Estaremos Lá: coletivo de mulheres negras fala sobre racismo em vídeos bem-humorados, mas provocativos

Beatrice Oliveira, Carol Silvano, Samantha Cristina e Stella Yeshua, todas negras, foram almoçar em um shopping paulistano quando, mais uma vez na vida, se viram obrigadas a lidar com uma situação de racismo. Uma mulher mais velha, branca, deixou a bandeja cair e Stella, compadecida, correu para ajudá-la. “Estou bem”, respondeu a mulher, “mas preciso que você limpe isso”. Silêncio. Levou um tempo para que as quatro amigas acreditassem no que haviam acabado de ouvir. “Mas, senhora, eu não trabalho aqui, só estou te ajudando”, teve de explicar Stella.

Do MSN

“Ela sequer reparou se eu estava uniformizada ou com algum crachá, ela simplesmente olhou para o meu tom de pele e me estereotipou como uma funcionária da limpeza”, relembra Stella. “Na cabeça dessas pessoas da elite que frequentam esse shopping, os negros só poderiam estar ali na condição de serventes”, completa Carol.

Ainda sob o impacto do ocorrido, o quarteto correu para o banheiro e gravou, ali mesmo, com o celular, um vídeo reproduzindo a cena da praça de alimentação com humor, ironia e indignação. O material viralizou e ultrapassou 1 milhão de visualizações no Facebook. Depois de receberem uma enxurrada de mensagens – muitas de apoio, outras nem tanto –, as meninas decidiram usar o episódio lamentável para criar um coletivo, “Estaremos Lá”, como forma de abordar questões relacionadas à visibilidade e à representatividade negra.

Desde então, o “Estaremos Lá” tem publicado vídeos contundentes sobre assuntos do momento, no Brasil e no mundo, desde reflexões sobre a série ficcional “Cara Gente Branca”, do Netflix, até discussões sobre o recreio temático “Se nada der certo”, organizado por uma escola particular gaúcha, em que os alunos debochavam de profissões como gari e faxineira.

Apesar da dor e do sofrimento que muitos temas provocam nas meninas, elas escolheram usar uma linguagem leve e educativa, como a do vídeo do shopping, para se comunicar com os seus seguidores. Mas, não se engane, a mensagem é sempre afiada e certeira. “Nós acreditamos que o racismo deve ser tratado com educação. É uma coisa que precisa ser desconstruída e você tem de estar com a mente aberta para ser desconstruído. Você foi criado dessa forma, acreditando que certas situações, atitudes e brincadeiras não são racismo, mas são”, explica Stella. “Por isso, nosso canal fala com todos. É uma forma de conscientizar pessoas brancas sobre seus privilégios e desconstruir suas atitudes e ao mesmo tempo de empoderar e representar mulheres negras. Não queremos um mundo só dos negros e um só dos brancos, nós queremos uma sociedade igualitária.”

“É curioso como as pessoas não percebem uma ação preconceituosa quando, por exemplo, enfiam a mão no cabelo de uma mulher negra sem permissão ou quando colocam a cor da pele antes do elogio”, pontua Bia, falando de frases que elas estão cansadas de ouvir, como “Você é uma negra linda”, “Que negra exótica” ou “Até que seu cabelo é macio”.

“A gente passa por isso desde a infância, nós crescemos com traumas e hoje sabemos como lidar. Mas existem pessoas negras que não sabem, e isso influencia negativamente na sua vida profissional, na vida pessoal, muitas entram em depressão e até chegam a não querer viver mais por conta dessa opressão toda”, alerta Carol.

O empoderamento das mulheres negras pela beleza é, inclusive, um ponto forte do conteúdo criado pelo “Estaremos Lá”. “A militância da mulher negra é diferente da militância da feminista branca. Tem questões que vão além, como não se ver representada numa capa de revista porque o padrão de beleza ainda é a mulher branca, alta, magra”, explica Bia.

“Por isso, botar nossa cara numa campanha como essa da Avon, tendo esse tipo de representatividade, poder levar esses produtos para quem tem uma boca como a nossa, por exemplo, é uma grande realização para o coletivo”, comenta Stella. “Você, mulher negra, linda e maravilhosa pode estar onde você quiser.”

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