Comentaristas esportivos: respeitem Serena Willians

A campeã do tênis transcende a visão de mundo míope dos machistas e sexistas

Por Djamila Ribeiro, do Carta Capital 

Vários artigos e estudos de diversos países abordando a forma racista e sexista à qual Serena Willians é retratada pela mídia já foram publicados. A insatisfação com essas atitudes é mostrada por várias pessoas. Mas a mídia esportiva não aprende.

Serena Williams é uma das maiores campeãs de todos os tempos, possui vinte e um títulos individuais de Grand Slam, os mais importantes do tênis, e mais de dez em duplas, com sua irmã, Venus.

Serena é campeã olímpica, bateu vários recordes e é atualmente a número um do ranking mundial com quase 34 anos. Maria Sharapova, por exemplo, possui cinco títulos de Grand Slam, mas nem de longe essa última é insultada como Serena é. Ou seja, Sharapova não é nem de longe tão campeã quanto Serena, jamais alcançará os números surpreendentes dela, mas é sempre elogiada, vista como a bela, a “lady”.

A mídia racista e sexista não se conforma em ver uma mulher negra com personalidade. John McEnroe, um grande tenista da história, era excêntrico, discutia com os árbitros, possuía um comportamento até agressivo muitas vezes. Mas como ele é homem e branco era tido como alguém de personalidade forte, irreverente. Serena é tida como encrenqueira, mau exemplo para os fãs, bruta.

No Brasil, não é diferente. Como uma pessoa que ama tênis e acompanha os jogos, digo que é um martírio assistir às partidas. Muitas vezes prefiro assistir online pelo site dos torneios para não me aborrecer com o despreparo dos profissionais.

Tanto na ESPN como no Band Sports, os comentaristas se referem à Serena Williams como “Serenão”, por ela ser forte. Percebem a falta de respeito nisso? É como se uma mulher para ser forte precisasse ser colocada num padrão masculino; está se dizendo que mulher e força não combinam, reproduzindo o mito da fragilidade feminina. Além disso, tem garra, expressa raiva, tem jogo agressivo, atitudes quase criminosas para uma mulher.

Serena é musculosa, forte, quebra com os modelos impostos de feminilidade e por conta disso é alvo de comentários preconceituosos. Fazem comentários desrespeitosos em relação a um suposto namoro dela com seu técnico, o francês Patrick Mouratoglou, dando a entender que Patrick é um “corajoso” por estar com ela. Quando se referem ao namoro de Sharapova com o tenista Grigor Dimitrov, dizem que ele é sortudo, “tem Sharapova o esperando em casa”. Quando as duas tenistas se enfrentam, chamam Serena de fera e Sharapova de bela.

Além de racista, é uma mídia punheteira, que se sente no direito de “elogiar” as formas das jogadoras, se esquecendo que elas são atletas, profissionais e não objetos. Elegem as “musas” e fazem comentários desnecessários e machistas.

Foto: Philip Hall e Andrew Ong / Usopen.org

Seus olhares condicionados sobre o que é belo e feminino insultam a inteligência de quem assiste. Além de Sharapova, Ana Ivanovic é alvo de comentários desnecessários por ser considerada bonita por eles. Com os jogadores homens isso não acontece. São profissionais trabalhando. Um comentarista da ESPN se referiu à família de Serena uma vez como “um show de horror”.

No torneio de Roland Garros deste ano, no qual Serena foi campeã novamente, o ex-tenista Flavio Saretta, comentarista da Band Sports, foi fortemente criticado pelos telespectadores por dizer que Serena deveria desistir porque estava passando mal durante o jogo.

E a chamou de atriz, fingida, mau exemplo. Serena estava visivelmente passando mal, mas mesmo assim lutando (há muita coisa em jogo, além do jogo, como patrocínio, sinal de TV) e Saretta se sentindo no direito de insultá-la. Renato Messias, também comentarista desse canal, foi na mesma linha. Depois das críticas, quiseram voltar atrás, mas o estrago já havia sido feito.

Eles estão ali para fazer comentários técnicos sobre o jogo, avaliar as jogadas e não para tentar adivinhar se uma tenista está realmente passando mal ou para fazer jornalismo de fofoca sobre relacionamentos e, muito menos, para avaliar beleza.

Minha filha se interessou por jogar tênis por causa de Serena. Quando tinha três anos, a viu jogando e disse a frase: “olha, mãe, ela é negra como eu, também quero jogar tênis”. As irmãs Williams quebraram paradigmas, são grandes campeãs em um esporte ainda elitista. Parece que a sociedade racista ainda não se conformou com isso.

Chega a ser cômica a tentativa de muitos deles de tentar diminuir os feitos dela. Mas ela segue ganhando títulos e se tornando histórica. Sorte nós temos de sermos contemporâneos de uma tenista desse nível. Quando se aposentar, fará muita falta ao esporte.

Alguns comentaristas desses canais foram tenistas profissionais sem expressão, nem de longe obtiveram resultados como o de Serena e se acham no direito de tratar dessa forma a melhor de todos os tempos. Seria recalque? Acredito que possa haver sim, mas, mais do que isso, trata-se de uma mídia esportiva racista, machista, antiética e despreparada.

É perceptível o incômodo desses profissionais com Serena Williams. Ela transcende a visão de mundo limitada dessas pessoas.

+ sobre o tema

Caravana da Mulher chega ao Alto Dois Carneiros

A sexta edição da Caravana da Mulher, realizada no...

Mulheres do PT debatem feminismo, políticas e construção partidária

Cerca de 700 delegadas de todo o Brasil reuniram-se...

Na Rio+20, governo brasileiro e ONU Mulheres firmam cooperação Sul-Sul em igualdade de gênero

Serão investidos três milhões de dólares, doados pelo governo...

Salvador registrou 234 casos de abusos em 234 dias do ano

A Bahia lidera o ranking de denúncias de violência...

para lembrar

Homens e mulheres concordam: o preconceito de gênero interfere no salário

De 13 perguntas da pesquisa Mitos & Verdades, feita...

Ialorixá da Baixada Fluminense recebe condecoração da Alerj por trajetória de luta social

Mãe Beata de Iemanjá vai receber honraria mais alta...

Gênero nos espaços públicos e privados

O estudo "Mulheres brasileiras e gênero nos espaços públicos...

Diálogos Feministas: Análise de conjuntura e desafios para a defesa da democracia

Esta publicação traz uma síntese do debate realizado: uma...
spot_imgspot_img

Comida mofada e banana de presente: diretora de escola denuncia caso de racismo após colegas pedirem saída dela sem justificativa em MG

Gladys Roberta Silva Evangelista alega ter sido vítima de racismo na escola municipal onde atua como diretora, em Uberaba. Segundo a servidora, ela está...

O atraso do atraso

A semana apenas começava, quando a boa-nova vinda do outro lado do Atlântico se espalhou. A França, em votação maiúscula no Parlamento (780 votos em...

Uma mulher negra pode desistir?

Quando recebi o convite para escrever esta coluna em alusão ao Dia Internacional da Mulher, me veio à mente a série de reportagens "Eu Desisto",...
-+=