Feministas negras na TV aberta: o feminismo que alcança mainha! – Por Lorena Lacerda

Uma vez eu debati com uma amiga o fato dela achar errado ou incoerente militantes, feministas, pessoas de esquerda e intelectuais negras irem dar entrevista na Globo. Para ela, era incoerente gritar “Globo golpista” nas ruas e depois ir lá no Programa da Fátima Bernardes falar sobre racismo, feminismo, LGBTfobia e várias outras opressões.

Por Lorena Lacerda, do SoteroPreta

Pois bem, eu não concordei com ela. A Globo é uma rede de televisão e é concessão pública, ou seja, ela passa por um processo licitatório para ir ao ar, precisa cumprir regras em relação a sua programação dentro dos parâmetros da constituição e tem por obrigação representar a sociedade brasileira.

E, por falar em representar, sabemos muito bem que os programas de televisão e novelas são, em sua maioria, protagonizados e roteirizados por pessoas brancas, o que não garante a pluralidade do Brasil. Portanto, não vejo problema algum em feministas negras ocuparem espaços que estão lá para serem ocupados, pois, como foi dito, as emissoras de televisão tem por obrigação representar à diversidade e suas demandas. E, dentre essas demandas, temos o feminismo e o racismo para serem tratados com urgência.

Culpar ou cobrar coerência de mulheres negras porque elas foram à Globo, é ser no mínimo ridículo e, dependendo dos autores, é racista e machista. Muitas dessas críticas e acusações partiram de pessoas de esquerda e feministas brancas. Mais uma vez, malhando mulheres negras feministas e intelectuais. O racismo e o machismo da esquerda já estão mais do que escancarados: sempre que as pretas avançam no debate e tem um alcance grande de público, vocês, ditos de esquerda, desqualificam esses avanços que, são necessários e urgentes.

E as feministas brancas ainda insistem em dar lição de moral ou bancar as sinhás para cima das mulheres negras nos ensinando e dando cartilha do que é ser feminista, como se mulheres não fossem múltiplas e lutassem por diferentes pautas.

Então, a partir desses fatores descritos, eu quero acordar de manhã, ligar a televisão no Programa da Fátima e ver sim, pautas como racismo e feminismo negro sendo tratado em tv aberta por pessoas que sofrem e constroem mecanismos de enfrentamento contra tais opressões. Eu quero ver sim, mais programas como o “Amor & Sexo”, que abordou o sexo não só pelo viés branco, mas de uma perspectiva enegrecida através do debate pautado pela competente e diplomada Djamila Ribeiro.

Vocês precisam entender que a Globo não vai acabar porque algum esquerdo-macho gritou “Fora Globo” ou “Globo golpista” na rua. Esse mesmo esquerdo-macho não sai da bolha do privilégio para entender que muitas pessoas no Brasil ainda não tem internet e nem TV a cabo.

Então, é de suma importância à participação de mais negras falando sobre racismo e machismo, de forma diluída e direta para as mães, tias, avós que nunca leram Simone de Beauvoir, Sueli Carneiro, Angela Davis, mas que, se lembrarão de nomes como a mulher do fim do mundo, Elza Soares e a professora e filósofa Djamila Ribeiro falando sobre empoderamento na perspectiva das mulheres negras, porque as viram, de forma despretensiosa ou não, no programa “Amor & Sexo” da Globo.

Ps: Eu não quero ver o feminismo apenas na academia ou só no clube da luluzinha, eu quero ver o feminismo chegando em mainha.

Opinião Preta de Lorena Lacerda, museóloga (Ufba), integrante da coordenação da Marcha do Empoderamento Crespo. 

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