Betty Garcés: a 1ª soprano negra da Colômbia que alcançou uma carreira internacional

“Não sinto alegria por isso, gostaria que já fôssemos mais”, disse Betty Garcés sobre ser a primeira soprano negra da Colômbia a traçar uma carreira internacional.  Ainda na adolescência, após terminar o ensino regular em Cali, uma das maiores cidades de seu país e próxima de sua cidade natal, Boa Ventura, decidiu seguir o conselho de sua irmã e concorrer a uma vaga no conservatório de música.

Por Semayat Oliveira, do Nós, mulheres da periferia

A princípio, sua intenção era aprender a tocar guitarra, instrumento que ganhou de presente dos pais quando ainda era uma criança. Antes da prova, ela se preparou com uma professora que disse a Betty que a concorrência era alta e que ela teria mais chances de entrar se se candidatasse para dois instrumentos. “Duas semanas depois fui checar o resultado e vi que tinha sido aprovada nos dois, mas me deram uma vaga para canto. E eu pensei: se tenho uma vaga, vou usá-la.”

Arquivo pessoal Betty Garcés

Filha de José, matemático, e Isabel – professora de Ciências Sociais, Educação Artística e Espanhol – música tradicional colombiana e arte nunca faltaram em sua casa. Mas quando criança, ela não cantava. Só entoou sua primeira melodia após a morte de sua avó materna, a fiel companheira de sua vida durante anos. “Para mim é uma linguagem que ganhei para poder expressar tantas coisas que não se pode dizer simplesmente com palavras. É um presente que salvou minha vida e que me ajudou a sarar muitas coisas no meu coração”.

Durante seus estudos, o maestro Francisco Vergara Sardi, de Bogotá, passou por Cali para participar de uma pequena audição com as alunas e alunos. Um dia depois, Betty foi informada de que ele havia se interessado por sua voz e que viu em seu talento a possibilidade de se aperfeiçoar e ter uma carreira internacional. “Esse foi um momento chave na minha vida. Até então eu não tinha pensando nessa possibilidade. Estava apaixonada pelo canto lírico, mas o máximo que pensava era em fazer concertos em toda a Colômbia e dar aulas. Foi a primeira vez que comecei a sonhar com algo maior.”

Esse foi o primeiro passo para que ela chegasse à cidade de Colônia, na Alemanha, para sua primeira especialização. Sabendo de suas condições financeiras, Francisco se voluntariou a arrecadar fundos para custear a ida de Betty: acionou amigos e amigas, amantes da arte e empresas. Hoje, cerca de 10 anos depois, continua estudando e tendo no país germânico sua primeira casa.

Crédito: DelaCuadra Audiovisual

“O ambiente artístico é muito difícil em todas as suas expressões e no mundo da ópera não é diferente. E aí, uns são mais favorecidos que outros”, contou a soprano sobre o que chama de ‘resquícios’ do que se pode ou não fazer nesse universo. “Às vezes, veem a artista como uma espécie de produto e, nesse caso, é possível que não se venha a ser admirado pelo o que se é ou que não se busque o que o é preciso mostrar ao público.

No Brasil, ainda no século 18, por volta de 1859, de acordo com os poucos registros que se tem da época, Lapinha (Joaquina Maria da Conceição Lapa), foi a primeira mulher a receber autorização a se apresentar artisticamente em Lisboa. Mulher negra em uma época que a escravidão ainda regia em termos legais, ela foi a primeira cantora brasileira a ganhar destaque internacional. Nasceu em Minas Gerais, começou sua carreira no Rio de Janeiro, mas passou grande parte na Europa.

Um viajante conhecido por Carls Ruders chegou a registrar o uso do ‘White Face’, pois segundo ele, a cantora teve que disfarçar a cor da pele com tinta branca, pois os europeus julgavam o aspecto dela “inconveniente”: “Joaquina Lapinha é mulata e filha de uma mulata, por cujo motivo tem a pele bastante escura. Este inconveniente, porém, remedia-se com cosméticos. Fora disso, tem uma figura imponente, boa voz e muito sentimento dramático”.

Deve ser por histórias como a de Lapinha, que começou no século 18, que Betty disse não se alegrar com o fato dela ser a primeira cantora negra colombiana a conquistar uma carreira internacional. Ela quer que esse número cresça e cresça muito. E por isso, o Nós, mulheres da periferia considera tão importante deixar sua história registrada.

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