Desempregado, Aranha diz que é chamado de ‘Branca de Neve’, revela que quase faliu no Santos e admite que queria continuar no Palmeiras

do Jorge Nicola do Yahoo!Esportes

 mas o preconceito parece não ter abandonado seu dia a dia. “Em vez de me ‘macaco’, agora me chamam de ‘Branca de Neve’”, revela Aranha, desempregado desde 31 de dezembro, quando acabou seu contrato com o Palmeiras.

A dificuldade em voltar ao mercado, de acordo com o próprio Aranha, tem a ver com o fato de ser negro. “Com certeza, o preconceito atrapalha”, garante o camisa 1, em entrevista ao Blog. Além de lamentar a perseguição, o goleiro falou muito sobre sua polêmica saída do Santos, no começo do ano passado. Ele jura não ter se arrependido de trocar a condição de titular e multicampeão no Peixe pela de reserva no Palmeiras — disputou apenas um jogo ao longo de toda a última temporada.

BLOG_ Você já completou mais de um mês sem emprego. Não fica aflito?
ARANHA_ Fico ansioso, sim, mas não bate desespero porque estão aparecendo algumas coisas. Preciso ter muita cautela para não errar. Se vou para um time pequeno e ele perde duas ou três seguidas, certamente vai sobrar para mim por já ser um medalhão. Não dá para colocar tudo a perder.

Tem alguma proposta agora?
Não sei, porque deleguei essa parte para um pessoal que trabalha com futebol. Cuidei da minha carreira durante um bom tempo, mas agora parei. E disse para eles que só quero ficar sabendo quando estiver para assinar.

Mas tem algum tipo de restrição em relação a clube?
Estou disposto a ouvir todo mundo.

Então, por que não fechou nada até agora?
Porque as propostas que apareceram, em geral, eram apenas para a disputa do campeonato estadual. Contrato de três meses. Quero pelo menos um contrato até o fim do ano.

Toparia jogar na Série B?
Por que não?

Você sempre brigou contra a balança. Como tem feito para manter a forma?
Estava treinando até a semana passada na escola de goleiros do Zetti. Além disso, contratei um personal trainer e ia a uma academia de musculação. Mas estou me mudando para Pouso Alegre, em Minas Gerais, então vou ter de treinar lá.

Quanto tempo precisa para ter condições físicas de jogo?
Se eu fechar com uma equipe amanhã, por exemplo, vou precisar de duas semanas para estar em campo. Agora, se não der para acertar com algum clube para o estadual, terei 60 dias para ficar zerado, pensando no Brasileirão.

Por que está voltando para sua cidade natal?
A casa em que eu estava morando com a família, em Alphaville, era alugada. Minha ideia era comprar alguma coisa assim que renovasse o contrato com o Palmeiras. Como não aconteceu, esperei acabar o aluguel e vou pra Pouso Alegre, onde tenho uma casa.

Achou mesmo que permaneceria no Palmeiras mesmo depois de fazer só um jogo no ano passado inteiro?
Eu achava que renovaria. Um dia, o clube me ligou chamando para uma reunião. Imaginei até que seria para definir o novo contrato, mas me comunicaram que eu não ficaria.

Pediu muito alto?
Não sei o que aconteceu. Eu queria ficar e não foi por causa da minha pedida, pois não tinha exigência nenhuma. Só queria manter o contrato do ano anterior.

É verdade que você teve problema de relacionamento dentro do elenco palmeirense?
Não tive problema com ninguém. Eu só joguei uma partida, mas não tenho nada a reclamar do Palmeiras, que foi extremamente correto comigo. Só não era para ser. Tenho amigos até hoje. Acho que joguei pouco porque o Fernando Prass teve um ano excelente, não se machucou, não levou cartão…

Arrependeu-se de ter deixado o Santos, onde era titular e havia sido campeão da Libertadores, da Recopa e do Paulistão?
Não me arrependi, porque tinha chegado ao meu limite financeiro. Eu estava bem no Santos, feliz, tranquilo, mas pararam de pagar salário e fiquei sem dinheiro nenhum.

Quantos meses ficou sem receber?
(Pensativo) Foram quatro meses de salário e cinco meses de direito de imagem. E não tinha a mínima perspectiva de recuperar esse dinheiro ou de voltar a receber em dia.

Chegou a se endividar?
As pessoas acham que todo jogador de futebol é rico. Primeiro que eu não sou atacante, então nunca tive um salário excepcional. Também nunca fui vendido, algo que sempre rende dinheiro. Como o Santos parou de pagar, fui gastando todas as minhas economias.

E não sobrou nada?
Tive de vender meu carro e, depois, comecei a gastar todas as minhas economias. Chegou uma hora que não havia mais de onde tirar dinheiro. Sustento meus quatro filhos, minha esposa e mais uma porção de gente. Sem contar problemas nos investimentos que tinha.

Como assim?
Como não entrava dinheiro, parei de pagar pelos investimentos. E as pessoas não entendiam, então, começaram a dizer que iriam me processar, que levariam o caso à Justiça. A situação foi bem feia.

E já conseguiu colocar as finanças em ordem?
Com o ano que vivi no Palmeiras, consegui recuperar quase tudo o que eu tinha. Mas agora preciso voltar a trabalhar, né? Afinal de contas, a carreira de jogador de futebol é curta e eu já estou com 35 anos.

O Santos lhe pagou tudo o que devia?
Tive de aceitar um acordo com o Santos para sair, no começo do ano passado. Aí, combinamos que eles me pagariam tudo o que deviam em diversas parcelas. Só que pagaram as primeiras e nunca mais. Já tentei cobrar, mas não adianta.

Depois de tudo isso, voltaria a jogar no Santos um dia?
Por que não? É lógico que sim, mas tenho certeza de que não seria do agrado do torcedor. Até hoje, quando encontro santistas na rua, me perguntam por que saí, dizem que fui mercenário… É o primeiro caso de mercenário que não ganha.

Por falar em torcedor, você foi uma das mais famosas vítimas do racismo no futebol. Isso chega a atrapalhar na hora de arranjar emprego?
Com certeza, o preconceito atrapalha. Ele existe no futebol e acho que vai continuar existindo para sempre.

Se pudesse voltar no tempo, faria algo diferente em relação aos torcedores do Grêmio que o chamaram de macaco?
O que eu fiz foi simples: apenas comuniquei ao árbitro (Wilton Pereira Sampaio) que estavam cometendo um crime de racismo contra mim. Ele é que não tomou atitude. A partir daí que a situação ganhou corpo e virou toda aquela confusão.

Você aceitou o pedido de desculpas de uma das meninas que o xingou?
Ela pediu desculpa para mim uma vez e umas dez para o Grêmio (o time gaúcho acabou eliminado da Copa do Brasil). Mas tudo bem, faz parte.

Continua sendo vítima de racismo mesmo depois de toda a repercussão?
O preconceito continua, mas de maneira mascarada. Só mudaram os termos. Os caras acham que vão me afetar. Agora, em vez de “macaco”, me chamam de “Branca de Neve”. Alguma autoridade acha que é comum um torcedor chamar um jogador de Branca de Neve? Claro que isso não é xingamento de futebol.

Tem acompanhado os jogos?
Para falar a verdade, bem pouco. Outro dia, vi a partida entre Ponte Preta e Santos (os santistas venceram por 2 a 0). Também assisto a uma coisa ou outra, mas tenho aproveitado para curtir meus filhos. Pela primeira vez em anos, estou conseguindo ficar com eles em fevereiro. Jogo bola, vou ao cinema, brinco no videogame. Faço tudo o que eles pedem.

Para fechar: já pensa em encerrar a carreira?
A maioria dos goleiros tem ido até os 40 anos. Eu devo parar mais ou menos por aí.

 

 

Leia a mais: Aranha diz perdoar torcedora por racismo, mas afirma: ‘Vai pagar pelo que fez’

Aranha precisa de socorro. Racistas perderam a vergonha na cara! Você concorda com o que viu? 

 

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