Atleta da marcha sofre com ofensas homofóbicas diárias nos treinamentos

O xingamento ecoou pelas arborizadas ruas de Sobradinho, cidade satélite de Brasília: “Viado”. Seguiu-se de nova agressão verbal: “Toma jeito de homem”. E mais outra: “Para de rebolar”. As ofensas foram tão acintosas, que conseguiram tirar a concentração de Caio Bonfim, 24, atleta da marcha atlética, representante do Brasil em Londres-2012 e classificado para o Pan de Toronto, no próximo mês.

Por Daniel Brito, do UOL

Ele é o mais bem sucedido atleta do país na marcha atlética na prova de 20km. Lidera o ranking nacional e é recordista brasileiro em pista. Neste ano, conquistou o bronze no Meeting de Lugano na Suíça, e foi o quarto no de Podebrady, na República Tcheca. Carrega esperança de medalha brasileira em Toronto.

Nem todos esses predicados são suficientes para que o Caio sofra diariamente com xingamentos e ofensas homofóbicas. E “diariamente” não é força de expressão. “Não existe um dia que eu saia para treinar nas ruas e não ouça pelo menos uma gracinha”, relatou ao UOL Esporte.

Rebolar é quase uma obrigação na marcha atlética. O atleta tem sempre que manter um dos pés em contato com o solo enquanto marcha, por isso, a técnica mais utilizada é de lançar o quadril à frente para ganhar velocidade sem correr. O movimento, no entanto, é o motivo de todo deboche, ofensa, xingamento e homofobia contra os praticantes.

Sempre no Brasil
Seja na capital do país ou na sede dos próximos Jogos Olímpicos, a agressão ocorre com muita frequência no país. Caio não se esquece de um campeonato nacional que disputou no Rio de Janeiro, quando ainda era juvenil. Foi uma prova no Célio de Barros, antigo estádio de atletismo no Maracanã, que serve de estacionamento para carros.

“Estávamos fazendo a marcha na pista de atletismo e a torcida do Fluminense estava na fila para comprar ingresso para um jogo da Libertadores. Toda vez que passávamos perto da fila, vinha uma chuva de palavrão. A fila ia andando e quando nós completávamos outra volta na pista, eram outras pessoas naquele ponto, que também xingavam de tudo”, relembrou.

Há dois anos, Caio e a mãe, Gianetti, foram a São José do Rio Preto, no interior paulista, para fazer uma palestra. Aproveitaram para disputar, marchando, uma corrida de rua na cidade. Ao ultrapassar um casal durante a prova, ouviu comentários maldosos. Ela não se conteve: “Diminui o ritmo da marcha, encostei do lado deles e avisei: ‘Olha, isso daqui é marcha atlética, é prova olímpica, vale medalha de ouro igual maratona e todas as outras provas do atletismo, OK?’. O casal pediu desculpas e disse que ia se informar mais sobre a marcha”, contou Gianetti, ex-marchadora e treinadora do filho.

Ela diz já ter discutido com treinador da seleção brasileira que foi a Londres-2012. Quando Caio, então aos 21 anos, garantiu vaga para os Jogos Olímpicos, Gianetti ouviu de um dos técnicos da equipe nacional: “Então, teremos um viadinho na delegação”. Ela conta que não conseguiu ficar calada após o comentário em tom de deboche. “Caio não é viadinho, como você diz, e mesmo que fosse, não teria problema nenhum”, rebateu ela, que prefere não revelar o nome do treinador.

Resposta em Sobradinho-DF

O sangue quente da mãe e mentora subiu à cabeça de Caio Bonfim quando ouviu aquelas ofensas descritas no início deste texto, enquanto treinava nas arborizadas ruas de Sobradinho: “Viado. Toma jeito de homem. Para de rebolar”. O marchador conta que passou ao lado da pessoa que o xingava e avisou: “Vou passar aqui daqui a pouco e a gente conversa, viu? Quando acabou o treino, passei no local onde ele estava, era um senhor, e o vi já distante, indo embora. Acho até que ficou com medo”, contou, entre risadas.

Caio diz que costuma não perder a cabeça e prefere se concentrar nos treinos. Mas conta que em  Sobradinho, onde nasceu, cresceu e aprendeu a marchar, a quantidade de gente que o incentiva nas ruas em vez de o ofender está se tornando maior a cada dia. “Quanto mais a gente compete e traz resultados, mais conhecido a gente vai ficando”, constatou.

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