Boicote de negros à Copa de 2018? Racismo na Rússia faz Fifa demonstrar temor

Quem primeiro levantou essa bola foi o melhor jogador africano da atualidade, o marfinense Yaya Touré. Vítima de racismo em visita à Rússia para partida pela Liga dos Campeões contra o CSKA Moscou há um ano, o meio-campista do Manchester City falou sobre um boicote de jogadores negros à Copa do Mundo na Rússia, em 2018.

por Bruno Winckler na Carta Capital

“É um problema real aqui, algo que acontece o tempo todo, e é claro que eles precisam resolver o problema antes da Copa do Mundo. Caso contrário, se não tivermos confiança para ir à Copa do Mundo na Rússia, nós não iremos”, disse Touré em outubro de 2013. Um ano depois, depois de ir a Moscou mais uma vez e de ter lançado sua conta no Twitter, foi alvo de insultos virtuais na rede social.  O jogo foi disputado sem torcida.

Clubes russos têm sido punidos pela Uefa por conta do comportamento de seus torcedores racistas. O CSKA jogou duas partidas com portões fechados nesta Liga dos Campeões. Muito pouco quando se sabe que o racismo no país não será intimidado por punições tão brandas. A Federação do país se cala para o problema mesmo quando a cada rodada do campeonato nacional um novo caso apareça.

O mais recente teve como protagonista o técnico do Rostov, o ucraniano Igor Gamula, que para negar a contratação de um jogador camaronês soltou que “a equipe já contava com jogadores negros suficientes” e que por conta disso “já estava preocupado com o ebola”. A repercussão foi imediata e cinco jogadores negros do clube disseram que não jogariam mais no clube se Gamula não fosse punido.

A federação até puniu Gamula depois de ele pedir desculpas. Ele foi suspenso por cinco jogos do Rostov, uma punição branda e que veio com outra declaração infeliz do técnico. “A imprensa estrangeira simplesmente não entende o humor russo”.  Humor. Os jogadores africanos, infelizmente, não seguiram com a ameaça e entraram em campo no último jogo da equipe no Campeonato Russo.

Fifa-Tokyo-Sexwale-anti-racismo

A Fifa jura que luta contra o racismo, que não tolera o preconceito, mas faz muito pouco contra federações que são tão coniventes com os racistas. Dentro da entidade, o comitê de luta contra o racismo, está atento. Tokyo Sexwale, sul-africano que lutou com Nelson Mandela contra o apartheid, é consultor da Fifa e apesar de não apoiar um boicote de negros à Copa da Rússia, faz alerta sobre as consequências da não-ação da Rússia contra o racismo.

“A federação russa precisa ser mais séria na luta contra o racismo. A África do Sul foi banida da Fifa durante o apartheid”, lembrou Sexwale, considerando coerente se a Rússia passasse pela mesma sanção. “Há certas partes em Moscou em que se você é da minha cor não é seguro andar. As pessoas estão com medo de ir para Moscou”, completou Sexwale. Ele não defende um boicote à Copa da Rússia, mas diz que se o país seguir fazendo vistas grossas para o problema, o tema não será deixado de lado.

“É um fracasso a Rússia não tomar uma atitude contra o racismo. Poderíamos estar falando algo diferente sobre a Copa do Mundo de 2018, mas se o país não age contra o problema, mais pessoas vão dizer que não vão para a Rússia”, completou Sexwale.

Vladimir Putin, o presidente do país, não faz qualquer sinal de que o país vai lutar contra o preconceito. Basta citar os protestos contra a homofobia que antecederam os Jogos de Inverno em Sochi neste ano. Até atletas do calibre de Yelena Isinbayeva se mostraram tolerantes à lei antigay na Rússia.  Apesar dos protestos de estrangeiros, os Jogos aconteceram sem qualquer ameaça de boicote. O mesmo deve acontecer em 2018, apesar das críticas internacionais.

Seria revolucionário se jogadores negros dessem as costas para a Copa do Mundo de 2018. A Rússia, país que mais apresenta casos de racismo relacionados ao futebol, mereceria um ato dessa magnitude. Mas por falta de união entre atletas, complacência com o sistema e acordos com patrocinadores é difícil imaginar uma ação conjunta neste sentido.

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