A indesejável das pesquisas

Por: Edson Lopes Cardoso

Para o os institutos que pesquisam a opinião de eleitores, as variáveis a serem consideradas numa pesquisa para presidente da República são escolaridade, renda, município, região, sexo e idade. Como se justifica a ausência da variável cor/raça?

 

A cor não interfere, a cor não tem importância – como se concluiu afinal que a cor do eleitor nada significa? Lembrei-me de uma dedicatória de Cora Coralina em um livro de poemas que adquiri em sua casa, em Goiás Velho, em 1980. Entrei quase ao mesmo tempo em que chegava com estardalhaço um grupo de turistas, mais interessados em fotos do que em poemas, e mantive-me afastado o suficiente para deixar claro que nada tinha a ver com o grupo. Saí apressado e somente na rua li a dedicatória de Cora Coralina: “Para o amigo, que muito falou no seu silêncio”.

 

A ausência da cor nas pesquisas parece desses silêncios carregados de significação. Devemos nos deter com mais atenção sobre o processo pelo qual a cor acaba por desaparecer das pesquisas, que desse modo enfatizam, digamos, a irrelevância sociológica das distinções raciais.

 

Pode-se especular, por exemplo, que entre as variáveis que distinguem os brasileiros há uma capaz de fazer um tipo de oposição indesejável. Profundamente indesejável. Aquela capaz de “introduzir divisões perigosas”.

“Introduzir” implica considerar e admitir uma realidade antecedente em que a distinção não existe ou não é significativa. Perguntar sobre a cor é fazer entrar o indesejável. Parece que nenhum outro traço (renda, sexo, idade, escolaridade, região) é suscetível de opor, separar, como a indesejável das pesquisas.

 

Já citei alhures uma fala de Rubem Ricupero, em um seminário realizado na Câmara dos Deputados, em 1986, sobre relações Brasil-África. A questão racial, ele dizia, é um tema complexo e nos divide como nenhum outro, mas temos que enfrentá-lo.

 

As pesquisas eleitorais não querem enfrentar, portanto, um tema que nos divide como nenhum outro. Vejam bem que é muito diferente ‘não enfrentar o que nos divide’ de ‘introduzir o que nos divide’. Assim me parece legítimo indagar que dimensão da realidade nacional se pretende ocultar quando as enquetes silenciam sobre distinção historicamente significativa – tão significativa ao ponto de nos dividir como nenhuma outra.

 

No início dos anos 80, o IBGE ainda vacilava quanto ao tema. Havia pressões externas e internas. Lúcia Oliveira, Rosa Porcaro e Tereza Costa, por exemplo, pesquisadoras do órgão, enfrentaram obstáculos para divulgar pesquisa em que demonstravam a importância da raça como princípio classificatório na sociedade brasileira.

 

Abdias do Nascimento, em 1983, ainda teve que inserir no PL 1.332, o primeiro sobre ações compensatórias em benefício da população negra, artigo que obrigava o IBGE “a incluir, em todas as pesquisas, estatísticas e censos demográficos, o quesito cor/raça ou etnia”. Isso era no tempo de Abdias, cujo mandato não serve de referência para a turma do sorriso negro e do abraço negro no DEM.

 

DataFolha, Ibope, etc. deveriam prestar atenção no que dizia Theodor W. Adorno, em palestra de 1968: “É possível que, em certas circunstâncias, ocupar-se exatamente com fenômenos supostamente secundários e opacos pode conduzir a conhecimentos sociais extraordinariamente relevantes” (Introdução à sociologia. São Paulo: Unesp, 2008, p. 74).

 

Fonte: Írohín

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