Conheça os dois únicos países africanos que não foram colonizados por europeus

Eles não pouparam ninguém: a Europa dominou quase o mundo inteiro nos vários séculos desde que começou a viajar para outros continentes. Nesse assunto, normalmente nos lembramos do continente africano, que foi completamente tomado e explorado pelos europeus no Imperialismo do fim do século 19. Ok, mas não foi bem assim. A África não foi totalmente dominada: dois países, Etiópia e Libéria, escaparam da colonização.

Do csaolucas

Os dois têm histórias muito curiosas: um deles conseguiu expulsar os colonos, e o outro tinha acabado de ser formado por imigrantes. Conheça suas curiosas histórias:

Etiópia

A Etiópia não foi uma das vítimas do neocolonialismo, mas não foi por falta de tentativas. Por volta de 1880, a Itália era um dos países mais atrasados da Europa ocidental: ainda muito agrário, pobre, recém-unificado. À época, em torno de 25 milhões de italianos já haviam migrado para vários outros países (Brasil, inclusive) em busca de uma vida melhor. Para tentar compensar isso, o país também queria entrar na mais nova moda: arranjar uma colônia na África.

Começaram pela região da atual Eritreia, em cima do Chifre Africano, que foi incorporada facilmente como colônia. Mas suas ambições não paravam por aí: queriam também a Etiópia, país cristão governado por Menelik II, que dizia descender do rei Salomão e da rainha de Sabá. Menelik fez um acordo de amizade com os italianos: cedia totalmente a região da Eritreia, em troca de reconhecimento e do fornecimento de armas. Mas havia um porém no acordo: a versão em amárico (língua da Etiópia) punha à disposição dos etíopes os serviços diplomáticos da Itália. Já a versão em italiano obrigava a Etiópia a usar esses serviços – o que, a fundo, tornava o país um vassalo, pouco diferente de uma colônia.

menelik-corte

Foi o suficiente. Menelik anunciou que o tratado não tinha valor, e a Itália concluiu que o único modo de dominar a Etiópia seria através da guerra. Cerca de 18 mil soldados italianos partiram para a batalha, esperando encontrar selvagens despreparados, fáceis de dominar. O erro custou caro: havia mais de 100 mil etíopes, 80% com armas modernas, já em posição de ataque. Foi um massacre sem precedentes: algumas horas depois, 7 mil italianos estavam mortos, 1,5 mil feridos e 3 mil capturados. A guerra acabou tão rápida quanto começou, e com ela o fantasma da colonização naquele país.

Na África, a Etiópia assumiu dimensões míticas. Era um exército africano, de diversas etnias, vencendo os colonialistas brancos. “A Etiópia começou a ser vista como a terra da pureza, onde o cristianismo não foi corrompido pela escravidão”, diz Patrícia Teixeira Santos, do departamento de História da Unifesp e do Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto. “Nos anos 60 e 70, a Etiópia se tornou símbolo do pan-africanismo.”

Libéria

O outro país africano nunca colonizado por europeus tem uma história bastante curiosa. Isso porque foi fundado, em 1824, por escravos libertos dos EUA. Naquela época, uma organização americana chamadaAmerican Colonization Society (em tradução livre, Sociedade Americana de Colonização) havia sido criada com o propósito de levar escravos libertos e negros nascidos livres “de volta” para a África.

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A ideia parece absurda, afinal, tanto os ex-escravos quanto os nascidos livres eram americanos. Mas, naquela época, o pensamento racista e escravista permitia esse tipo de conclusão. Levar a população negra para a África seria, na visão desta organização, um modo de impedir o aumento da criminalidade ou os casamentos interraciais. Hoje, essa sugestão é terrível e bizarra, mas na época foi bastante apoiada nos EUA. O projeto foi financiado através da arrecadação de dinheiro em vários estados, e recebeu o apoio até mesmo do presidente, James Monroe.

Em meados de 1821, o território da Libéria havia sido definido, e os primeiros migrantes já haviam chegado. Em 1822, foi criada a capital, Monróvia (nomeada em homenagem ao presidente Monroe). Apenas em 1824 o país foi fundado oficialmente sob seu nome, que tencionava indicar “país da liberdade”. Apesar da conexão bastante próxima com seu país de origem, os agora liberianos declararam sua independência em 1847. Mesmo assim, sua ligação próxima com os EUA manteve de fora os colonizadores europeus.

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No entanto, quando a região da Libéria foi demarcada, não havia sido levado em consideração os povos que já viviam na região. A divisão forçada do território foi um dos fatores que levaram aos conflitos e guerras civis enfrentadas no país no século seguinte, gerando um país hoje muito pobre e devastado.

“Sei que aqui terei uma vida digna, pela primeira vez”, disse, emocionado, o refugiado liberiano Joseph Morgan, de 34 anos, ao comitê de recepção das Nações Unidas no Canadá, em outubro do ano passado. Um século e meio antes, os ancestrais de Morgan haviam pronunciado palavras muito parecidas, em uma situação muito diferente. Eles acabavam de desembarcar na Libéria, do outro lado Atlântico, na costa ocidental da África, um país fundado em 1824 para servir de lar aos negros americanos.

 

Não podiam imaginar que no século 20 a realidade se encarregaria de destruir uma a uma suas aspirações. Os 315 mil refugiados liberianos que vivem hoje nos países vizinhos são a face mais cruel da derrocada do sonho americano na África. Vítimas de 14 anos de guerra civil, da pobreza e da falta de perspectiva, para muitos o caminho de volta à América – terra de onde saíram seus antepassados – representa agora a promessa de uma vida melhor.

 

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