“Eleguá” explica valores e mitos africanos para crianças e adolescentes

Eleguá em Cuba. Exu no Brasil. Um orixá muito respeitado entre o chamado “povo de santo”, mas erroneamente vinculado a valores negativos para os não iniciados no universo africano. A partir da premissa de ajudar a corrigir esse preconceito (e vários outros) entre os adultos e, melhor ainda, ensinar os fundamentos e mitos originais desse e de outros elementos da cultura negra a crianças e adolescentes, nasce “Eleguá, menino e malandro”, espetáculo com entrada gratuita no Centro Cultural São Paulo.

Foto: Gal Oppido/Divulgação

Por Denise Mota Do Preta Preto Pretinhos

Mas “Eleguá” vai além. Propõe um diálogo vigoroso e cheio de música -do repente nordestino ao rap e ao blues-, entre tradição e contemporaneidade, para mostrar a atualidade dos mitos africanos como ferramenta de compreensão do mundo, para além das visões “eurocêntricas” a que todos estamos acostumados, como destaca a dramaturga Antonia Mattos, diretora do espetáculo. Antonia -fundadora do grupo Clã do Jabuti, filha de Oxossi e integrante do terreiro Abassá de Xangô Agodo e Ode Erinlé- leva ao palco seis anos de pesquisas acadêmicas e experiências pessoais sobre o tema.

Abaixo, os principais trechos da entrevista com a dramaturga:

OBJETIVO PRINCIPAL

“Fiz uma viajem a Cuba a trabalho e lá percebi que a relação que os cubanos estabeleciam com Eleguá-Exu era totalmente diferente. Lá Eleguá era uma criança, às vezes um garoto muito esperto e brincalhão, algo perfeitamente normal e aceitável.

Existe uma relação de poder e preconceito ancorada na figura de Exu e nas histórias contadas sobre ele desde o primeiro colonizador que pisou na África. As histórias que chegaram ao Brasil estabeleceram um ponto de vista branco e colonizador sobre ele como uma história definitiva. Trata-se de um erro histórico que muitos símbolos e valores associados à cultura negra vêm sofrendo através dos séculos.

É superficializar essa figura mítica e negligenciar as muitas outras histórias que existem sobre ele. Por isso é importante trazer outros pontos de vista, recuperando os atributos originais africanos que foram escondidos pelas características que lhe foram impostas. Esse é ponto central da peça, nosso objetivo principal.”

Foto: Gal Oppido/Divulgação

ELEGUÁ, PARA COMEÇAR O DIÁLOGO

“Estamos em uma realidade onde o preconceito é tão enraizado que não existe abertura para o diálogo. Então, estrategicamente, não colocamos o nome usual de Exu no Brasil na peça, pois sentimos ao longo do processo que as portas se fechariam e que nem mesmo seríamos ouvidos. Além da nossa escolha ser estratégica, existe uma opção e um desejo de nos aproximarmos do ponto vista cubano, da maneira como eles enxergam esse orixá. Lá, ele é um príncipe chamado Eleguá, cercado de muito afeto.”

ESPAÇO PARA O SAGRADO E PARA A CULTURA DE RUA

“A primeira parte do espetáculo está mais ligada ao universo do sagrado. É o momento onde se apresenta a cosmogonia africana, o nascimento de Eleguá e a relação dele com sua família. Nesses momentos os batás ganham o protagonismo sonoro. A partir do instante em que Eleguá vai para o mundo e ganha as ruas, aí os sons urbanos e contemporâneos ganham a cena. Desejamos que os mitos sejam atravessados pela modernidade e que as crianças dos dias de hoje possam encontrar neles caminhos de identificação. Também acreditamos que ritmos como rap são desdobramentos contemporâneos do sagrado africano, que ao ganhar as ruas encontram novas formas de expressão e novos contextos. Os ritmos brasileiros que permeiam a peça, como a congada, são também herança africana. O repentista nordestino atua como um contador de histórias.”

HERÓIS MAIS PARECIDOS A NÓS

“Nossas crianças entram em contato desde cedo com histórias de origem europeia e pouco conhecem sobre as histórias de origem indígena e africana.

Infelizmente existe um imaginário étnico racial que privilegia e valoriza as raízes europeias da nossa cultura. Contos como Branca de Neve, Chapeuzinho Vermelho, Pinóquio é que estão no imaginário da nossa infância. Os personagens dessas histórias, como sabemos, seguem um padrão europeu valorizado socialmente. Por que, ao invés de nos reconhecermos em Hermes, Afrodite, Branca de Neve ou Cinderela, não nos reconhecemos em Exu-Eleguá, Ogum ou Iemanjá? Eles, sim, estão impregnados na cultura brasileira.

Nossa peça trata de valores ligados ao universo africano, valores como a “verdade”, que no universo ocidental eurocêntrico frequentemente está associada a uma ideia absoluta. No espetáculo, através da história em que dois amigos discutem por causa da cor do chapéu de Eleguá, mostramos um novo sentido para a verdade, que vem da tradição e filosofia africana, onde a verdade absoluta não existe, o que existem são pontos de vista.

Toda a dramaturgia está recheada de provérbios africanos e com eles entramos em contato com essa sabedoria, que é milenar. Conhecer príncipes, princesas, heróis e heroínas com origem no continente africano pode modificar o olhar de crianças e jovens sobre si mesmos e seu lugar na sociedade.”

Eleguá, menino e malandro

Até 21 de maio, sábados e domingos, às 16h
CCSP – Centro Cultural São Paulo – Sala Jardel Filho (r. Vergueiro, 1000 – próximo ao metrô Vergueiro)
Entrada franca

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