É essencial tirar o carro do centro da sociedade para solucionar problema do transporte

Seminário promovido pela Fundação Friedrich Ebert, Carta Maior e Fundação Perseu Abramo discutiu alternativas para problemas dos transportes no país.

 

Por Daniella Cambaúva, no Carta Maior 

 

Pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento participaram do Seminário “Transportes: dimensão-chave para um Brasil sustentável”, realizado nesta quarta-feira (19), em São Paulo, fruto de uma parceria entre Fundação Friedrich Ebert, a Carta Maior e a Fundação Perseu Abramo. Com a finalidade de discutir alternativas para os transportes, estiveram presentes especialistas em neodesenvolvimentismo, energia, planejamento urbano, preservação ambiental, gestão pública e um representante do Movimento Passe Livre (MPL). Apesar das divergências, as soluções propostas por todos os participantes passa por um aspecto comum: fazer com que o carro deixe de ocupar lugar central na sociedade.

Participou da segunda parte do debate Lúcio Gregori, engenheiro. Ele foi secretário municipal de Serviços e Obras (gestão Erundina) e de Transportes (gestão Erundina), quando formulou a proposta de tarifa zero. Para ele, neste debate, é preciso pensar primeiramente sobre o lugar que o carro ocupa no imaginário popular. “Existe uma cultura do automóvel”. Não é possível caminhar pelas ruas sem ver símbolos dessa cultura: vemos borracheiro, estacionamento, autoescola, loja de peças.

Trata-se de uma cultura propagada por muitos anos, de uma construção histórica na cabeça das pessoas, que precisa ter uma contrapartida. “Uma prova disso é que fotos antigas mostram a praça da sé ocupadas por carros”, disse.

Em relação ao transporte coletivo, Gregori criticou o fato de todas as frotas de ônibus no Brasil serem movidas a óleo diesel, provocando ruídos. Assim, é necessário reformular uma especificação dos transportes públicos promovidos no país, bem como investir em pesquisa e inovação tecnológica para fazer uma indústria de ônibus sustentável, utilizando ônibus híbridos, diesel e elétricos. Ou, pelo menos, investir em um modelo que não cause tantos danos à atmosfera e provoque menos ruídos.

É preciso ainda reduzir – ou pelo menos tentar limitar – o tempo de espera nos pontos de ônibus, e garantir ar condicionado. Neste sentido, argumentou que, sem fazer política, nada se fará, nada se construirá. E que isso não passa exclusivamente pelo governo, mas pela sociedade, por organizações advindas da sociedade. Por fim, mencionou que tramita no Senado a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 74.  Se aprovada, transporte será um direito social assegurado pela Constituição da República.

Os pesquisadores se centraram em discutir como seria a contribuição dos transportes na transição para um padrão de uso de energia crescentemente limpo (renovável e mais eficiente); como equilibrar a expansão de um modelo de transporte mais sustentável em termos de uso de energia (eficiência, tipo, e nível de poluição) e qualidade de vida, com a sustentabilidade ambiental; e quais são os melhores modelos de transporte urbano para o melhoramento da qualidade de vida urbana/rural,

O representando o Movimento Passe Livre, que se dedica à defesa enfática da tarifa zero. Estuda Geografia, com ênfase em Geografia Urbana, atuando principalmente em temas relacionados a transporte, direito à cidade e movimentos sociais urbanos. Cauê relatou a história do MPL, que já tem catorze anos, e surgiu como campanha dentro do Partido dos Trabalhadores para que estudantes não pagassem tarifa. No PSTU, também houve uma linha nacional de campanha pela tarifa zero. Em Florianópolis, onde a campanha existia desde o ano 2000, a militância já se organizava como movimento. A iniciativa da formação de um coletivo, articulado nacionalmente partiu da Campanha pelo Passe Livre de Florianópolis, onde houve um encontro nacional em 2004. Foi fundado em uma plenária no Fórum Social Mundial em 2005, em Porto Alegre.

Cauê explicou que o Movimento Passe Livre é uma instituição horizontal, autônoma, independente e apartidária. A independência do MPL se faz não somente em relação a partidos, mas também a ONGs, instituições religiosas ou financeiras. A principal bandeira do movimento é a migração do sistema de transporte privado para um sistema público, fato que garantiria o acesso universal por meio do passe livre. Para o movimento, isto traria um sistema de transporte sem exclusão social.

Caracteriza-se por fazer ação direta, disposição do movimento de não negociar com o governo, com pauta da tarifa zero, financiada pelo imposto gradativo. Infelizmente, o fato de ser atribuição do município dificulta a elaboração de uma avaliação que aponte para uma forma de chegar à tarifa zero aplicável a todas as localidades do país.

Para falar sobre o modelo de transporte urbano na cidade de São Paulo estava Salvador Khuriyeh, atualmente diretor de administração e finanças da SPTrans, empresa responsável pelo transporte coletivo na capital. Entre os principais problemas de mobilidade urbana, citou a existência de bairros dormitórios, como Cidade Tiradentes, fazendo com que pessoas se desloquem 30 a 40 quilômetros por dia para trabalhar, e concentração de linhas de ônibus no centro velho da capital. Existe ainda uma questão da mobilidade condicionada à renda: quanto maior a renda, mais se utiliza o transporte individual em detrimento ao coletivo, acarretando o uso excessivo de viagens individuais.

Diante deste cenário, é necessária uma mudança em paradigma. “Para alterar esta realidade, não bastam novas infraestruturas, é preciso aliar diretrizes do transporte coletivo com uso do solo. Criar uma rede de transporte que alie transporte sobre rodas com as vantagens do transporte sobre trilhos. Propor um plano de mobilidade que vá além das questões de transporte”

Khuriyeh mencionou o Plano Diretor Estratégico do município de 2014, em que a mobilidade urbana aparece baseada no conceito de estruturação: ampliação de infraestrutura e faixas e corredores nos eixos urbanos, com desenvolvimento orientado para a mobilidade, garantindo acessibilidade universal, equidade no acesso e uso do espaço, redução de tempo de espera, tempo de viagem e de custo.

Para os próximos anos, deve ser feita ampliação e melhoria das rotas da SPTrans para aliar transporte ferroviário com transporte sobre rodas. A meta é chegar a 600 quilômetros de faixas exclusivas, 600 quilômetros de corredores à esquerda, ampliando o serviço em rede.

Com a construção de novos terminais de integração, deve haver mais 570 quilômetros de infraestrutura projetada para os próximos 12 anos.

Sérgio Leitão, diretor de políticas públicas do Greenpeace, afirmou que existe, na questão do transporte individual, para além dos problemas de mobilidade urbana, os impactos ambientais devido à falta de eficiência. “Existe uma exigência de melhor eficiência”: ou seja, custam caros e são ineficientes do ponto de vista do consumo de combustível. Insuficiências tecnológicas dos carros brasileiros, vendidos apenas para a Argentina. Questionou ainda se conseguiríamos encontrar uma ponte de convergência entre desenvolvimentistas e ambientalistas.

Argumentou que, atualmente, é a questão enérgica, e não mais o desmatamento, que preocupa no debate ambiental brasileiro. “E se o Pré-sal não der certo do ponto de vista econômico por conta da concorrência com outras fontes alternativas?. Deveríamos fazer mais discussões a respeito”, disse.

Ao longo do Seminário, os pesquisadores encontraram um projeto de políticas públicas compatível com o desenvolvimento e que, ao mesmo tempo, contemplasse os argumentos trazidos pelos pesquisadores envolvidos nas questões ambientais. Ao final, o grupo firmou compromisso de dar continuidade à discussão alguns meses após a primeira reunião.

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