Crianças e adolescentes falam sobre rotina no Alemão: “Não protegem, matam”

Jaqueline, 17, já não sai de casa sozinha à noite por medo de ser confundida com um dos “homens de preto”. Assis, 14, diz ter apanhado da polícia ao não saber responder “onde estava a boca”. Ágata, 17, perdeu um primo, vítima de bala perdida. Daniel, 13, conta que a mãe o espera no portão até quando ele vai ao mercadinho na esquina. Daniela, 16, deixou a Paraíba há seis meses e já teve um amigo ferido em um tiroteio. Todos vivem no Complexo do Alemão, na zona norte do Rio de Janeiro.

Por Paula Bianchi, do UOL 

Ocupado em 2010, primeiro pelo Exército e depois pela polícia, o complexo reúne cerca de 70 mil moradores divididos entre 12 favelas. Apenas na primeira semana de abril, quatro pessoas morreram baleadas na comunidade, entre elas o menino Eduardo de Jesus Ferreira, 10, atingido por um disparo de fuzil na cabeça, e Elizabeth Alves de Moura Francisco, 40, baleada dentro de casa.

O aumento da violência e os constantes tiroteios somados às mortes de abril levaram o governo do Estado a prometer uma “reocupação” do Complexo. As rondas com policiais fortemente armados e o clima de tensão constante voltaram a fazer parte da rotina das favelas, que, desde 2012, conta com quatro UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora).

“Você não fica tranquilo nem em casa”, diz Jaqueline, que já teve a casa invadida pela polícia enquanto dormia. Ágata, que teve um primo morto por uma bala perdida quando chegava em casa no Alemão, diz que os tiroteios não têm hora. “Até ir para escola está difícil”, afirma.

Um dos passatempos favoritos das duas é jogar conversa fora com os amigos na rua e jogar bola. Desde a morte de Eduardo, nem isso conseguem fazer. “Você sai na rua de noite, não tem ninguém. Só gente de preto”, diz Jaqueline, referindo-se ao uniforme usado pelos policiais do Bope (Batalhão de Operações Especiais) e do Batalhão de Choque. “Paz a gente não sabe definir, que a gente não está tendo”, completa Ágata.

André, que carregava as sacolas de compras do supermercado de uma vizinha para ganhar uns trocados, conta que a polícia já o parou na rua várias vezes. Em uma delas, diz, ao não saber responder onde estava a boca de fumo que os agentes procuravam, apanhou.  “Pensaram que eu era bandido, ficavam me perguntando: ‘Onde está a boca, onde está a boca?’. Não soube dizer, me bateram.”

Ele diz que falou para os pais, mas eles preferiram não fazer nada. “Era para proteger, estão matando.” Para Daniel, que tem passado seus dias indo da escola para casa e de casa para escola, a morte de Eduardo foi uma “covardia”. “Em vez de prender, atiram.”

Em um semestre no morro, Daniela diz já ter visto mais armas na rua do que em toda a sua vida.

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“Todos têm medo”, resume Graça, 40, mãe de cinco filhos. Desde a morte de Eduardo, não deixa as crianças brincarem “nem no quintal” e evita até sair de casa despois que escurece. “Não saio de casa à noite nem para ir à igreja”, conta. “O pastor veio perguntar por que eu não ia, respondi: ‘Porque eu não sou blindada’.”

Ruim para todo mundo

Nem mesmo a polícia tem conseguido circular com tranquilidade pelo Alemão. Nesta sexta-feira (17), agentes da Delegacia de Homicídios aproveitaram para realizar de uma vez só a reconstituição de três casos ocorridos no conjunto de favelas: as mortes do menino Eduardo, de Elizabeth e do capitão Uanderson Manoel da Silva, que comandava a UPP Nova Brasília, baleado há oito meses.

Durante a reconstituição da morte de Eduardo, a reportagem do UOL observou traficantes circulando pela região. Por motivos de segurança, a imprensa foi orientada a permanecer em um perímetro específico e, segundo um policial no local, tomar cuidado, pois há pontos no morro onde não é seguro circular.

* Colaborou Hanrrikson de Andrade

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