Estudante denuncia caso de racismo na Universidade Federal do Ceará

O estudante está recebendo mensagens de cunho racista de colegas na Universidade e nas redes sociais. A Comissão de Ética da UFC afirmou que aguarda ele identificar oficialmente as pessoas envolvidas para seguir com o processo

Por Rubens Rodrigues, do O Povo 

Um estudante do curso de Engenharia de Pesca, da Universidade Federal do Ceará(UFC), afirma que está sofrendoracismo nas redes sociais e dentro da própria Universidade. Lucas Aquino, natural de Salvador, Bahia, diz que não consegue mais assistir às aulas devido à declarações ofensivas feitas pelos colegas de curso. De acordo com a advogada Luanna Marley, do Escritório de Direitos Humanos Frei Tito da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará, a demora de um posicionamento da UFC configura racismo institucional.

 

O aluno começou a receber mensagens de cunho racista após questionar memes de humor negro compartilhado no grupo da turma no WhatsApp. O estudante conta que os comentários surgiram quando demonstrou apoio ao movimento grevista. “Sou de um grupo historicamente discriminado. Venho da região de uma antiga fazenda escravista. Quando falei que iria na delegacia denunciar as agressões, eles fizeram piada, disseram ironias. Falaram coisas como ‘vai lá no ministério da magia me processar'”, contou o estudante que também é candomblecista.

 

Segundo o jovem, as ofensas começaram há cerca de dois meses e continuaram há 15 dias, quando tentou retornar às aulas. “Volta pra Bahia, macaco cotista”, foi apenas um dos comentários que ele ouviu. “Falaram que a culpa era da Dilma por eu estar na Universidade, por ser cotista”, continuou. Quando perguntado pelo O POVO Onlinesobre a idade, Lucas preferiu não revelar. “É um dos motivos pelo qual sou perseguido”.

 

Medo e angústia

 

“Aqui existe um padrão de educação muito bom, mas as pessoas se comportam dessa forma. É um pensamento muito antigo, né? As pessoas acharem que há diferença por conta da cor, que são melhores do que eu. Não imaginava que passaria por isso aqui no Nordeste”, contou.

 

O estudante relatou ainda que está com “medo, se sentindo agustiado”, e que a situação está afetando os estudos e até a saúde. “Isso abalou minha estrutura, me deixou com insônia. Não consigo me concentrar mais, até meu rendimento acadêmico caiu. Continuo sendo hostilizado mesmo após o enfrentamento. É difícil, vim morar aqui sem conhecer ninguém. Estar longe da minha família me deixa um pouco fragilizado”.

 

Direitos Humanos

 

De acordo com a advogada Luanna Marley, do Escritório de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, a UFC não está preparada para lidar com casos de racismo. “É grave porque a UFC trabalha com política de cotas”, destacou. “Estamos tratando de racismo dentro da Universidade, e racismo é crime. A UFC não tem nenhum tipo de mecanismo para apuração de denúncia e responsabilização com professores e alunos que venham a cometer algum tipo de discriminação”, explicou.

 

Na última terça-feira, 24, a reitoria da Universidade recebeu um grupo de representantes de entidades ligadas à defesa de direitos humanos para discutir o combate ao racismo. Mas o posicionamento só veio dois meses após as primeiras denúncias, quando a Defensoria Pública da União oficiou a UFC solicitando informações.

 

O Fórum de Negros e Negras em Combate ao Racismo, formado por estudantes da UFC e a Coordenadoria Especial de Promoção de Políticas de Igualdade Racial do Governo do Estado do Ceará entregaram ao Vice-Reitor, Custódio Almeida, documentos com propostas visando a superação de atitudes discriminatórias na Universidade.

 

Providências

 

A advogada Luanna Marley explica que, entre as propostas estão a implementação de uma comissão específica de Direitos Humanos e um pacto de valorização da cultura negra entre os centros acadêmicos e as coordenações dos cursos. Segundo a advogada, casos de xenofobia também chegaram a ser registrados. “Os estudantes que sofrem não têm a quem recorrer porque a Ouvidoria é completamente despreparada”, completou.

 

O secretário da Comissão de Ética da UFC, Fernando Henrique Monteiro Carvalho, afirmou que aguarda a vítima identificar os acusados, mas que a apuração da irregularidade depende de alguns fatores. “Acolhi a denúncia e formei um processo adminstrativo, mas a Comissão só investiga se o estudante acusado for bolsista ou estagiário. Não temos competência para apurar se for simplesmente um aluno da UFC. Em casos com este, a Comissão de Ética, sugere ao Reitor a abertura de uma sindicância para apuração e providências. Ainda segundo o secretário, se os acusados não forem identificados no período de um mês após a abertura do procedimento, o processo será arquivado.

 

Fernando Henrique afirma que a UFC tem mecanismos para receber e apurar quaisquer  denúncias, mas o faz no estrito cumprimento da lei e das normas institucionais. Por exemplo, a Ouvidoria cumpre o seu papel de ouvir denúncias e promover o diálogo para mediar a solução dos problemas. E isso foi feito dentro dos prazos.  A Comissão de Ética recebe as denúncias, aprecia e apura, tomando as providências cabíveis. No caso citado, o denunciante pediu abertura do processo, que foi aberto, mas ele não voltou, apesar de ser chamado à Comissão de Ética para dar nomes das pessoas acusadas de atos de racismo.

 

A Comissão de Ética divulgou que esta é a terceira denúncia de racismo recebida neste ano. Uma delas foi arquivada porque não houve comprovação documental ou testemunho que o fato ocorreu. No segundo caso, houve acordo de conduta pessoal e profissional, no qual o docente acusado se comprometeu que não mais se comportará de forma antiética durante o período de dois anos. “O acordo não tem caráter punitivo, tem caráter educativo”, completa o secretário.

 

O Ministério Público Federal e a Polícia Federal também devem ser acionados. A advogada afirmou que, entre as pessoas que postaram comentários ofensivos nas redes sociais, foram identificados usuários fakes.

 

O que diz a UFC

 

Em nota, a UFC se pronunciou sobre o caso por meio da Coordenadoria de Comunicação Social:

 

“A Universidade Federal do Ceará é uma instituição pública, democrática e inclusiva. É, portanto, terminantemente contra quaisquer manifestações de intolerância ou discriminação, dentro ou fora de suas dependências físicas. A Universidade acolhe, de forma igualitária, toda a comunidade, em toda a sua pluralidade.

 

Portanto, é absolutamente infundada a insinuação de “racismo institucional” indevidamente atribuída à UFC. Todavia, o fato, que envolve uma suposta ação racista de um estudante contra outro, foi levado à Ouvidoria da UFC, que o encaminhou para o Centro de Ciências Agrárias, cuja diretoria tomou as providências cabíveis.

 

O diretor do referido Centro, prof. Luiz Antônio Maciel de Paula, afirma que, ao tomar conhecimento do caso, convidou o Centro Acadêmico Stênio de Freitas, do Curso de Engenharia de Pesca, para se pronunciar sobre os fatos. Na reunião, o estudante acusado apresentou seus argumentos de que o conteúdo das mensagens que teriam motivado a denúncia não possuíam caráter racista.

 

A UFC lamenta a ocorrência e reafirma sua defesa à Declaração Universal dos Direitos Humanos, a qual preconiza que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos e devem agir em espírito de fraternidade”.

 

Estudantes acusados

 

O POVO Online apurou o nome de dois dos estudantes acusados. De acordo com um deles, um grupo de seis pessoas envolvidas no caso estaria disposto a falar. A entrevista chegou a ser marcada para a tarde desta segunda-feira, 30, mas o encontro foi desmarcado em cima da hora por um representante dos estudantes.

 

O que diz a Lei

 

O Código Penal prevê a injúria racial no artigo 140, parágrafo 3º, que estabelece a pena de reclusão de um a três anos e multa, além da pena correspondente à violência, para quem cometê-la. Injuriar é o mesmo que ofender a dignidade ou o decoro utilizando elementos de raça, cor, etnia, religião, origem ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência.

 

Para denunciar, envie material que comprove a injúria para o Departamento de Polícia Federal. Também é possível acionar o Ministério Público Federal.

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