Em nome da mãe, dos filhos e orixás

O ano era 1950. A ialorixá Severina Paraíso da Silva, ou Mãe Biu de Xambá, decidiu sair do Bairro de Santa Clara (hoje Dois Unidos), ir morar no subúrbio de Olinda e ali começar um processo geopolítico, social e antropológico, ainda que de forma inconsciente. Disposta a reabrir o Terreiro de Santa Bárbara – Ilê Axé Oyá Meguê, da Nação Xambá, depois de ele ter sido fechado em 1938, pelo Estado Novo, e a reagrupar sua família e seus filhos de santo, ela encontrou às margens do Rio Beberibe, no lugar conhecido como Portão do Gelo, um espaço simbólico para apropriação, uso, sobrevivência, exercício da fé; um ambiente ideal para desenhar uma nova cartografia familiar, comunitária e religiosa, que resultou no nascimento do primeiro quilombo urbano de Pernambuco, a comunidade quilombola do Portão do Gelo Nação Xambá, devidamente reconhecida, em 2006, pela Fundação Cultural Palmares.
Por: Isabelle Câmara
Acompanhada dos filhos de sangue e de santo, a matriarca atraiu também agregados, pessoas que migraram para aquele local com a esperança de uma vida melhor, como suas irmãs Donatila Paraíso do Nascimento (Madrinha Tila), Maria Luíza de Oliveira (Tia Luíza) e Laura Eunice Batista (Tia Laura), mulheres que, junto com Mãe Biu, assumiram o papel de ocupar, ampliar, negociar e garantir a construção daquela nova comunidade. “Estar perto do rio tinha dois significados: o religioso, porque era preciso a proximidade com a água corrente para a realização dos rituais, e de sobrevivência, pois não se tinha água encanada à época e as pessoas ali lavavam roupas, louças, tomavam banho”, explica Hildo Leal da Rosa, filho de santo de Mãe Biu e historiador.
“Minha mãe foi uma líder natural. Qual a função do líder? Que as pessoas que ficam ao seu comando estejam sempre bem, felizes. Ela tentava fazer casas logo, fazia casamentos, arrumava emprego público, pedia, se preocupava com aquele que estava desempregado”, recorda Adeíldo Paraíso da Silva, mais conhecido como Pai Ivo de Xambá e filho de Mãe Biu, em depoimento concedido a Valéria Gomes Costa, para o livro É do dendê! – histórias e memórias urbanas da Nação Xambá no Recife (1950 – 1992) (Annablume, 2009).
“Tia Biu gostava de dar casas às pessoas e casar. Uma casa, todo mundo tinha que ter uma casa própria. Ela tinha essa visão. Mamãe, Tia Lourdes, eu, voinha, Tia Nair, Tio Luiz, Ciço, Mina, Edileuza, D. Belmira, Antonieta, Sônia, todo mundo tinha que ter uma casa própria. O negócio dela era uma casa”, complementa Maria do Carmo de Oliveira, a Cacau, no mesmo livro.
Fonte: Negros Pe

 

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