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A filosofia de negócios que une lucro e ativismo promete reinventar a economia global

no UOL

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“Dizem que nóis é pobre porque não tem dinheiro. Então nóis foi lá e inventou um dinheiro”, conta Thiago Vinícius de Paula da Silva, 27, criador de uma moeda que agita a economia num bairro de periferia de São Paulo.

Thiago não está brincando de banco imobiliário. Ele é um empresário, um empreendedor, que tinha apenas uma certeza quando era mais novo: queria crescer junto com a sua comunidade, na região do Campo Limpo. Antenado com as necessidades do seu meio, botou na rua em 2009 uma espécie de “Sebrae da quebrada”, apelido informal que usa para explicar o projeto alternativo de crédito. Sem CNPJ próprio, ele ajudou a criar o Banco Comunitário União Sampaio. A organização lançou uma moeda alternativa e com ela já movimentou mais de R$ 1 milhão em empréstimos a moradores locais. O dinheiro batizado de “Sampaio” é aceito em 140 estabelecimentos e fomenta projetos culturais.

De empreendedores como Thiago a grandes empresas, muita gente corre atrás para ser relevante em um novo cenário. Os negócios tradicionais, que visam apenas ao lucro, terão a concorrência desse modelo que não abre mão do impacto social. Na mira de ambos, a preferência dos investidores e de um novo perfil de consumidor, quase um ativista com dinheiro em mãos.

Como faturar continua importando, é bom saber que os negócios sociais apresentam um quadro promissor. Segundo pesquisa da Universidade de St. Gallen (Suíça), que mantém no Brasil um escritório para pesquisa e intercâmbio, o país tem atualmente cerca de 20 grupos voltados exclusivamente a fomentar iniciativas de impacto. Entre 2014 e 2015, esses fundos de investimento levantaram mais de US$ 100 milhões para empresas do segmento. Somente em 2014, surgiram por aqui o dobro de negócios sociais do que nos dez anos anteriores – a pesquisa também indica que, no mesmo ano, investidores separaram até US$ 127 milhões para esse tipo de empreendimento.

A sensação desse movimento contemplar tanto pequenos como grandes é mais visível na atuação da Yunus Negócios Sociais no Brasil. A empresa, que representa a rede global fundada pelo Nobel da Paz Muhammad Yunus, amadurece ideias de empreendedores independentes e, ao mesmo tempo, desenvolve um programa para atender corporações tradicionais interessadas em “entrar no clube” do impacto social. No país, a iniciativa ajudou a decolar o Saladorama, por exemplo – um serviço de comida em regiões de baixa renda do Rio de Janeiro, que capacita moradores de favelas e dissemina a cultura da alimentação saudável. Paralelamente, organiza o ActionTank, projeto que concebe soluções para potências do mercado.

“A gente tenta se aproveitar da expertise dessa empresa. O que essa empresa faz muito bem que pode ser útil para solucionar algum problema grave do Brasil ou do mundo? Por exemplo, a gente selecionou a Ambev. Você pode pensar: ‘pô, a Ambev faz cerveja, que problemas vocês vão resolver?’. A Ambev é uma das empresas do Brasil que mais entendem de logística de distribuição, que tem um modelo de gestão superconsagrado no Brasil, trabalha com outros produtos, distribui água e teve que se especializar na questão de reciclagem”, explica Rogério Oliveira, gestor-geral da Yunus no país.

Essa onda também conta com outros gigantes. No final de 2015, o Laureate Education se tornou a maior empresa do mundo entre as integrantes da comunidade “B Corps”, um movimento criado em 2006 nos Estados Unidos para certificar negócios que usam a força do mercado em soluções de problemas socioambientais – uma espécie de ISO 9000 do impacto. Assim, o grupo de educação que fatura US$ 4,5 bilhões anualmente indica um atalho para corporações de largas dimensões entrarem na comunidade. Recentemente, companhias como a Unilever e o Grupo Danone concordaram em trabalhar junto com o “Sistema B” para fazer o status de certificação viável também para multinacionais.

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À parte da busca por certificados, Thiago e o banco comunitário que comanda são um retrato de uma geração que busca uma nova filosofia de sustentabilidade, que consiga satisfazer todos os integrantes da cadeia produtiva. “Antigamente se falava em crise dos 40 anos, depois dos 30 anos. Agora ela começa aos 20. Hoje em dia, quando chega essa idade, o jovem já tem uma vida repleta de coisas. Ele já viajou, já passou por namoro sério, já fez um monte de coisa. Pode ter fundado uma empresa, ser o diretor da empresa dele. Portanto, acaba chegando num vazio, que muitas vezes é preenchido através de propósito”, afirma o professor universitário Marcelo Nakagawa, diretor acadêmico da FIAP (Faculdade de Informática e Administração Paulista), que estimula o processo do empreendedorismo social desde o primeiro ano de graduação.

Gustavo Fuga é um desses jovens que viveu a “crise dos 20”. Ele queria ser um rock star na adolescência, mas entendeu que poderia impactar o mundo de verdade como um empreendedor. Hoje, centenas de jovens pobres aprendem inglês graças a uma ideia dele.

Nascido na periferia do Rio de Janeiro, começou a estudar Economia na USP (Universidade de São Paulo) aos 17 anos. Teve que aprender inglês na marra, rapidamente, para conseguir acompanhar o curso. Naquele momento, sem dinheiro nem noção de empreendedorismo, resolveu tentar abrir o seu negócio usando a própria experiência de aprendizado. O estudante então fundou a 4YOU2, uma escola de inglês voltada a ensino em localidades carentes, com preços bem reduzidos e usando estrangeiros intercambistas como professores – eles se hospedam nas próprias comunidades, e a empresa paga para as famílias que os recebem. Quatro anos depois, a iniciativa conta com 1.600 alunos em sete unidades, localizadas em bairros paulistanos como Heliópolis, Campo Limpo e Jardim Ângela. A meta é espalhar 100 bases por todo o país em curto prazo.

“Nosso desafio foi juntar esse idealismo forte que a gente já tinha com um pragmatismo de fazer a coisa acontecer rápido, como uma startup. Então a gente tentou juntar os conceitos mais modernos que existiam, do Vale do Silício e das startups brasileiras, com os conceitos mais modernos de impacto social”, afirma o empreendedor de 23 anos. “A gente não quer fazer só voluntariado, nem ter um emprego normal, como muitos dos meus colegas têm, e muitos estão insatisfeitos. Trabalhar 14, 15 horas por dia, ganhar um baita salário, mas e aí? Chegar aos 30 anos e falar: não mudei nada na vida de ninguém, nem na minha”, acrescenta Gustavo.

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Essa transformação na vida de quem compra a ideia do projeto também é ressaltada por Thiago. “Muito mais do que com o dinheiro, o banco comunitário se preocupa com as pessoas. Nós emprestamos os Sampaios sem juros e explicamos para a pessoa o porquê. Se emprestamos em reais, para compras em lojas do Centro que não aceitam nossa moeda, por exemplo, cobramos uma taxa de 2%. Os bancos tradicionais desconfiam das pessoas, nós não, pois conhecemos, sabemos onde moram”, explica.

Buh D’Angelo também queria mudar tudo, mas cansou de esperar. Mandou mais de 2.500 currículos em quatro anos e foi ignorada pelo mercado. Então nasceu sua pequena revolução empreendedora: unir indivíduos rejeitados pela sociedade e capacitação em tecnologia.

“Meu maior foco agora é conseguir mostrar para as mulheres, principalmente as mulheres negras, que o nosso lugar é onde a gente quiser, fazendo o que a gente quiser”, afirma Buh, que oferece serviços de informática e inclusão digital para moradoras da periferia de São Paulo, através de seu projeto InfoPreta. Aos 21, ela domina a linguagem de computação e consegue cobrar pouco buscando peças de reposição com o menor preço possível, muitas vezes descontando o valor da mão-de-obra. “Não é aquele negócio tipo ostentação fora do normal, rei do camarote, mas dá para viver tranquilo, sem me estressar”, afirma.

A frente mais ambiciosa da empreendedora está no projeto chamado “Notes Solidários da Preta”, em que espera capacitar mulheres do bairro de Grajaú para trabalhar com TI. Para isso, cobra que as meninas estejam estudando e tirem boas notas. “A inércia é muito dura. A vida de uma pessoa da periferia é muito complicada. Não é porque você está aí que você é lixo, você pode sair daí quando você quiser. Se eu tivesse desistido, onde eu estaria agora? Em lugar nenhum”, declara em seu manifesto pessoal.

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Como é um setor em amadurecimento, o movimento de impacto ainda não conta com avaliações de performance precisas. No entanto, existem algumas métricas que ajudam a confirmar o desempenho fora da curva no meio da crise econômica nacional. A Artemisia foi uma das pioneiras no fomento de negócios sociais no Brasil. Fundada em 2004, a organização criada para acelerar e capacitar empreendedores calcula que hoje existem mais de 5.000 empresas do gênero ativas no país. O organismo sem fins lucrativos levantou mais de R$ 43 milhões para 79 negócios nos últimos cinco anos.

A maioria dos empreendedores sociais atua em frentes de educação e saúde. No entanto, em meio à crise econômica, os negócios que trazem propostas para empregabilidade e serviços financeiros estão na moda. Uma dessas empresas é a Avante. Fundada em 2012, a empresa atua com microcrédito para empreendedores de comunidades carentes em 116 cidades, com juros e condições de pagamentos mais suaves em relação ao mercado convencional. Depois de um início com algumas turbulências, o banco conseguiu se estabilizar e viu a ação saltar de R$ 1 para R$ 36 em quatro anos. Hoje, a projeção é lucrar R$ 100 milhões até 2020 e impactar 300 mil pequenos negócios.

“Se você pegar as empresas que são humanizadas durante uma janela de 10 ou 15 anos, elas batem qualquer índice de rentabilidade. Isso já está provado fora do Brasil, nos Estados Unidos e na Europa. Uma empresa humanizada já é mais rentável em médio prazo. Agora o desafio é provar que isso é possível no Brasil”, diz Bernardo Bonjean, um dos fundadores da Avante, que trocou uma carreira bem-sucedida no mercado financeiro pelo desafio de erguer um negócio social.

Apesar de um algum avanço feminino, 69% das startups de negócios de impacto social são conduzidas por homens, de acordo com a pesquisa “Empreendedores de Impacto”, coordenada pela Artemisia e pela Din4mo. Outra descoberta foi o baixo endividamento dos negócios do gênero – 67% não possuem dívidas, ainda que estejam em fase inicial e com dificuldades de geração de caixa. Este poderia ser um detalhe positivo, mas na verdade escancara a limitação da oferta de crédito para esse perfil de empresa.

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No debate sobre negócios sociais e, consequentemente, como as ONGs (Organizações Não Governamentais) entram nessa história, talvez o caráter mais revolucionário do movimento seja a maneira como os empreendedores veem o dinheiro. Essa nova modalidade de homens de negócios vai além da sensação de sacrilégio, por se tratar de uma finalidade para melhorar o mundo. Pelo contrário, eles acreditam que faturamento e lucro são conceitos que oferecem robustez aos projetos que lideram, que tornam os gestores mais capazes de realmente fazer alguma coisa pela sociedade.

“É importante dizer. Muita gente confunde isso com uma vida de ode à pobreza, aquela vida escassa. A gente quer passar longe disso, que é um estereótipo que o terceiro setor acabou infelizmente ficando, que você precisa ser uma Madre Tereza de Calcutá para fazer o bem pelo outro. Acho que a gente tem que se desvincular disso. É trabalho normal, você pode ter um ótimo salário, trabalhar num escritório de ótima estrutura”, afirma Rogério Oliveira, da Yunus, que reinveste o lucro na própria operação.

“Eu acho muito perigoso você olhar para educação, olhar para negócio social, e falar: não pode ganhar dinheiro porque é um negócio social. Assim, qual é o ciclo que você cria? Se você não ganha dinheiro, você vive de doação. Tem época que tem doação, época que não tem doação. Você não consegue planejar seu negócio, criar previsibilidade de desenvolvimento de tecnologias e produtos, não consegue fazer nada. Você vive de altos e baixos”, endossa Eduardo Bontempo, um dos fundadores da Geekie, negócio de impacto de educação.

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Parece coisa de maluco pensar em um modelo econômico que possa agradar a liberais e progressistas numa só tacada, condenando à irrelevância décadas de embates ideológicos. É preciso muita calma, no entanto, já que os negócios sociais oferecem apenas uma projeção disso. Mas, de alguma forma, essas iniciativas deixam no ar a aposta de que o caráter humano pode mudar as regras do jogo. Os “fiéis”  acreditam que o foco de poder estará nas mãos de quem elege as empresas. Ou seja, a aposta é na ascendência da figura controversa do consumidor-ativista.

“Não é porque as empresas estejam se tornando mais conscientes ou filantropas, mas para elas continuarem existindo, para elas sobreviverem, elas vão precisar se aproximar desse universo. Você tem primeiro o consumidor, que está mudando. Ele não compra mais o que, ele compra o porquê. Ele não compra só o molho de tomate, quer saber onde é feito, etc. A gente brinca que o consumidor tem um voto. Cada vez mais eles vão votar para definir quais empresas vão continuar existindo no mundo”, opina Rogério Oliveira, da Yunus.

“Num momento de decadência política, descrença nos partidos, o ato de consumir pode vir a ser o principal ato político da pessoa. A partir do momento em que a pessoa procura um produto fair trade [comércio justo], um produto orgânico, de agricultura familiar, ela está fazendo política da maneira dela. Entrar para um partido talvez seja o modelo antigo. As pessoas que querem fazer política estão procurando o consumo consciente como alternativa”, endossa Thales Bueno, do programa do apoio a empresas no processo de certificação no Sistema B.

Nessa linha de abraçar o consumidor como um todo, a afirmação dos negócios sociais passa também pelo êxito de ideias não necessariamente vinculadas a dilemas de pobreza. Uma série de empreendedores tem prosperado com iniciativas inovadoras em campos como mobilidade urbana, energia renovável e educação. No Paraná, por exemplo, uma empresa desenvolveu um sistema de geração de energia que usa dejetos de galinhas e porcos como matéria-prima para fazer combustível do biometano. Ela abastece parte da frota da Usina de Itaipu e proporciona que alguns produtores rurais da região incrementem seus ganhos e economizem energia elétrica. “Acreditamos cada vez mais que o empreendedorismo social deixa de ser intuição e passa a ser uma verdade materializada. É uma cadeia que se consolida, onde todos ganham”, diz Rodrigo Régis Galvão, diretor-presidente da CIBiogás.

Em São Paulo, a Geekie é considerada um case da história ainda incipiente dos negócios sociais no Brasil. Com desenvolvimento de plataformas de tecnologia voltadas à educação, como o aplicativo que dá suporte a quem se prepara para o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), a empresa celebra ter chegado a 5 milhões de estudantes brasileiros e alcançado usuários de 80% dos municípios do país. Os fundadores da empresa têm um perfil recorrente entre os empreendedores sociais de maior êxito, deixando para trás carreiras bem-sucedidas no mercado financeiro. Hoje, o negócio de Cláudio Sassaki e Eduardo Bontempo cresce graças a acordos com o Ministério da Educação, secretarias estaduais e com a iniciativa privada.

“A gente quer criar algo que mude a vida das pessoas, que realmente provoque um impacto. Mas a gente não quer fazer caridade. A gente vem do mundo dos negócios, sabe a beleza de ter um negócio realmente sustentável, que gera dinheiro, que você possa recrutar as melhores pessoas, pagar as melhores pessoas”, afirma Eduardo Bontempo. “Não é uma escolha para mim. Se eu não tiver o melhor pessoal, o meu produto vai ser mais ou menos, eu não gero impacto de verdade na educação, eu não ganho dinheiro e, como organização, eu morro”, acrescenta o fundador da Geekie.

Colaboraram nesta edição:

Agência Énois, reportagem; 7Iris, filmagem; Artemisia, Natura, Sistema B, Thais Yumi e Yunus Negócios Sociais, consultoria técnica; Coletivo Arteria PontaPonta, Gatuno, Lhama Verde e Wolpy, arte em grafite para a capa

 

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