Um trabalho da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em Limeira (SP), analisou a lógica dos linchamentos virtuais. O estudo mapeou casos de repercussão nacional , iniciados na web, como o dona de casa do Guarujá que foi espancada e morta após boato de ela realizava magia negra com crianças . “Na internet, ocorre o oposto da lei, a condenação vem primeiro, todo mundo é culpado até que se prove ao contrário”, alertou a pesquisadora Karen Tank Mercuri Macedo.
Com o título “Linchamentos virtuais: Paradoxos nas relações sociais contemporâneas”, a pesquisa foi desenvolvida durante o Mestrado Interdisciplinar em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas e mapeou as motivações – no estudo chamados de “gatilhos” – que desencadearam os crimes, iniciados na web, e que atingiram a vítima na vida real.
A pesquisadora explicou que, sobre o tema linchamento virtual, o que motivou a pesquisa foi o caso do Guarujá, em que uma mulher foi agredida por dezenas de moradores e testemunhas gravaram e acompanharam a agressão.
Depois de um boato de que uma mulher sequestrava crianças para rituais de magia negra circular nas redes sociais. “Um retrato falado foi divulgado, e depois, as pessoas começaram a comentar, algumas dizendo que a viram. Encontraram alguém parecido e uma pessoa sofreu linchamento físico e morreu”, lembrou. “Um absurdo isso”, criticou.
Nesse caso específico, o boato foi o gatilho para o linchamento, explicou Karen. “Um dos pressupostos do meu trabalho é que existem paradoxos, que seriam as engrenagens das relações sociais, mediadas tecnologias de informação e comunicação (TICs)”, disse a estudiosa. A pesquisa percorreu cinco deles: (1) o virtual e o real, (2) a justiça popular e a institucional, (3) o público e o privado, (4) a liberdade e o controle e a (5) liberdade de expressão e o crime contra direito à dignidade.
“Sobre esses paradoxos, eles não funcionam como quando tem um escolha, isso ou aquilo, mas operam juntos, os dois ao mesmo tempo. Quando você elege a justiça popular, da denúncia na rede, está abolindo a justiça institucional, mas ela não deixa de existir, e o denunciante também poderá ser julgado por isso”, explicou. “Assim como o cidadão virtual e o real são um só. Não há fronteiras, estamos online ou offline o tempo todo”, alertou.
Outra situação analisada e que repercutiu nas redes sociais o da “Fabíola” e ilustra a relação público de privado na web. O marido flagrou a mulher no motel. Alterado, ele danificou o veículo do amante e agrediu a esposa com tapas e empurrões e a ameaçou de morte.
A situação foi filmada por um amigo do marido e depois colocada na Internet. “O vídeo foi compartilhado incontáveis vezes em diversas redes e um deles teve mais de dois milhões de visualizações”, detalhou. “O episódio foi muito ironizado e viralizou na Internet, com muitos ‘memes’. Ao compartilharem, os usuários, talvez nem se davam conta, que contribuíram com a vingança do marido”, ressaltou.
Karen afirmou que o trabalhou pretendeu mostrar à população que a internet não é um ambiente livre de leis. “Ao contrário, elas são aplicáveis para vários crimes e podem ser julgados. As pessoas, na maioria das vezes, não têm noção da dimensão de uma publicação nas redes”, alertou.
A pesquisadora faz um comparação entre a noção de público e privado. “Antes tínhamos um diário com chave que mantinha o segredo escondido. Hoje, as pessoas ficam tristes não pelo motivo de ele ter sido descoberto, mas porque os leitores não curtiram ou comentaram alguma coisa que foi publicada. É totalmente oposto”, disse.
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