Cracolândia: Justiça suspende despejo no centro de São Paulo

Após manifestação juíza suspende despejo de famílias marcado para próxima sexta-feira

Fernando Knup,

O despejo de 412 pessoas, marcado para 6 horas da manhã da última sexta-feira (13), foi suspenso por juíza que recebeu um grupo de moradoras na tarde de quinta-feira (12), no Fórum João Mendes, Sé, região central de São Paulo.

Momento em que as famílias são avisadas da suspensão da reintegração

Foto: Fernando Knup

“Cadê a menina que estava desanimada? Olha só: o jogo só acaba quando termina!” brincou Osmar Borges, coordenador da Frente de Luta por Moradia, na chegada à ocupação localizada na famosa esquina entre as avenidas São João e Ipiranga. O grupo que havia representado as famílias, durante toda a tarde, chegava com a informação de que a juíza Raquel Machado Carleal, da 20ª Vara Cível de São Paulo, suspendeu a ordem de reintegração de posse marcada para as seis horas da manhã da última sexta-feira (13).

Após serem informadas da ordem judicial que os expulsava do prédio, ocupado desde o dia 7 de novembro de 2011, as famílias se organizaram e decidiram dialogar com a juíza que concedeu a ordem. Na última quinta-feira (12), véspera da data marcada para a retirada das famílias, os moradores organizaram uma manifestação em frente ao Fórum João Mendes.

Uma comissão de moradores se dirigiu até a sala da juíza para entregar um manifesto explicando a situação do grupo e pedindo providências. “Não queremos privilégios. Queremos morar, trabalhar e sustentar nossas famílias. Somente isto. Somos trabalhadores despojados de tudo. Sofremos o abraço das dificuldades por gerações. Muitos de nossos antepassados, nós mesmos e agora nossos filhos, não puderam freqüentar escola, pois tinham que trabalhar desde a infância. Difícil ir ao médico, ao oculista, ao dentista. Nunca moramos em casa com banheiro em seu interior. Nunca tivemos bons salários. Tivemos sempre dificuldade da boa alimentação. Estas condições nos colocaram em desvantagem social. Sem habilidades para competir com as pessoas que tem seus direitos assegurados. Por isso o Poder Público e todas as pessoas de bem, tem a obrigação de impedir a continuidade desse desequilíbrio. Nossos filhos sofrem terrivelmente nestas circunstâncias” dizia a carta entregue por um grupo de dez moradoras da ocupação.

Acompanhados dos promotores Mario Augusto Malaquias e Maurício Antonio Ribeiro Lopes, da Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo, os moradores alegaram à juíza que caso a reintegração fosse cumprida, todas as famílias iriam para as ruas, incluindo crianças e idosos, que mesmo buscando contato com a prefeitura para possível atendimento emergencial e definitivo, não obtiveram resposta. Segundo Ivaneti de Araújo, uma das lideranças do movimento, o diálogo com a juíza foi direto e sincero. “Deixamos claro que existem prédios ocupados com famílias, crianças e adolescentes, caso ocorra o despejo, pra onde irão essas famílias?”

A juíza entendeu que outra audiência de conciliação, com a presença de representantes da prefeitura do município, do comando da Polícia Militar, dos proprietários e representantes das famílias se faz necessária. A Promotoria de Justiça se comprometeu com os moradores a entrar com ação junto a Promotoria de Justiça Federal pedindo que a prefeitura inclua essas famílias em programas habitacionais

No retorno à Ocupação as representantes foram recebidas com euforia e esperança por mais de 60 famílias moradoras do edifício que tanto toca o coração dos que ali cruzam. Carmem Silva Ferreira, uma das líderes, deu a notícia que todos esperavam. “Hoje conseguimos a suspensão da reintegração por quinze dias, e na próxima segunda-feira (16) o MP entrará com uma representação contra a prefeitura pedindo que atenda a todos nós”. Mesmo sem ter certeza de que serão atendidas pela prefeitura, as famílias puderam enfim descansar com a certeza de que não estariam em situação de rua pelo menos até a próxima audiência.

A luta por moradia em São Paulo

Apesar desta vitória parcial, a situação é delicada para os movimentos de moradia no centro de São Paulo. Pelo menos outros quatro processos de reintegração correm na justiça, que historicamente decide pela manutenção do direito à propriedade em detrimento das demandas populares pelo direito à moradia.

A posição de embate permanente entre a prefeitura de São Paulo e a população de baixa renda que reside no centro da cidade, seja ela politicamente organizada, como neste caso, ou não, como nas ações correntes no bairro da Luz e, classificada pelo próprio governo como ‘Cracolândia’, sofrem pelo descaso e a omissão do Poder Público. Segundo a prefeitura, só em São Paulo mais de 800 mil famílias vivem em moradias irregulares ou em áreas de risco.

Tanto as reintegrações de posse quanto a brutalização dos usuários de drogas e a reafirmação da região ao redor da Luz como gueto para uso de drogas se apresentam como uma ampla estratégia de ‘gentrificação’, processo que expulsa camadas mais pobres para permitir a incorporação destas áreas pelo predatório mercado imobiliário paulistano. No caso, o processo de ‘reurbanização’ e ‘revitalização’ da área é o Projeto Nova Luz, amplamente criticado por buscar a elitização da região, que foi empobrecida nos últimos 20 anos graças a omissão do Poder Público.

Um exemplo claro é a ocupação São João, localizada no número 588 da avenida São João, antiga sede do Hotel Columbia Palace. O prédio, abandonado por mais de 20 anos, foi ocupado em 2010 por cerca de 80 famílias e desde então passa por uma transformação profunda. Os proprietários legais do prédio, porém, requereram sua posse no final de 2011 e hoje o processo corre na justiça com chances reais de desocupação. A próxima audiência ocorrerá dia 09 de fevereiro, também no Fórum João Mendes.

 

 

 

Fonte: Brasil de Fato

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