Entrevista com o ator Edson Cardoso (Jacaré)

“Uma das fontes inesgotável para a criação do personagem é justamente essa enxurrada de pessoas se declarando racista, achando que pelo simples fato da cor da pele a pessoa não vale nada.”

Sabe essas pessoas que você bate o olho e diz: “Aquele cara é massa!” – essa gente do bem? Quem não se lembra do rebolado e do sorrisão do Edson Cardoso, “vulgo” Jacaré? O dançarino e coreografo, natural de Valença, interior da Bahia, deixou sua marca registrada no grupo de axé É o Tchan – sucesso de vendas nos anos 90 – ao lado de Scheila Carvalho, Sheila Mello, Débora Brasil e Carla Perez. Foram 12 anos de sucesso e que teve mais de 10 milhões de CDS vendidos.

Foi em 2001, após deixar o grupo, que o baiano viu sua vida mudar. Após um convite do diretor do programa dominical “Turma do Didi” (Globo), Guto Franco, ele foi morar no Rio de Janeiro e assinou contrato para atuar no quadro fixo da atração. A partir desse momento, o ex-dançarino se encantou com a profissão de ator. Mas para se sair bem no teatro, Edson se dedicou muito. Vale lembrar que nessa época o rapaz ainda se dividia entre atuar e dançar com o grupo de pagode.

No final de 2012, após algumas reformulações na programação da Globo, o então “As Aventuras do Didi” – programa de humor igualmente chato como a “Zorra Total” – não teve o seu contrato renovado e acabou saindo da grade da emissora. O ator e todo o elenco – Dedé Santana, Daniel Del Sarto, Tadeu Mello, Marcelo Augusto, Roberto Guilherme, Douglas Silva e a ex-BBB Talula – foram informados do fim do humorístico pelo próprio Renato Aragão.

Casado desde 2006 com a administradora financeira Gabriela Mesquita, Jacaré se tornou pai pela primeira vez em 2013. Atualmente, o baiano prepara um monólogo, mas já acumula no currículo muitos espetáculos como “Prostituta Respeitosa”, “Trabalhadores do Mar”, “Negra Felicidade” e outros. Ele também participou do filme “Tim Maia – Vale Tudo”, lançado no ano passado. Mas se engana quem pensa que a vida de ator é fácil. O baiano contou aqui que mesmo em cartaz com várias peças, ele também já perdeu a chance de algumas oportunidades. “Declarei que fiz alguns testes e não fui o escolhido, pois envolve mais coisas do que só mandar bem na interpretação, como aparência jovem ou mais velha, mais magro ou mais gordo, mais alto ou mais baixo… Muitas coisinhas”, ressaltou o baiano. Nessa entrevista, ele fala com carinho da época em que dançava no grupo, mas ressalta que atualmente não pensa em outra coisa a não ser atuar. Confiram!

Elenilson – Você fez parte de uma das maiores bandas de axé dos anos 90. Como foi a sua escolha para ser dançarino do É o Tchan?

Edson Cardoso – A escolha se deu em um show deles, estava me divertindo ao som da banda que, na época, se chamava Gera Samba e Beto (*Beto Jamaica, vocalista do É o Tchan) me chamou para dançar no palco, depois disso o empresário me fez o convite e aí só alegria nos 12 anos que fiz parte.

Elenilson – O apelido Jacaré mexe com a curiosidade de muita galera. Explica pra gente de onde veio esse nome?

Edson Cardoso – Esse apelido veio da bota ortopédica que usei durante toda minha infância.

Elenilson – Como o Edson virou Jacaré e depois virou – bem mais melhorado – o Edson novamente?

Edson Cardoso – Na verdade o Edson sempre foi Jacaré. E, hoje, geralmente sempre me chamam de várias maneiras, Jacaré, Jack ou Edson Cardoso.

Edson-Cardoso-em-A-negra-felicidade-Foto-de-Guga-Melgar
Edson Cardoso em A negra felicidade – Foto de Guga Melgar

Elenilson – Quem são os seus ídolos do axé?

Edson Cardoso – Olha já faz alguns anos que moro fora de Salvador, mas sempre estou escutando as canções antigas porque depois que inventaram o Mp3 nunca mais escutei rádio e também nunca mais renovei (risos). O que impera no meu Mp3 são as bandas percussivas afro.

Elenilson – Qual é a sua avaliação, em termo de música, do carnaval 2015 de Salvador? O que você percebe que está tocando e que é bom?

Edson Cardoso – Não sei, estou completamente sem informação sobre o carnaval de Salvador.

Elenilson – Você já se apresentou fora do País várias vezes. Há alguma diferença quanto a energia da galera?

Edson Cardoso – Não!

Elenilson – Tem algum marco na sua carreira dos anos 90 pra cá?

Edson Cardoso – Acredito que não.

Elenilson – O que você se arrepende de ter feito?

Edson Cardoso – Normalmente não me arrependo do que faço.

Elenilson – Na sua visão, o poder público tem que interferir politicamente na cultura?

Edson Cardoso – Já interfere com as leis de incentivo, mas existem muitos projetos para serem aprovados que melhora bastante a vida cultural.

Elenilson – Tem algum nome que você veja da atualidade que pode se destacar futuramente? Banda, cantor, cantora?

Edson Cardoso – Como tenho ouvido sempre as músicas já inserida no meu iPod de anos atrás, não sei quem pode se destacar.

Elenilson – O assédio te incomoda?

Edson Cardoso – Não. O que me incomoda é a falta de educação.

Elenilson – O que de mais bizarro já aconteceu no palco ou fora dele?

Edson Cardoso – Nós atores ensaiamos de dois a quatro meses para estrear uma peça, não é para acontecer mas, de vez em quando acontece, de esquecer o texto, dar branco, ou até mesmo não entrar em cena na sua hora. E também quando a plateia toma partido e tem aquele silêncio. Esses são os mais bizarros que acontece no palco.

Elenilson – Aparentemente os relacionamentos dentro do seu antigo grupo eram problemáticos, isso se deve a qual motivo?

Edson Cardoso – Só aparente, na real sempre nos demos muito bem.

Elenilson – Recentemente você foi alvo de uma brincadeira de muito mau gosto na web. Como você recebeu essa notícia de boatos sobre a sua morte?

Edson Cardoso – Minha preocupação de imediato foi avisar aos meus pais que têm problema de saúde e depois tranquilizar a todos. Sobre isso na pergunta você já diz: muito de mau gosto.

Elenilson – Você já declarou que foi recusado em vários trabalhos. Mas como foi a sua estreia no teatro?

Edson Cardoso – Declarei que fiz alguns testes e não fui o escolhido, pois envolve mais coisas do que só mandar bem na interpretação, como aparência jovem ou mais velha, mais magro ou mais gordo, mais alto ou mais baixo… Muitas coisinhas (risos). Minha estreia no teatro profissional foi justamente com a minha turma da Escola de Formação de Atores, a CAL, aqui no Rio de Janeiro, logo após a nossa formatura. Montamos uma companhia chamada “Laranja Eletrônica” e fizemos dois espetáculos. Isso foi final de 2008, início de 2009, daí para frente sempre estou nos palcos dos teatros.

Elenilson – Que tipo de preconceito um cara oriundo do axé ainda enfrenta nos palcos dos teatros?

Edson Cardoso – Quando estou no palco do teatro sempre estou interpretando um personagem e quem vai assistir sempre enxerga esse personagem, não existem comparações ou preconceitos.

Elenilson – Como foi a sua experiência – resistindo bravamente por dez anos – como humorista na Turma do Didi?

Edson Cardoso – Resistindo não, não houve luta ou guerra para permanecer ali, houve muita harmonia, alegria, profissionalismo, comprometimento, dedicação, adoração em fazer a experiência é total, trabalhar do lado de pessoas talentosíssimas e que fizeram parte de minha vida. Não teve coisa melhor. Aprendi muito ali, mas hoje sou ator, graças a Turma do Didi, e foram 11 anos.

Elenilson – Na época da divulgação da sua peça “O Homem das Cavernas”, o Jô Soares protagonizou uma das cenas mais surreais no seu programa ao ficar insinuando coisas sobre o tamanho do seu pênis. Esse tipo de abordagem – apesar do humorista/apresentador querer parecer engraçado – ainda te constrange?

Edson Cardoso – Você disse bem, humorista Jô Soares que é também um apresentador. De uma frase que falei, ele fez daquilo uma descontração, mas sim fiquei constrangido, conseguir sair bem, falar da peça e dar boas risadas, além de ter ficado muito nervoso o tempo todo. Tenho certeza que artista mais experiente usaria mais essa brincadeira dele, eu só pensava em falar da peça (risos).

Elenilson – Eu assisti a peça “Prostituta Respeitosa”, no Rio de Janeiro, e fiquei muito impressionado com a sua atuação. Como foi o laboratório para caracterização daquele personagem?

Edson Cardoso – Uma das fontes inesgotável para a criação do personagem é justamente essa enxurrada de pessoas se declarando racista, achando que pelo simples fato da cor da pele a pessoa não vale nada. O resto, o texto e o acontecimento na história já me levava ao desespero, medo, coragem, raiva, choro…

Elenilson – Como esse êxodo de cantores que não deram certo, ex-BBBs, mulher de cantor ou de qualquer um do meio, ex-evangélicos ou ex-qualquer coisa no teatro pode aumentar o nível? Vejo um monte de gente que nunca estudou, mas que já se auto proclama “artista”. Como você encara isso?

Edson Cardoso – Independentemente do que qualquer um de nós tenha sido, seja ele, jornalista, médico, advogado, cantor, dançarino, ator, modelo, administrador, engenheiro, todos são capazes de mudar suas vidas, basta querer, se dedicar, estudar, treinar, ensaiar… seguindo isso não tem como dar errado. O difícil é fazer com que as pessoas deixe de ser preconceituosa.

Elenilson – Como foi a sua estreia na peça “A Negra Felicidade”?

Edson Cardoso – Como era a minha sexta peça profissional nos teatros aqui do Rio de Janeiro, a estreia, como todas as outras, foi cheia de nervosismos, pois foram meses ensaiando até a chegada da grande hora, mas deu tudo certo. Teatro lotado e a crítica do público foi positiva.

Elenilson – Essa peça, baseada na história real de uma escrava que entrou na Justiça em 1870 pedindo reconhecimento da sua liberdade parece bem atual para o momento que estamos vivendo. Como você observa a luta dos negros numa sociedade ainda tão desigual?

Edson Cardoso – Pois é, muito atual sim, na verdade o texto da peça não é teatral e sim um processo real que uma escrava entrou na Justiça. E fizemos ele na integra, mesclando com o sermão do Padre Antônio Vieira, chamado “Os Peixes”, anúncios do Jornal do Comércio, da mesma época e um trecho da peça “O Jardim das Cerejeiras”. E sobre a luta de nós negros, ainda estamos nesse processo muito lento, porém acreditando sempre e conquistando nosso espaço, falta ainda muita coisa, mas vamos que vamos.

Elenilson – Você acha que os negros estão sabendo exigir seus direitos no Brasil?

Edson Cardoso – Sim, claro, mas não podemos esquecer que somos cidadãos, povos, clientes, funcionários, patrões, consumidores… independente da etnia.

Elenilson – Você é a favor das cotas raciais nas faculdades?

Edson Cardoso – Eu sou a favor do respeito a todos e direitos iguais. Mas se olharmos as cotas como reparo dos anos que nós negros fomos excluídos, sim.

Elenilson – Apesar de você não residir mais em Salvador, como você encara essa onda de violência e preconceitos contra os negros na capital baiana?

Edson Cardoso – Estou muito fora de Salvador mesmo, falo sempre com meus familiares e eles não têm me dito sobre esses acontecimentos. Mas se realmente estão havendo é triste, muito triste.

Elenilson – Como foi encarar um papel na série “Doctor Pri”, escrita por Aguinaldo Silva e estrelada por Glória Pires, na pele de um personagem, vulgo Toninho Tripé, que, ao que tudo indica, honrará o trocadilho do nome? E quando essa série vai estrear?

Edson Cardoso – Então, recebi o convite para fazer o personagem e fiquei muito feliz, fizemos algumas leituras, mas o projeto foi adiado para uma data ainda não dita. Mas fiquei muito honrado e feliz com essa conquista. Estou na torcida para que aconteça realmente.

Elenilson – Hoje você é casado, pai e um cara super do bem. Mas o que ainda tira você do sério?

Edson Cardoso – Acredito que o mais me tira do serio é a falta de educação no geral.

Elenilson – Você é um cara bem interessante: ex-dançarino, coreógrafo, ator, mas também já foi atleta. O que ainda podemos esperar do Edson?

Edson Cardoso – Nossa, lendo essa pergunta vejo o leque de coisas, que bom, mas tudo isso é o viver e deixar as coisas acontecerem. Não existe um plano.

Elenilson – Quando estará em Salvador num trabalho novo?

Edson Cardoso – Ainda não sei quando irei para Salvador com um projeto, mas se tudo caminhar como estou pensando em breve estarei levando o monólogo que estreei ano passado e volto a entrar em temporada no segundo semestre.

Elenilson Nascimento – dentre outras coisas – é escritor, colaborador do Cabine Cultural e possui o excelente blog Literatura Clandestina.

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