Ismael Ivo, novo diretor artístico do Balé da Cidade de São Paulo, revela seus planos

“Um laboratório vivo” – é como Ismael Ivo, novo diretor artístico do Balé da Cidade de São Paulo, define como será a companhia paulistana em sua gestão.

Por Ana Francisca Ponzio, para CONECTEDANCE

“Isto não significa que a companhia será experimental porque vai trazer resultados com artistas top. O importante será ter bailarinos que não estão no Balé da Cidade somente para aprender novos trabalhos. Todos devem atuar como criadores”, diz o bailarino, coreógrafo e diretor do festival ImPulzTanz de Viena (entre outras atividades), em sua primeira entrevista sobre a nova função em São Paulo.

“Quero implantar uma nova identidade no Balé da Cidade, uma nova filosofia, que faça progredir a ideia de corpo e dança entre os bailarinos. Estaremos abertos a novas linguagens, novas técnicas de corpo, novos materiais coreográficos. No momento, não me interessa comprar obras famosas de repertório, mas desenvolver um processo de corpo, cabeça e alma criativos, para então definir um resultado artístico. Seremos menos uma companhia de repertório e mais um organismo vivo, que apresenta processos e traz resultados artísticos”, ele enfatiza.

Ao mesmo tempo, Ismael planeja convidar “criadores top” da cena internacional para trabalhar com a companhia. Ele diz que já tem uma lista, muitos deles do seu círculo de convivência na Europa, onde vive há três décadas. Ainda não entra em detalhes, mas cita a “amiga pessoal” – a artista multidisciplinar Marina Abramovic – como uma de suas possíveis convidadas para trabalhar com o Balé da Cidade. Lembra que poucos anos atrás, Abramovic realizou um espetáculo sobre o Bolero, de Ravel, junto com o coreógrafo belga Sidi Larbi Cherkaoui (outro nome da lista de Ismael), para o Ballet da Ópera de Paris.

“Claro, também tenho intenção de criar um projeto Brasil, com temas e coreógrafos de nossa cultura. De imediato, penso em nomes como Lia Rodrigues e Marcelo Evelin, mas há vários outros”, acrescenta.

Sobretudo, Ismael quer ampliar o perfil do Balé da Cidade de São Paulo como uma “companhia nacional e internacional”. Ele reconhece que o Balé já possui um status importante no Brasil, com circulação no exterior, mas quer que a companhia cresça e apareça na cena mundial. “Vou usar todos os meus canais para isso”, promete.

Embora tenha como sede o Theatro Municipal, o Balé da Cidade de São Paulo deverá estar presente nos mais diversos espaços da cidade, segundo seu novo diretor. “Utilizaremos teatros da periferia, poderemos fazer intervenções em espaços públicos, com apresentações de solos, duos ou novas criações dos próprios bailarinos”. As bibliotecas da Prefeitura também serão espaços performativos e o Balé fará parte desta proposta de André Sturm, o recém-empossado Secretário Municipal de Cultura que nomeou Ismael, na gestão do novo prefeito, João Doria.

Ismael diz que se sente em sintonia com a proposta da nova gestão municipal. “Os focos em ousadia e inovação se alinham com o que pretendo junto ao Balé. Há ainda a vantagem de trabalhar com um secretário de cultura que também é artista, um cineasta, o que lhe permite tratar a área cultural com sensibilidade”, comenta Ismael, referindo-se a André Sturm. “É uma sorte quando temos pessoas ligadas às artes nestas funções”, acrescenta Ismael, lembrando do cantor e compositor Gilberto Gil, que foi Ministro da Cultura de 2003 a 2008. Na época, em 2005, Gil se apresentou na Bienal de Dança de Veneza a convite de Ivo, então diretor do evento.

O novo diretor do Balé da Cidade conta que estava passando o Natal em São Paulo, com a família, quando recebeu o convite de Sturm. Na prática, ele assumirá o cargo em fevereiro, quando o elenco volta das férias coletivas de começo de ano. Só então Ismael entrará em contato com o dia a dia do Balé para saber, inclusive, a verba destinada à companhia em 2017.

A mudança para a capital paulista também já está programada. “Vou ter dois endereços, em Berlim e São Paulo, onde passarei a maior parte do tempo”, promete. Tudo indica, a agenda de Ismael será intensa, pois ele manterá sua atuação internacional. Continuará como consultor artístico do ImPulzTanz, festival de dança contemporânea que ele criou três décadas atrás em Viena (Áustria), junto com Karl Regenburger. Também realizará projetos como a coreografia de uma ópera que será encenada em Berlim, cidade onde mora há 20 anos.

Para Ismael, assumir a direção artística do Balé da Cidade de São Paulo representa a oportunidade de exercer o que ele considera uma “posição top” também em seu país natal. Para o paulistano do bairro de Vila Ema, que hoje figura no Dicionário Oxford de Dança, seu retorno é como a volta do filho pródigo.

“Quero dialogar muito e contribuir para que a dança marque forte presença em São Paulo”, ele afirma. “O Balé da Cidade funcionará como um projeto de portas abertas, para que possamos trazer pessoas, inclusive da periferia, para acompanhar atividades como os ensaios dos bailarinos. A proposta é formar novos públicos, para que se envolvam nos processos, não só nos resultados da companhia”.

Da cena paulistana para a Europa

Na década de 1980, quando o bairro paulistano da Bela Vista, conhecido como Bixiga, era um ponto de convergência cultural na cidade, Ismael Ivo já contava com público fiel em apresentações solos que se realizavam em espaços cult da época – como o Carbono 14, casa noturna localizada na rua 13 de Maio.

Em 1982, Klauss Vianna (1928-1992) realizava sua transformadora gestão como diretor artístico do Balé da Cidade de São Paulo, quando Ismael Ivo participou de uma das mais importantes produções da companhia: Bolero, com coreografia de Lia Robatto e direção de Emilie Chamie, premiado como melhor espetáculo do ano pela APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte). Para desenvolver o tema proposto por Lia – “o despertar do indivíduo e do grupo através do som e do movimento” – o elenco contribuiu com improvisações, algo que o próprio Klauss estimulava, para que os bailarinos pudessem desenvolver repertórios particulares de movimentos e ter uma atuação criativa no Balé da Cidade.

A presença de Ismael Ivo em Bolero ocorreu através do grupo experimental formado por Klauss Vianna no Balé da Cidade – uma iniciativa ousada, que pretendia proporcionar ao elenco da companhia uma convivência com os criadores independentes de São Paulo. Além de Ivo, fez parte deste grupo uma nata de artistas que fazia a dança paulistana fervilhar – como Sônia Mota, Mara Borba, Mariana Muniz, Zeca Nunes, Denilto Gomes, Duda Costilhes, Susana Yamauchi, Fernando Lee, Ciça Meirelles, João Maurício, Vivien Buckup, Mazé Crescenti, J.C.Violla.

A trajetória internacional de Ismael Ivo começou efetivamente em 1983, quando chegou a Nova York como bolsista da escola e da companhia jovem de Alvin Ailey (1931-1989). Logo sua vocação de solista se confirmou no La MaMa, o famoso teatro experimental novaiorquino, onde apresentou o solo O Rito do Corpo em Lua – o mesmo que fazia sucesso em São Paulo e que chamara a atenção de Ailey em uma apresentação em Salvador.

Em 1984 Ismael Ivo já estava na Áustria, onde teve a chance de fundar as Semanas de Dança Internacional de Viena, junto com o produtor Karl Regensburger. O evento, que cresceu e ganhou o nome de ImPulsTanz Festival, tornou-se um dos maiores da Europa.

Em 1985 ele fixou residência em Berlim, onde criou e apresentou vários espetáculos solo (de início no Schaubühne Theater).

Paralelamente à atuação como bailarino e coreógrafo, Ismael assumiu cargos importantes. De 1997 a 2000 foi diretor da companhia German National Theater, na cidade alemã de Weimar, para a qual coreografou O Beijo no Asfalto (Kuss im Rinnstein), de Nelson Rodrigues, sob direção do diretor teatral brasileiro Marcio Aurelio.

De 2005 a 2012, ocupou a função de diretor do Festival Internacional de Dança da Bienal de Veneza e do Departamento de Dança da mesma Bienal, onde concebeu o projeto Arsenalle della Danza, em 2009 – o qual solidificou-se, em 2013, no Biblioteca do Corpo, em parceria com o Sesc de São Paulo. Com o objetivo de desenvolver e treinar jovens bailarinos profissionais, o Biblioteca do Corpo já produziu três espetáculos – No Sacre, Erêndira e Das Tripas… Coração, todos já apresentados na capital paulista.

Ao longo de sua carreira, Ismael Ivo ainda colaborou com artistas importantes da dança – como o coreógrafo alemão Johann Kresnik, o bailarino e coreógrafo japonês Ushio Amagatsu (do grupo Sankai Juku) e a bailarina brasileira Marcia Haydée, com a qual realizou os espetáculos Tristão e Isolda, Aura, Wie Callas.

Em 2010, Ismael Ivo recebeu a Ordem do Mérito Cultural do Brasil, concedida pelo Ministério da Cultura, então sob gestão de Juca Ferreira.

Legado de quase 50 anos no Balé da Cidade de São Paulo

Agora, na direção do Balé da Cidade de São Paulo, Ismael Ivo conta com o legado desta companhia que em 2018 completará 50 anos. Na cena paulistana, o Balé da Cidade construiu uma história respeitável. Melhor companhia pública do Estado de São Paulo, uma das mais importantes do Brasil, o Balé da Cidade também é um símbolo de resistência cultural. Superou crises e sempre trabalhou com verba aquém do necessário para um grupo de seu porte, sem perder o status artístico.

Vários momentos históricos pontuam a história do Balé da Cidade. Fundado em 1968 para oferecer trabalho remunerado aos alunos da Escola Municipal de Bailado e também realizar o acompanhamento cênico de óperas, o então Corpo de Baile do Theatro Municipal de São Paulo virou uma página de sua carreira em 1973, quando Antonio Carlos Cardoso retornou da Europa para assumir a direção artística da companhia e modernizar seu repertório.

“Acabou o velho museu de danças. Agora é tudo novo” – proclamou o então influente Jornal da Tarde na época. Obras concebidas especialmente para a companhia, por coreógrafos como Victor Navarro, Oscar Araiz, Célia Gouvêa e o próprio Antonio Carlos Cardoso, passaram a marcar o repertório do Balé da Cidade, cujas apresentações tornaram-se acontecimentos culturais. Entre as estreias da época inclui-se Medeia, espetáculo concebido por Marilena Ansaldi, com música de Pink Floyd e interpretação de Iracity Cardoso.

A estreia do Balé da Cidade em palcos estrangeiros ocorreu em 1996, na Bienal da Dança de Lyon (França). Ivonice Satie, diretora artística na época, trouxe em seguida o coreógrafo israelense Ohad Naharin, um dos nomes mais respeitados da dança mundial, para trabalhar com a companhia. A garra do Balé da Cidade impressionou Naharin, que voltou a coreografar para o grupo em 2003, na gestão de Mônica Mion.

Com gestões também realizadas por Luis Arrieta, Júlia Ziviani, Rui Fontana Lopez, José Possi Neto e Lara Pinheiro, o Balé da Cidade de São Paulo teve Iracity Cardoso como sua diretora artística de 2013 a 2016. O padrão de excelência do elenco da companhia foi reforçado por Iracity, que estreou produções de coreógrafos estrangeiros e brasileiros, recuperou obras históricas e valorizou as mostras de criações realizadas pelos próprios bailarinos.

Um elenco de 34 bailarinos, capaz de chegar aos melhores resultados, é o que Ismael Ivo vai receber do Balé da Cidade de São Paulo, a partir de 2017.

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