Chacina de jovem negro e pobre não vale o arranhão deixado ao bater panela

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Um guarda municipal de Santo André (SP) foi preso, nesta quinta (10), sob a suspeita de envolvimento em uma chacina que deixou mortos cinco rapazes, entre 16 e 30 anos, cujos corpos foram encontrados em uma área rural de Mogi das Cruzes. Ele teria confessado envolvimento no crime, ao criar perfis falsos de garotas nas redes sociais para atrair os jovens para uma suposta festa a fim de que fossem emboscados e mortos.

Por Leonardo Sakamoto, do UOL

Todos eram negros.

O desaparecimento e morte dos rapazes vem sendo bem acompanhada por uma parte dos veículos de comunicação. O triste é que, alheias às informações contidas nas reportagens, as redes sociais seguem produzindo chorume sobre o caso – que vão do ”se morreram, é porque mereciam”, passando por ”ah, mas tinha passagem pela polícia, então não eram santos” até o indefectível e sempre presente ”tá com dó? leva o bandido morto pra casa”.

Em novembro do ano passado, cinco jovens, entre 16 e 25 anos, foram mortos pela polícia militar na Zona Norte do Rio de Janeiro. O carro onde estavam foi metralhado por policiais que ainda teriam tentado forjar um auto de resistência a fim de justificar o crime. Eles haviam saído para comer um lanche e comemorar o primeiro emprego conquistado por um deles.

Todos eram negros.

Entrevistei o pai de um dos jovens do Rio. ”Uma semana antes de ser morto, ele me deu um abraço, falou que eu ia ter muito orgulho dele, que ele seria um grande oficial da marinha”, lembrou Carlos Henrique do Carmo Souza, 34 anos, pai de Carlos Eduardo. Ele conta que sua ex-esposa, emocionada durante o velório, abraçou o rapaz dentro do caixão, acreditando que ele estaria apenas dormindo. Puxada pelos presentes, acabou erguendo o corpo do filho e percebeu que estava sem o maxilar. Chamou Carlos Henrique de mentiroso, porque ele tinha dito que Carlos Eduardo morrera com um tiro na nuca e ”apagou como um passarinho”.

”Não tive coragem de contar tudo para ela. Ele ficou todo destruído.”

Isso lembra o depoimento de Elzanira de Paula, colhido por Marcos Sergio Silva, para o UOL, mãe de um dos mortos de Mogi: ”Eu fiquei sem entender [a morte de Robson], porque meu filho não tinha condições de fazer nada com ninguém. Eu me pergunto por que fizeram isso com ele. Falaram que o meu filho estava sem a cabeça, mas lá, no IML, nunca disseram nada, nem pudemos ver. Quem passa as informações é a imprensa, a gente não pode nem mesmo reconhecer os corpos”.

Quando os rapazes foram encontrados, estavam enterrados em covas rasas, cobertos de cal e em estado avançado de decomposição. Seu filho, que era cadeirante após ser atingido por um bala da polícia em uma perseguição há dois anos, foi o primeiro a ser identificado exatamente por conta da prótese na coluna.

Independentemente de quem é a culpa direta em cada um desses casos, muitos carrascos poderiam dizer que estavam ”cumprindo ordens”, como os nazistas em Nuremberg. Pois, o que ocorre em parte dessas chacinas foi um servicinho sujo que vários cidadãos pacatos desejam em seus sonhos mais íntimos. Uma ”limpeza social” de ”classes perigosas”. Como já disse aqui, não é que a nossa sociedade não consegue apontar e condenar culpados por todas elas como deveria. Parece que ela simplesmente não faz questão.

Nas redes sociais, a filosofia de botequim joga na vala comum ”culpados” – que não tiveram direito a um julgamento justo e receberam pena de morte – e ”inocentes” – que mereceram, porque ”se levaram bala, boa coisa não tinham feito”. Seja pelas mãos do Estado ou de criminosos.

E que essa faxina social seja rápida, para garantir tranquilidade, e não faça muito barulho. Para não melindrar o ”cidadão de bem”, que têm horror a cenas de violência. Filosofia tão rasa quanto um pires.

Sem demérito para outras pautas sociais e políticas, isso também seria razão mais do que suficiente para ocuparmos as ruas das grandes cidades em protesto. E, de forma racional, pedindo ações estruturais que melhorem a qualidade de vida, garantam justiça social, desmilitarizem as forças policiais, entre outras medidas preventivas, que podem garantir um contexto mais seguro.

E não adotando saídas fáceis e bizarras, como colocar crianças nas cadeias. E entregar cadeias à iniciativa privada.

Mas chacina de jovem negro e pobre não vale o arranhão deixado na caçarola por uma bateção de panelas.

Não que o terrorismo de Estado não seja adotado sistematicamente desde sempre. Porém, a mensagem, de que cada um precisa saber seu lugar, será devidamente reforçada. E, certamente, o lugar de jovens pobres da periferia de capitais não é um dos melhores.

É claro que não há ordens para metralhar jovens pobres da periferia. Mas nem precisaria. As forças se segurança pública em grandes metrópoles, como o Rio ou São Paulo, são treinadas para, primeiro, garantir a qualidade de vida e o patrimônio de quem vive na parte ”cartão postal” das cidades e, só depois, garantir o mesmo para outras camadas sociais.

A população cada vez mais teme seu governo ao invés de respeitá-lo. Os esgarçamento da representatividade política está chegando ao limite. Vamos nos afastando das mudanças estruturais para garantir paz – que incluem um Estado que pense em qualidade de vida para todos e, ao mesmo tempo, em um horizonte de opções para os mais jovens que saem em busca de um lugar no mundo e caem no colo da criminalidade.

Daí para a chegada de um ”salvador da pátria”, que garanta paz e segurança mas, no caminho, destrua a democracia, é um pulo.

Boa parte dos policiais envolvidos nesses momentos são da mesma classe social dos moradores e traficantes que também tombam. Ou seja, é pobre (mal remunerado, mal treinado, maltratado) matando pobre enquanto quem manda ou lucra de verdade com todo o circo está arrotando comida chique em outro lugar.

Ninguém mata jovens impunemente em Ipanema ou em Perdizes. Por que isso ocorre nos Extremos da Zona Norte do Rio ou nos Extremos da Zona Leste de São Paulo?

Porque lá a vida vale menos.

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