Heróis da Resistência

Dirigida por João das Neves, Trilogia Afrobrasileira estreia no Sesc Campo Limpo, com espetáculos que recriam a história de três heróis brasileiros sob o ponto de vista da cultura negra

No, Sescsp

Eles não têm cinto de utilidades, capa ou superpoderes, mas com o uso da coragem e da força de sua cultura, resistiram às injustiças de uma época em que ter pele negra representava condenação sem direito a julgamento.  Besouro Cordão de Ouro, Zumbi e Galanga, Chico Rei recriam a história de três heróis brasileiros em uma trilogia que representa a coroação ao trabalho recente do octogenário João das Neves, diretor das três peças que terão exibições gratuitas de 14 a 30 de novembro no Sesc Campo Limpo.

As peças, frutos dos últimos 10 anos de pesquisa do diretor, mostram as contradições da sociedade, característica presente em seus trabalhos, e a estreita relação que tem com elementos da cultura negra, principalmente com a congada, sendo ele próprio congadeiro e participante da Festa do Congo de Oliveira. Seu método de trabalho preserva o talento inato dos intérpretes e sugere uma imersão do público que, no espetáculo Besouro Cordão de Ouro, assiste tudo de dentro de uma roda de capoeira e é sempre provocado a acompanhar as palmas.

Fazem parte do repertório os espetáculos Besouro Cordão de Ouro e Galanga, Chico Rei, ambos escritos por Paulo César Pinheiro, conhecido pelas parcerias em composições com Elis Regina, Tom Jobim, Toquinho e Baden Powell. E Zumbi, espetáculo baseado em Arena Conta Zumbi, de Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri, que iniciou a sequência de musicais do Teatro de Arena. Estes personagens, fundadores da cultura afro-brasileira, terão suas memórias resgatadas por meio de um elenco de atores negros, privilegiando a tradição oral, a musicalidade e os códigos da cultura afro-brasileira.

Besouro Cordão de Ouro

Manuel Henrique Pereira, o Besouro Cordão-de-Ouro, também conhecido como Besouro-Mangangá, é tido como o maior capoeirista que o país já teve, além de ser músico e compositor. O espetáculo que leva seu nome narra a história de Besouro através de rodas de capoeira, músicas e outros códigos do capoeirista, buscando desmitificar o estigma de que figuras como ele eram desordeiras, e trazer à luz a complexidade das relações entre os descendentes de escravos e a sociedade brasileira. Quem retirar ingressos poderá assistir à trama de dentro de uma roda de capoeira, mas também será possível acompanhar tudo do lado de fora da encenação.

“Paulo César Pinheiro teve o cuidado de humanizar a figura de Besouro, sem mitificá-lo”, observa o diretor João das Neves. “Então, este espetáculo é importante para o reconhecimento da cultura negra, resgatando estas figuras tidas como desordeiras e retratando-as com sua verdadeira face. Mostra mais profundamente a complexidade das relações dos descendentes de escravos e a sociedade brasileira. Este espetáculo, no fundo, resgata todas as etnias brasileiras e a forma de resistir com altivez”.

A peça, que recebeu o Prêmio Shell de melhor música em 2008, é o primeiro texto teatral de Paulo César Pinheiro, com direção musical de Luciana Rabello e direção geral de João das Neves. Serão três sessões gratuitas, com retirada de ingressos uma hora antes do início dos espetáculos: sexta (14) e sábado (15) às 20h30 e domingo (16), às 19 horas.

Zumbi

O mais conhecido dos três é Zumbi, um dos líderes do Quilombo dos Palmares, a maior comunidade de escravos que houve no Brasil – resistiu por 65 anos e chegou a ter picos de cerca de 30 mil habitantes. Assim como em Besouro, nesta montagem todos os atores são negros, característica que ainda não tinha sido encontrada em outras encenações da história de Zumbi. “Hoje a minha proposta é a realização de um sonho: ver Zumbi representado por um elenco de atores negros. Tenho a pretensão de crer que Boal e Zumbi estariam de acordo”, disse Cecília Boal, viúva do autor e fundadora do Instituto Augusto Boal.

No palco, a história do líder e de toda a resistência de Quilombo dos Palmares é contada sob o ponto de vista dos quilombolas, revelando outra dimensão que não aquela oficial. Um grupo de dez atores representa todos os personagens, e realizando o sistema Curinga (criado por Boal), no qual desaparece a noção do ator principal, já que os protagonistas são representados por diversos artistas na mesma encenação. Eles se revezam no desempenho das pequenas cenas focadas sobre os pontos fortes da trama, deixando a um ator coringa a interligação e narração dos fatos, pessoas e processos.

Baseado em Arena conta Zumbi, de Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri com músicas de Edu Lobo, é o primeiro musical autenticamente brasileiro. Segundo o diretor João das Neves, a música e texto se entrelaçam. “Nossa missão é reavivar a saga de um de nossos heróis fundadores, Zumbi, com a alegria e a fé de uma nação que começou realmente a ser construída ali, na Serra da Barriga, onde Boal, Guarnieri e Edu foram buscar inspiração para este Zumbi que agora vamos contar”, conclui João.

Com quatro sessões gratuitas, a peça estreia dia 20 de novembro, o Dia da Consciência Negra, quinta-feira, às 19 horas. Em seguida, sexta (21) e sábado (22) terão sessões às 20h30. Por fim, no domingo (23), às 19 horas.

Galanga, Chico Rei

A peça traça um panorama da história de Chico, trazido ao Brasil como escravo, que se tornou herói em terras tupiniquins. Não há confirmação oficial de sua existência, mas a tradição oral dá conta de que ele era rei de uma tribo do Congo.

Para dar vida aos seus feitos, o cenário se transforma num quartel congadeiro, abrindo caminho para a congada, bailado tradicional que mescla elementos de cultos africanos e católicos. Além disso, a dramaturgia tem como base a dinâmica da tradição oral, com as personagens contando diversas vezes (e simultaneamente) as histórias do herói. Mauricio Tizumba, que também repete parceria iniciada em Besouro Cordão de Ouro, interpretará Pai Grande, único personagem fixo da peça. Tendo crescido no Bairro Nova Esperança em Belo Horizonte/MG, recebeu a tradição dos parentes que vieram do interior “nasci escutando tambor em terreiro de congado”, declara.

Para esta encenação repete-se a parceria entre Paulo César Pinheiro, que assina o texto e a música, e João das Neves na direção. ”Do famoso Chico Rei, nossa história oficial não conta muita coisa. Não existem documentos a seu respeito. Há romances que são inventados. Mas a história de Chico Rei é verdadeira na medida em que ela representa coisas acontecidas com muitos negros escravos. Este espetáculo resgata o mito pela figura do Pai Grande que conta a história de Chico Rei aos jovens congadeiros, evocando e valorizando a tradição oral para a reconstrução de nossa história”, explica Paulo Pinheiro.

O espetáculo encerra a trilogia com duas sessões gratuitas, sexta-feira (28), às 20h30, e domingo (30), às 19 horas.

o que: Trilogia Afrobrasileira
quando: 14 a 30/nov – Sextas e sábados, às 20h30. Domingos e feriados, às 19h.
onde: Sesc Campo Limpo | Rua Nossa Senhora do Bom Conselho, 120
ingressos: Grátis.
Com retirada de ingressos somente para o espetáculo Besouro Cordão de Ouro, uma hora antes do início das sessões.

 

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