Douglas Belchior: STF, Cotas e o caminho racista das pedras

O resultado do julgamento de Cotas e das Ações Afirmativas pelo STF, nos dias 25 e 26 de Abril em Brasília, não foi obra do acaso. Ao contrário, nos custaram vidas e muitos anos de luta. Para além da resistência ancestral nos séculos de escravidão e no pós-abolição, nosúltimos dez anos as cotas foram alvo de uma covarde campanha promovida em conjunto pelos grandes meios de comunicação do país, tendo como atores parte importante das elites políticas, intelectual e artística, quando podemos destacar:
 
Os Deputados Bolsonaro “pai” – federal – e “filho” – estadual –, que além de árduos defensores da ditadura de 64, ocuparam a linha de frente na batalha contra cotas (http://migre.me/8UHjs) em Brasília e no Rio de Janeiro;
 
O latifundiário Ronaldo Caiado (DEM), que protocolou pessoalmente uma tentativa de impedir a realização da Audiência Pública sobre cotas, promovida pelo STF, em março de 2010 (http://migre.me/8UGz2). Audiência Pública na qual o hoje afogado em “cachoeiras”, Demóstenes Torres (Ex-DEM), sugeriu que as relações sexuais entre mulheres negras e seus senhores seriam “consensuais” (http://migre.me/8UGPn), além de responsabilizar os próprios negros pela escravidão (http://migre.me/8UGSD);
 
Os acadêmicos Yvonne Maggie, Peter Fry e Demétrio Magnoli – este último, crítico da instalação da Comissão da Verdade e defensor da apuração de crimes cometidos por grupos terroristas que se levantaram contra a ditadura de 64, tal como registrado em sua participação no documentário “Reparações” (http://migre.me/8UHrA);
 
Ali Kamel, diretor de Jornalismo da Rede Globo de televisão, autor do Livro “Não Somos Racistas”, que chegou a expor sua obra em horário nobre, em cena da novela “Duas Caras” (http://migre.me/8UL7n);
 
O poeta Ferreira Goulart e o Cantor Caetano Veloso (ironicamente, autor da música “Haiti”), que entre outros artistas, assinaram o Manifesto Contra Cotas (http://migre.me/8ULef);
 
Até mesmo nas ciências genéticas foram buscar argumentos para combater a política de cotas, quando a partir dos estudos de Sérgio Pena, afirmou-se que o sambista Neguinho da Beija-Flor seria geneticamente mais europeu do que africano (http://migre.me/8ULx8).
 
Nesse mesmo período de longa batalha, movimentos negros, ong’s, grupos estudantis, intelectuais e também políticos e artistas se dedicaram incansavelmente no sentido de garantir os avanços para a população negra. E graças a essa militância, experiências de Cotas para negros lograram êxito e demonstraram na prática a sua eficiência, quando comparada aos métodos universalistas e tradicionais. Uma das grandes mobilizações aconteceu em São Paulo, no dia 6 de Março de 2010, um dia depois do encerramento da Audiência Pública sobre Cotas, promovida pelo STF em Brasília. Mais de 500 estudantes se reuniram para uma grande Aula-Pública em defesa das Cotas (http://migre.me/8UFnK), seguida de uma passeata pelas ruas do centro de São Paulo (http://migre.me/8UFjA).
 
O julgamento do STF que confirmou por unanimidade, num placar simbólico (10 a 0), a constitucionalidade das cotas, foi um duro golpe para as elites racistas do Brasil. Mas qual a motivação para que a nata da burguesia e da velha direita tenham se empenhado tanto em derrotar as políticas de cotas para negros em universidades? No fundo, o debate sobre cotas revelou a forte dimensão racial da luta de classes no Brasil e nos serviu para levantar a poeira que expõe o posicionamento conservador e racista das elites brasileiras, muitas vezes compartilhado por setores ditos progressistas e partidos de esquerda.
 
A partir do fôlego que alcançamos com a vitória do STF, precisamos acumular forças, formar mais e mais ativistas, provocar naqueles que conseguimos reunir a dúvida, a interrogação em relação às desigualdades, ao racismo, à homofobia, ao machismo, à precariedade da educação pública e tantos outros temas. Ao mesmo tempo precisamos movimentar os corpos, precisamos fomentar a cultura do protesto, da prática da reação e isso só se dá através de a uma militância ativa. Os grupos de militantes negros, de todas as organizações do movimento negro, precisam voltar para a rua. Precisamos de um movimento negro que faça trabalho de base permanente, que deixe um pouco de lado os gabinetes, os palanques e os camarotes e volte para as ruas, para o fomento da rebeldia negra.
 
Nas palavras do Ministro Ayres Britto, presidente do STF, quando do encerramento do julgamento histórico, “o Brasil ganha (…) um motivo para olhar para o espelho da história e não corar de vergonha”. De onde estamos, sabemos que ainda há muito do que se envergonhar no Brasil, em especial no que diz respeito às desigualdades sociais que atingem a população negra. Mas essa batalha nós vencemos! Seguimos com armas mais poderosas.Agora, é transformar a vitória jurídica em prática revolucionária.

Douglas Belchior
Professor de História e Sociologia da Rede Pública Estadual de SP
Membro do Conselho Geral da UNEafro-Brasil

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