Em tempos difíceis, cuidar do outro é um ato de sobrevivência

Quando falamos de generosidade, logo vem a cabeça doação material. Em um mundo cada dia mais individualista, pensar em SER humano é um risco. Conceituamos humanidade como características específicas à natureza humana. Mas em uma sociedade cada dia mais violenta e insensível ao outro, o que seria mesmo essas “características”? Em tempos de reflexão, mudanças e transformações, em que a todos os instantes nos perguntamos como superar tantos desafios, quais valores são essenciais para construir o mundo que queremos? Como construir esse mundo, se a emoção cada vez mais é uma coisa não bem-aceita?

Por Luciane Reis Do Correio Nago

Ser generoso ou como se diz ter uma mente amorosa, é um ato de sobrevivência em tempos de tanta insegurança. Precisamos ter coragem de enxergar um outro caminho e romper estereótipos, que nos diferencia. Sabemos que é difícil, me testo todos os dias e acredite, tem sido um desafio constante. Precisamos compartilhar e atuar com valores que chamamos de femininos, graças a um longo período em que as mulheres foram suas guardiãs. Valores que estão presentes em todos nós: homens e mulheres e que muitas vezes, esquecemos como usar por conta da correria cotidiana ou das disputas sem sentido. É preciso romper com o estereótipo de que só mulher tem o dever de cuidar. Cada dia mais, as pessoas mostram que não sobra lugar para o machão que é incapaz de lavar as próprias roupas, demonstrar o que sente ou lidar com seus problemas sozinho.

É necessário resgatar o ato de cuidar, principalmente os homens negros, que no auge de provar que são machão, acaba por se negar a sensibilidade, perdendo desta forma tudo o que ela significa: a capacidade de compaixão, ter empatia ou sentir plenamente as emoções. Armas importantes no combater a masculinidade tóxica. Masculinidade essa que constrói o eterno adolescente, ou aquele que “não leva desaforo para casa”, que é ciumento, controlador e não aceita a independência feminina. Mulheres apanham, são rejeitadas, filhos são abandonados… Mas não só. Os próprios homens pagam um preço caro, pois se tornam detentores das mazelas e doenças femininas.

a474940383b1d730e8257ead89b6ad43

É preciso romper com esse não cuidar dos seus e da sociedade. Não só porque esses homens são cada vez mais desinteressantes, mas também porque é um comportamento tóxico para todos. Comportamento fruto do racismo e da necessidade de se adaptar a um mundo que ainda vive sob um paradigma masculino falido. É preciso desconectar o mundo onde homem (ainda) não chora. E mulher que chora é sensível demais! A sensibilidade precisa ser vista como um valor e não como uma fraqueza. E isso passa por aceitar as escolhas do outro e parar de se violentar, encarando de frente o que há por trás daquelas que nós mesmos fazemos ou deixamos de fazer.

Durante muito tempo, não fui capaz de estender a compreensão que externo aqui aos outros. Pois enquanto crescia, eu não era sequer capaz de estendê-la a mim mesmo — sem inventar desculpas, me justificar com ressalvas ou deixar de lado o projeto de Luciane Reis que eu tanto queria e pretendo ser. Entendo e só sou capaz de me desafiar a fazer hoje, por aceitar o outro com suas qualidades e defeitos, filtrando o que não quero que chegue até mim. Isso só aconteceu, por eu permitir me compreender e o que me movia. Faço a desconstrução do que querem e do que sou de forma gradual, um tijolo por vez e sem pressa. Ciente de que neste caminhar, só não pode faltar o olhar para dentro de mim, antes de olhar o outro.

Luciane Reis é publicitaria, Idealizadora do MercAfro e Yawo de Oxumaré.

+ sobre o tema

Filme de Wagner Moura sobre Marighella abre seleção de atores

Filme de Wagner Moura sobre Marighella abre seleção de...

Adiamento da ação que questiona terras quilombolas visa desmobilizar luta, diz líder

O STF suspendeu, nesta quarta, o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade...

Novembro Negro tem programação unificada na UFMG

Espetáculos culturais, rodas de conversa sobre percurso de alunos...

para lembrar

Queremos uma mulher negra no supremo

O ex-presidente Lula promoveu uma alteração inédita na...

Deputada estadual Leci Brandão recebe homenagem em Santos

A deputada estadual Leci Brandão recebeu do Conselho Municipal...

Política pública não auxilia quilombo a lutar contra racismo

A titulação que constitucionalmente atribui a remanescentes de...
spot_imgspot_img

João Cândido e o silêncio da escola

João Cândido, o Almirante Negro, é um herói brasileiro. Nasceu no dia 24 de junho de 1880, Encruzilhada do Sul, Rio Grande do Sul....

Levantamento mostra que menos de 10% dos monumentos no Rio retratam pessoas negras

A escravidão foi abolida há 135 anos, mas seus efeitos ainda podem ser notados em um simples passeio pela cidade. Ajudam a explicar, por...

Racismo ainda marca vida de brasileiros

Uma mãe é questionada por uma criança por ser branca e ter um filho negro. Por conta da cor da pele, um homem foi...
-+=