Brasil já tem 61 transexuais e travestis assassinados em 2017

O país segue pelo sexto ano consecutivo como o que mais mata essa população no mundo; entidade nacional criou mapa com todos os casos registrados este ano

Por Juliana Baeta Do O Tempo

“O primeiro contato de uma transexual ou travesti com a vida humana e a sociedade é a violência”, informa a secretária de Articulação Política da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), Bruna Benevides. Só este ano, foram assassinadas 61 transexuais e travestis por causa de transfobia no Brasil. Estes dados foram coletados pela entidade a partir de notícias de jornais e informações de movimentos LGBTs de cada Estado, uma vez que não há uma tipificação específica de crime de transfobia e homofobia no Brasil.

Os dados foram transformados em um mapa (clique aqui para acessar) e disponibilizados pela Antra para facilitar a visibilidade da situação de transexuais e travestis no país. Por meio dele, é possível visualizar cada caso, o nome da vítima, local e forma do crime. Só até o dia 22 deste mês, foram 61 pessoas desta população mortas no país. São Paulo é o Estado que mais mata por transfobia, com sete casos este ano, seguido do Ceará (seis casos) e Bahia e Rio de Janeiro, com cinco casos cada um.

“E obviamente este número é ainda maior, pois nós contabilizamos os casos que nos chegam e os que aparecem na imprensa, mas muitos casos ainda não são reportados, em muitos casos a vítima, que é travesti ou trans, é descrita como ‘homossexual’ ou ‘homem vestido de mulher'”, explica Bruna.

O que denota a motivação clara para o crime é a forma como essas pessoas são assassinadas. Nenhuma das vítimas listadas no mapa da Antra morreu de ataque cardíaco ou atropelamento, por exemplo. “O modo é sempre muito violento. O assassinato por tiros encabeça a lista de mortes, mas nós não estamos falando de um ou dois tiros, não é simplesmente uma execução. É sempre coisa de 10, 20 tiros, como se o assassino quisesse matar também a nossa alma”, conta.

Em segundo lugar no modo de matar vem o espancamento, com 15 casos apenas este ano. As outras formas listadas no mapa não fogem muito da crueldade e da tortura. Transexuais e travestis morrem também carbonizadas, por asfixia, por apedrejamento, por facadas e por estrangulamento.

“O que o Estado faz ao ignorar estes números e a forma como essas pessoas morrem também é um crime. Se houvesse uma lei que tipificasse o crime de homofobia e transfobia com certeza estes números iriam diminuir. Mas além disso, a gente precisa de campanhas ostensivas contra esse preconceito, essa discriminação, ações educativas, porque infelizmente nós não temos esse debate sobre identidade de gênero e diversidade nas escolas. O que a gente percebe é que a Educação não está disposta a dialogar sobre a diversidade. Por isso queria deixar essa luz sobre a importância dos planos municipais, estaduais e nacional colocarem isso na pauta com urgência”, explica.

Análise

Na análise do mapa, a Antra constatou que a maior parte das mortes ocorre com as mulheres transexuais e travestis que se prostituem. “Proporcionalmente, as travestis e transexuais são as mais vitimizadas: o risco de uma ‘trans’ ser assassinada é 14 vezes maior que um gay, e se compararmos com os Estados Unidos, as 144 travestis brasileiras assassinadas em 2016 face às 21 trans americanas, as brasileiras têm 9 vezes mais chance de morte violenta do que as trans norte-americanas”, discorre o relatório da associação.

Violência do início ao fim

O que ainda explica Bruna Benevides, que por ser uma mulher trans, também sente os efeitos do preconceito na pele, é que a vida de uma travesti ou transexual é marcada por violência em todas as instâncias.

“O primeiro contato que temos com a sociedade é a violência. E ao longo do nosso desenvolvimento isso continua. É violência também não respeitar o nosso nome social, a nossa identidade de gênero. É violência nos impedir ou constranger ao usar o banheiro de acordo com a nossa identidade de gênero. Infelizmente, quando falamos de transexuais e travestis é sempre algo relacionado à violência”, relata.

Segundo ela, a vida para essas pessoas é diferente da vida de qualquer outra pessoa que tem sua identidade respeitada, que tem planos pro futuro, “que tem sonhos de um país mais justo e melhor”. “Quando lutamos por nossos direitos, ouvimos que queremos privilégios, mas como que o direito de viver pode ser um privilégio? Que privilégio é esse que a gente tem que lutar todo dia pra sobreviver? Os números estão aí, é tudo muito claro. Sabe qual é o sonho que nós temos? Não ser assassinada”, conta.

O número de assassinatos dessa população aumenta gradativamente no Brasil. Não à toa, o país encabeça pelo sexto ano consecutivo o ranking dos países que mais mata transexuais e travestis no mundo, segundo pesquisa da ONG Transgender Europe (TGEU).

“Enquanto o Estado continuar ignorando isso e se omitindo diante destes números, ele dá, de certa forma, a chancela para se continuar matando trans e travestis no país”, conclui Bruna.

Urgência

De acordo com relatórios do Grupo Gay da Bahia, a associação de defesa dos direitos humanos dos homossexuais mais antiga do Brasil, o país mata por homofobia uma pessoa LGBT a cada 25 horas. “Isso torna o Brasil campeão mundial de crimes contra minorias sexuais e de gênero, matando-se, aqui, mais pessoas LGBT do que nos 13 países do Oriente Médio e África onde há pena de morte contra homossexuais”, discorre a entidade.

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