As mulheres negras foram as únicas que tentaram salvar o mundo na última noite

As eleitoras negras – quando não tinham nenhuma obrigação real social e cultural de assim fazer – estiveram com Hilary Clinton enquanto mulheres brancas a abandonaram friamente.

Por Charles D. Ellison Tradução: Jaqueline Lima Santos no The Root para o Portal Geledés

Com a poeira assentando-se na maior revolta política da história dos EUA, o nebuloso dia seguinte é uma confusão de bombas atômicas, jogos de culpa e análise de jogadores de suas poltronas sobre o que acaba de acontecer. E enquanto estas análises apontam o segmento branco anti-negro estadunidense como o principal culpado, nós começamos a receber uma imagem detalhada sobre o resultado da última noite com recorte de idade, raça, gênero, nível de escolaridade e renda.

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Embora grande parte dos maiores grupos demográficos tenham se movido loucamente ao apocalipse com o seu apoio a Donald Trump, um aspecto intrigante e tragicamente poético destaca-se sobre essa votação: as mulheres negras tentaram, desesperadamente, salvar o mundo nesta terça-feira à noite.

Se existe culpado pela vitória triunfante do nacionalismo branco de Trump, para os que estão de queixo caído, as nuvens não podem ser enviadas sobre as mulheres negras (pelo menos de acordo com os dados). Estas podem ter sentido instintivamente o peso do que se aproximava – talvez da mesma forma que mães negras preocupadas, durante séculos, ensinaram suas crianças negras a lidar com problemas raciais, preparando para sonhos adiados. Mas, como revelam os dados, elas se mostraram mais solidárias a Hillary Clinton: 94% das mulheres negras votaram na candidatura democrata, em comparação com apenas 4% optantes por Donald Trump.

O apoio dado a Clinton é apenas 2 pontos percentuais inferior aos 96% dos votos que as mulheres negras deram ao Barack Obaram em 2008 e 2012. Quando nos referimos aos homens negros, eles não tiveram a mesma sensação sobre eleger a primeira mulher a presidência: 13% votaram em Trump. Isso reflete um oculto patriotismo exagerado que circulou entre eles durante a disputa nas prévias entre Hillary Clinton e Bernie Sanders.

O voto das mulheres negras foi, na verdade, uma tentativa honesta e sincera de apoiar a candidata ou acreditaram que ela seria a mais qualificada por ter o apoio de Barack Obama. É pungente neste fato a impressionante demonstração da força eleitoral das mulheres negras, apesar das disparidades históricas empilhadas contra elas e – francamente – a subestimação quase escandalosa de seu valor nas eleições.

Quando a América atingiu o dia mais dramático do “retorno de Jesus” em sua história, tendo que escolher entre a certeza da continuidade em Clinton e a incerteza de um homem sem fibra moral, além de construírem sua marca as mulheres negras se intensificaram como Rainha Nzinga e fizeram tudo que puderam para impedir que a nação despencasse.

Infelizmente, tarde demais – não por falta de tentativa (apenas 2% votaram “outros” ou “não tenho certeza”). As mulheres negras não poderiam suportar por si só qualquer taxa eleitoral. A condução de eleitores brancos determinados, com alguns latinos e asiáticos já antecipados, simplesmente subjugou e compensou quaisquer ganhos possíveis que as irmãs poderiam assegurar para Clinton e outros democratas.

Mesmo enquanto os democratas – novamente – miravam pesadamente nos eleitores latinos e mulheres brancas (particularmente as com ensino superior) à custa de perder votos confiáveis dos afro-americanos, os resultados desses esforços foram, ironicamente, pequenos. Aproximadamente 30% dos latinos, incluindo 26% de mulheres latinas, votaram em Trump – desempenho superior ao do candidato Mitt Romney’s em 2012 (John McCain ganhou 31% dos votos latinos em 2008). Apesar de meses de especulação amplamente ignorados que demonstravam um apoio consistente de latinos ao candidato Donald Trump, variando de 20 a 25%, os democratas pareciam emboscados e confusos com os resultados das eleições.

O mesmo aconteceu com os asiáticos, dos quais 29% votaram em Trump, outra surpresa para os democratas, especialmente se considerarmos que muitos deles são provenientes de países com densa população mulçumana no sul da Ásia.

Mas a grande questão dessa noite é: o que aconteceu com todas aquelas mulheres brancas que supostamente abandonaram sua irmã companheira depois de 30 anos na formulação de políticas? Um resultado decisivo: 53% das mulheres brancas depositaram sua fé em Donald Trump – depois de semanas de declarações fortes, alegações e acusações de estupro (todos, senão a maioria, envolvendo mulheres brancas) que pareciam levar o candidato republicano à derrota. Mesmo depois de todo lixo dito sobre os Democratas ganharem entre os eleitores brancos com nível superior, estes votos retiraram-se furtivamente para Trump.

Estas foram muitas das mesmas mulheres brancas que crucificaram ativamente as prévias dos Democratas em 2008 – especialmente os eleitores negros – por não apoiarem a candidatura de Clinton contra o então senador Obama.

E, no entanto, as mulheres negras –– quando não tinham nenhuma obrigação real social e cultural de assim fazer – estiveram com Hilary Clinton enquanto mulheres brancas a abandonaram friamente. É uma incrível lição de lealdade política, agora impregnada de absurdo político brutal, a que os democratas devem prestar muita atenção.

O cálculo para as mulheres negras nesta eleição foi abundantemente claro, as apostas assustadoramente mais altas para quem como elas se mantiveram em uma intersecção única de racismo e sexismo. Esmagadas entre os dois pilares mais ferozes do ódio nacional, subestimadas por suas contribuições, embora igualmente ignoradas pelas objeções que as oprimem, mulheres negras sempre encontram um meio de fazer uma declaração necessária; a limonada dos limões, para emprestar de Beyonce. E elas simplesmente fizeram de novo, sem sucesso, quando o resto deu um passo falso.


jaquelineJaqueline Lima Santos

Doutoranda em Antropologia Social pela UNICAMP, mestre em Ciências Sociais/Antropologia pela Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” –  UNESP, licenciada e bacharel em Ciências Sociais pela PUC-Campinas. Pesquisadora dos temas relações étnico-raciais, educação, juventude, gênero, pós-colonialismo, cultura Hiphop e PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa). Recebeu o prêmio Kabengele Munanga de melhor trabalho científico pelo Fórum África no ano de 2007, com pesquisa sobre o Hiphop brasileiro, e 2º lugar no concurso regional de ensaios “A Luta contra o Racismo das Mulheres na América Latina e no Caribe” promovido pelo Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (UNIFEM/ UN Women) em 2010, com trabalho sobre Lélia Gonzalez. No primeiro semestre de 2012 foi pesquisadora residente do W.E.B. Du Bois Institute – Harvard University, onde desenvolveu pesquisa no “The Hiphop Archive”, e continuou como pesquisadora não residente da mesma instituição até o primeiro semestre de 2013. Atuou como educadora nas modalidades de educação infantil, ensino fundamental, ensino médio, EJA e educação à distância. Tem experiência em formação de professores e gestores públicos sobre racismo institucional, história e cultura africana e afro-brasileira, educação para as relações étnico-raciais, juventude, políticas educacionais e gênero. É militante do movimento negro.

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