminem a mancha negra da escravidão”.

O que vale agora é o Novo Rio, límpido esplendoroso e eugênico:

Ao cumprirem a vontade do “Águia de Haia”, os cariocas o fizeram ao pé da letra, acabaram com a mancha negra removendo os habitantes pretos da região.

Em 2015, mesmo que só na “fantasia” artística, temos a impressão que a eliminação do protagonismo negro na paisagem cultural do Rio se confirma.  O projeto “Porto de Memórias” promove o espetáculo “João Alabá e a Pequena África”, onde ao invés de uma artista negra,  vamos assistir uma artista branca no papel da mãe de santo protagonista do espetáculo, que nas palavras do autor ao rebater as críticas a esta escolha para este papel, afirma no Facebook:

” Mãe Wanda de Omulu é uma personagem fictícia, inspirada na Yalorixá que cuida das minhas convicções religiosas, inspirada nos estudos que eu e minha equipe vimos fazendo para encenar importantes fatos e destacar importantes personalidades da história da formação da sociedade carioca…”

Na mesma página em que o autor defende seu ponto de vista, uma leitora lhe chama a atenção, para a seguinte questão:

“É total desconhecimento da luta dos negros por visibilidade e representação na mídia retratar uma personagem que historicamente seria evidentemente negra como branca. Se hoje o candomblé generosamente acolheu os brancos, naquele momento era ainda uma religião exclusiva dos africanos e crioulos – e perseguida ferozmente pelos brancos. A história do povo negro tem sido sistematicamente invisibilizada e, quando resolvem conta-la, colocam como protagonista um branco! !! Isto se chama usurpação da história alheia. é ridículo e lamentável. White face… recomendo a vocês que se inteirem minimamente do debate racial no Brasil antes de tentar se apropriar de algo que não lhes pertence.”

Christiana Ubach caracterizada como Mãe Wanda de Omulu para o espetáculo “João Alabá e a Pequena África”, dias 20 e 21 de junho, na Pedra do Sal.  Publicado na na coluna da Patrícia Kogut (O Globo).
Christiana Ubach caracterizada como Mãe Wanda de Omulu para o espetáculo “João Alabá e a Pequena África”, dias 20 e 21 de junho, na Pedra do Sal. Publicado na na coluna da Patrícia Kogut (O Globo).

Os produtores da peça alertados pelas críticas recebidas, responderam com um convite para ouvirem as opiniões de todos os interessados, que em parte a produção considera, como autores de comentários intolerantes e preconceituosos:

“Caros,
Diante de uma exposição infinita de comentários intolerantes, preconceituosos e, verdadeiramente, querendo ter a chance de ouvi-los a todos e de poder apresentar o argumento do nosso espetáculo, o conceito do nosso projeto, sem que sejamos julgados apenas por uma fotografia na imprensa, venho convocar a quem tiver interesse em um bate papo franco sobre “João Alabá e a Pequena África”, para um encontro, a realizar-se no IPN (Instituto Pretos Novos) na próxima terça-feira, 16/06, às 16:00 h.”

O autor e diretor da peça Alexei Waichenberg tem rebatido até o momento todas as críticas nas redes sociais através da assessoria de imprensa por ele contratada, recorrendo inclusive ao advogado da luta contra a escravidão, Luiz Gama.

Parece até uma mera peça de propaganda reversa ou negativa, que é quando se vende um produto através de anúncios e argumentos que provoquem escândalos e protestos de indignação.

Este tem sido o método de determinados humoristas em busca de quota de audiência, que ao dizerem piadas racistas, despertam atenção e protestos e assim se tornam mais conhecidos.

Sejam quais forem as intenções dos produtores deste espetáculo, e sejam quais forem as razões de não aproveitarem para este papel uma artista negra. A polêmica está no ar, ou online, os protestos já estão programados.
A Mamapress  e a Rede Rádio Mamaterra lá estarão presentes, para ouvirem as opiniões sobre ” dilema ” dos diretores brancos ao escolherem seus personagens, em um mercado de trabalho que oferece pouco ou nenhum espaço para o protagonismo de artistas negras. Dilema que a produção deve saber, vai além da peça, pois tanto a peça a ser encenada, como a vida na Pedra do Sal, representam uma reocupação e redistribuição racial do espaço da cidade do Rio de Janeiro e, de sua cena cultural cultural e econômica. E nesta reocupação e redistribuição dos espaços da cidade, com certeza, os negros e as negras estão perdendo até o pouco espaço que lhes poderiam ser reservados.

Mulheres negras já organizam um ato de protesto no dia da estréia do espetáculo:

ATO CONTRA PEÇA RACISTA “JOÃO DE ALABÁ E A PEQUENA ÁFRICA”

A HISTÓRIA DOS PRETOS NÃO VAI MAIS PASSAR EM BRANCO!!!

Tia Ciata
Tia Ciata

Em tempos de gladiadores do altar, de homicídio de Mãe Dedé de Oyá, pelo fanatismo racista religioso, a nossa ancestralidade sofre outro golpe:

Encenamento de uma peça sobre um ícone do Candomblé, Pai João de Alabá, onde NOVAMENTE vários atores brancos representarão personagens negras e negros, ainda em um dos lugares mais sagrados para nós do Rio de Janeiro, que é a Pedra do Sal.

Quem dá mais? Será que teremos Black Face?

Mais uma palhaçada do projeto Porto de Memórias: dinheiro de preto indo para o bolso dos brancos, em cima dos ossos dos Pretos Novos?
São os brancos que ganham dinheiro dos editais de cultura!!! Chega!!!

ELES NÃO VÃO PISAR EM NOSSA DIGNIDADE!!!

VAMOS EM MARCHA, EM REVOLTA, EM INSURREIÇÃO!!!

VAMOS LÁ FAZER MUITO BARULHO E NÃO VAMOS DEIXAR ESSA PEÇA ACONTECER!!!

***Quem foi Tia Ciata?

Mãe Wanda de Omolu ou Tia Ciata nasceu em Santo Amaro da Purificação em 1854 e aos 22 anos levou o samba de Roda para o Rio de Janeiro . Foi a mais famosa das tias baianas (na maioria iyalorixás do Candomblé que deixaram Salvador por causa das perseguições policiais) do início do século, eram negras baianas que foram para o Rio de Janeiro especialmente na última década do século XIX e na primeira do século XX para morar na região da Cidade Nova, do Catumbi, Gamboa, Santo Cristo e arredores. Logo na chegada ao Rio de Janeiro, conheceu Noberto da Rocha Guimarães, envolvendo-se com ele, então, e acabou ficando grávida de sua primeira filha lhe dando o nome de Isabel. O caso dos dois não foi adiante. Ela acabou se separando de Noberto e, para sustentar a filha, começou a trabalhar como quituteira na Rua Sete de Setembro, sempre paramentada com suas vestes de baiana. Era na comida que ela expressava suas convicções religiosas, ou seja, a sua fé no candomblé, religião proibida e perseguida naqueles tempos. Ia para o ponto de venda com sua roupa de baiana uma saia rodada e bem engomada, turbante e diversos colares (guias ou fio-de-contas) e pulseiras sempre na cor do orixá que iria homenagear. O tabuleiro era famoso e farto, repleto de bolos e manjares que faziam a alegria dos transeuntes de todas as classes sociais. (fonte -wikipedia)

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