Lei Maria da Penha: prisão preventiva do agressor com medida protetiva de urgência

O problema da violência contra a mulher é um problema social, causado pela cultura machista perpetuada pela sociedade que incute na cabeça das pessoas que a mulher deve ser submissa, que culpabiliza quem na verdade é vítima, que ainda vê o homem como ser superior.

 Por Laura Astrolabio, do Imprensa Feminisa

Muitas mulheres, ao sofrerem violência física ou psicólogica de seus namorados, maridos ou companheiros, vão até a delegacia procurar ajuda e recebem tratamento desumanizado. Ou seja, no lugar onde essas mulheres deveriam ser recebidas, protegidas e orientadas, elas são culpabilizadas, quando não por um homem machista, por uma mulher que reproduz machismo em suas falas e atitudes com relação à vítima.

Importante deixar explícito que a violência doméstica não se configura apenas quando a vítima é mulher, mas é deslealdade intelectual não ressaltar que existe uma falsa simetria quando citam exemplos de homens que sofreram agressão, considerando que são casos bem pontuais.

Não é de costume tomar conhecimento que um homem foi assassinado pela esposa com golpes na cabeça, com socos, com pontapés .

A realidade da mulher é muito diferente, pois numa sociedade que só lhe diz não o tempo inteiro, “não pode isso e não pode aquilo”, em que é desrespeitada a todo o tempo e em todos os espaços, ela, não raramente, se vê numa condição de submissão imposta.

Sobre tais aspectos, já existem artigos publicados por renomadas sociólogas,   filósofas , historiadoras.

Portanto, aqui, o objetivo é orientar sobre como a vítima deve proceder nos casos em que sofrer violência física ou psicólogica de seus companheiros ou ex companheiros, tais como agressões, assédio, ameaças, que são as atitudes covardes que os homens mais lançam mão para afirmar masculinidade e poder, por acreditarem que são seres superiores.

Importante ressaltar o atraso da apreciação pelo legislativo das questões que envolvem violência contra a mulher.

A sociedade é dinâmica e assim também é o Direito.

É lamentável verificar que a Lei Maria da Penha tenha sido publicada em 2006, tendo como base uma história de violência sofrida por uma mulher em 1983, ou seja, 23 anos depois.

Temos um legislativo que se apresenta inoperante e falastrão, tão lento quanto a Justiça que todos condenam.

A Lei 11.340/2006 – Lei Maria da Penha,  prevê o seguinte:

Art. 5° Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

(…)

Leia Também: PLP 2.0 – Aplicativo para coibir a violência contra a mulher

Art. 7o  São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

I – a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;

II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

III – a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

IV – a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

V – a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

Muito importante frisar que a Lei garante à mulher em situação de violência doméstica, a manutenção do vínculo trabalhista se, por segurança, for necessário que essa mulher se afaste do local de trabalho , por até 6 (seis ) meses.

Vejamos:

Art. 9o  A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será prestada de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o caso.

§ 1o  O juiz determinará, por prazo certo, a inclusão da mulher em situação de violência doméstica e familiar no cadastro de programas assistenciais do governo federal, estadual e municipal.

§ 2o  O juiz assegurará à mulher em situação de violência doméstica e familiar, para preservar sua integridade física e psicológica:

I – acesso prioritário à remoção quando servidora pública, integrante da administração direta ou indireta;

II – manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até seis meses.

As medidas protetivas de urgência podem ser requeridas diretamente via Judiciário, através de advogada/o ou Defensoria Pública,  independente de atendimento prévio da autoridade policial, considerando que  a Constituição Federal da República de 1988 prevê  que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito ( Art. 5, inciso XXXV)

Importante lembrar que, o atendimento gratuito pela Defensoria Pública, nos casos previstos na Lei Maria da Penha, será oferecido independente da situação econômica da vítima ( Art. 28 da Lei Maria da Penha )

Portanto, nenhuma vítima é obrigada a ficar à deriva numa delegacia recebendo atendimento desumano, acreditando que será ali o local onde obrigatoriamente deve comparecer para ter seu direito garantido.

Sendo assim, e por este caminho, o pedido de concessão de medida protetiva de urgência, encaminhado pela vítima através de seu/sua advogado/a ou Defensoria Pública, deverá ser apreciado pelo juiz/juíza , no prazo de 48 horas (art. 18 e 19 da Lei Maria da Penha)

Na maioria das vezes o agressor não se intimida com tais providências tomadas pela vítima, o que gera um grande mal estar e uma sensação de impunidade muito grande.

No entanto, caso necessário, caberá prisão preventiva do agressor, como medida protetiva de urgência (Art. 20 da Lei Maria da Penha), decretada pelo/a juiz/juíza, de ofício (quando assim entender) ou a requerimento do Ministério Público (Art. 25 da Lei Maria da Penha).

O agressor, independente da pena prevista, não responderá perante o Juizado Especial (art. 41 da Lei Maria da Penha) e não poderá pagar a pena com cestas básicas ou qualquer outro tipo de prestação em dinheiro.

Sendo assim, se você sofreu, está sofrendo ou está na iminência de sofrer violência física ou psicólogica de seu companheiro, mulher, se proteja!

Detenha as informações e procure ajuda para dar os encaminhamentos necessários que impeçam a manutenção da violência, que impeçam que a violência ocorra e que coloque o agressor no lugar que ele merece, que é o banco dos réus.

Você, vítima, não deixe de providenciar provas documentais ou testemunhais das agressões.

E você, mulher que conhece uma vítima, dê apoio, dê incentivo, preste solidariedade, seja testemunha, para que a próxima não seja com você.

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