Gênero e municípios brasileiros: quem está à frente da gestão?

No próximo ano, haverá as eleições para a prefeitos/as e vereadores/as. Ao todo, serão 5.570 municípios para elegerem seus representantes. Além de todas as questões relativas à gestão municipal que poderiam ser trazidas à tona, é importante refletir sobre as questões de gênero que podem ou não ter influência sobre as linhas gerais da atuação de prefeitos e prefeitas pelos quatro anos seguintes. Para tanto, um olhar sobre os dados pode ser revelador. Neste artigo, utilizamos oPerfil dos Municípios Brasileiros (IBGE, 2014).

Por Adriano Senkevics Do Ensaios de Genero

Em texto anterior, discutimos os resultados das eleições de 2014 em termos de gênero, em que concluímos que houve um leve aumento da presença feminina na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, os quais contêm, hoje, 9,9% e 14,8% de mulheres entre os seus parlamentares, respectivamente. Porém, em um país com as dimensões continentais como o nosso, o campo da política é exercido intensamente nas municipalidades espalhadas pelo vasto território.Pensando nisso, a Figura 1 ilustra a proporção de homens e mulheres como gestores dos municípios.

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Observa-se que, entre 2001 e 2013, o percentual de mulheres ocupando o cargo de prefeitas dobrou de 6% para 12%. Apesar desse crescimento, o número de mulheres prefeitas ainda se mantém bastante abaixo da maioria absoluta de 88% de homens à frente das prefeituras. Isso significa que, mesmo sendo maioria na população brasileira, as mulheres ainda deverão levar algum tempo para estarem equitativamente representadas nas gestões municipais.

É válido também observar o perfil desses gestores. Na Figura 2, tem-se o cruzamento de quatro aspectos – faixa etária, escolaridade, classes de tamanho populacional e Grande Região – com sexo. Nota-se também uma linha vermelha que cruza o gráfico de cima a baixo: esta indica a média nacional, representada na primeira barra horizontal, para que possamos comparar, em cada aspecto, o quanto homens e mulheres se encontram acima ou abaixo da média do País.

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Esse gráfico traz inúmeras informações. Algumas merecem destaque: (1) as prefeitas tendem a ser mais jovens que os prefeitos (vide os 18% entre os gestores de 19 a 30 anos); (2) as prefeitas tendem a apresentar maiores graus de escolaridade que os prefeitos (basta reparar que, entre os gestores titulados com pós-graduação, 20% pertencem ao sexo feminino); (3) há uma tendência de os municípios de menor porte apresentar mais mulheres à frente da gestão se comparados aos mais populosos; e (4) a proporção de mulheres nas prefeituras é maior no Nordeste (16,4%) que no Sul (8,3%) ou Sudeste (10,2%) – já o Norte e Centro-Oeste encontram-se próximos à média nacional.

Da mesma forma, há várias reflexões que podemos extrair desses dados. Quanto às diferenças de escolaridade, a presença mais expressiva de mulheres pode indicar ora que tendem a ser preferencialmente eleitas candidatas com maior formação, ora que as mulheres, exigindo para si maior escolaridade, busquem um nível mais elevado de formação para então lançarem sua candidatura e serem eleitas. Esse padrão de alguma maneira se assemelha à questão de que as mulheres devem se esforçar mais em termos de nível de instrução, muitas vezes para alcançar o mesmo ou até menos que os homens.

Estando ou não eleitas, as demandas relativas às mulheres podem adentrar as gestões municipais de formas variadas. Nomeação de gestoras/es feministas para ocuparem secretarias ou setores da prefeitura, pressões de entidades da sociedade civil e de movimentos sociais, normativas e planos assinados pelos governos em nível municipal, estadual e federal, podem igualmente contribuir para que gênero, como pauta e perspectiva, estejam presentes nos projetos de gestão dessas mais de cinco mil municipalidades. Na Figura 3, atentamos à proporção de municípios que apresentam alguma estrutura específica para a formulação e implantação de políticas de gênero ou voltadas para as mulheres.

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Na média nacional, nota-se um aumento de 18,7% a 27,5%, entre 2009 e 2013, na proporção de municípios com estrutura para gestão da política de gênero. Isso significa que, na atualidade, mais de um quarto dos municípios brasileiros dispõem de alguma secretaria ou setor responsável por políticas específicas dentro dessa temática. Também se vê que essa presença é mais elevada quanto maior o porte do município: entre os municípios com mais de 500 mil habitantes, apenas 2,6% ainda não institucionalizaram essas políticas na forma de uma secretaria ou setor.

Se levarmos em conta as áreas em que foram executadas ações de promoção da igualdade de gênero ou de autonomia das mulheres (Figura 4), veremos que, em primeiro lugar, encontra-se a Assistência Social (81,2%); em segundo, Saúde (56,0%); em terceiro, Educação (54,9%). Já o Serviço Especializado em Atendimento à Violência, demanda clássica do movimento feminista e que motivou, no passado, a criação das Delegacias da Mulher, alcança o patamar de 44,4%.

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Não está representado no gráfico acima, mas é válido acrescentar um dado: nesse mesmo quesito de atendimento à violência, há uma forte disparidade entre os municípios segundo o seu porte; ao passo que, nos municípios com mais de 500 mil habitantes, mais de 90% deles executavam políticas nessa área (o que de certa forma reflete as reivindicações do feminismo), naqueles menos populosos esse percentual não alcança 30% (IBGE, 2014).

Desse conjunto de informações, podemos concluir que gênero tem aos poucos entrado na pauta dos municípios brasileiros, pelo menos da última década para cá. A despeito da baixa representatividade de mulheres à frente das gestões municipais, cujo aumento ainda está longe de se equiparar a dos homens, as políticas de gênero seguem uma lógica e um ritmo próprios; prescindem, inclusive, da existência de mulheres como prefeitas, na medida em que a presença de gestoras não garante que gênero enquanto perspectiva de ação política receba alguma atenção na gestão. Importa mais a existência de um projeto feminista para o exercício de poder, capaz de colocar como prioritário o combate ao machismo e à desigualdade de gênero em diversos âmbitos.

Justamente por essas tensões, gênero está, por um lado, assegurado pela tendência de tornar-se cada vez mais visível e demandado pela sociedade e, por outro, ameaçado por uma tendência que vem no sentido oposto, de criminalizar as políticas de gênero sob a infeliz alcunha da “ideologia de gênero”. Na área da Educação, ela já mostrou a que veio. Resta saber se aparecerá também em outros campos, com o possível efeito de fragilizar os avanços que temos tido. Em todos os casos, a participação social será fundamental, pois se foram as pressões da sociedade que colocaram gênero dentro das gestões municipais, serão também essas pressões que o manterão lá.

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