Leila Velez: “É preciso quebrar a algema dos padrões de beleza “

A origem humilde poderia ter definido o destino de Leila Velez. Filha de pai porteiro e mãe lavadeira, ela começou a trabalhar como atendente numa rede de sanduíches fast-food. Era pouco para ela. Com uma amiga, resolveu fundar um salão de beleza no Morro do Catrambi, no Rio de Janeiro, voltado para mulheres com cabelos crespos e difíceis de domar. A ideia deu tão certo que originou uma rede de salões, Beleza Natural, que faturou, em 2013, R$ 180 milhões. Também em 2013, 33% das ações da rede foram vendidas para o grupo GP Investimentos por R$ 70 milhões.Neste ano, Leila, aos 40 anos, recebeu do Fórum Econômico Mundial de Davos, na Suíça, o título de jovem líder global. Ela deu esta entrevista a ÉPOCA sobre padrões de beleza, preconceitos, ambiente de negócios no Brasil e dificuldades das mulheres no ambiente corporativo.

ÉPOCA – Hoje, no Brasil, boa parte das mulheres prefere ter cabelo liso. A senhora teve sucesso com um negócio com serviços para cabelos crespos. Por que apostou nesse caminho?
Leila Velez – Vivi na pele todos os dissabores da tentativa frustrada de achar um padrão que não é meu. Alisei meu cabelo, fiz o diabo com ele! Passei pela frustração de olhar no espelho e concluir: “Essa não sou eu”. Quem tem cabelo crespo e vai para o liso é obrigada a engolir algo que lhe impuseram. É artificial. Cabelo é identidade, diz quem você é. Isso está na história da humanidade. Todas as personagens cacheadas – com cabelos ondulados, volumosos – estão ligadas a pessoas com personalidade forte, à liberdade, à ousadia. Na população brasileira, 70% das pessoas têm cabelo de ondulado a crespo. Apenas 30% têm cabelo liso natural. Estamos, portanto, num país de cacheadas! E a gente vai dizer não para isso? É preciso quebrar a algema dos padrões de beleza impostos e ser realmente quem você é.

ÉPOCA – Não é exagero falar em imposição de padrão de beleza nos dias de hoje, em que as pessoas se sentem cada vez mais livres para fazer suas opções?
Leila – Ainda encontro muitas meninas que trazem um desejo de ter um cabelo mais livre, mas que, para conseguir um emprego em determinadas empresas, ainda são submetidas à limitação do cabelo preso ou do cabelo liso. Em ambientes mais formais, como escritórios de advocacia ou empresas de serviço de luxo, isso infelizmente ainda acontece. Desde criança, a mulher de cabelo crespo é ensinada a acreditar que o modelo de beleza são as princesas da Disney. Gerações inteiras passaram pela necessidade de ser Barbie. Quando se junta isso às estatísticas sociais no Brasil, onde a maior parte tem cabelo crespo, etnia parda ou negra e uma condição social menos favorecida, forma-se então o cenário perfeito para quem tem cabelo crespo se enxergar como alguém que não tem valor.

ÉPOCA – Mas o próprio sucesso de seu negócio não é a prova de que temos hoje muito mais diversidade de estilos?
Leila – Há ainda o estereótipo do cabelo liso como sinônimo de beleza. Mas é claro que existe também uma diversidade maior de estilos, da aparência e da forma como as pessoas ilustram sua identidade. Isso tem a ver com o próprio desenvolvimento de nossa sociedade, em quebrar preconceitos e aceitar que existem diferenças, de qualquer natureza, sejam elas éticas, religiosas ou políticas. A prova disso são os jogadores da Seleção que usam um visual superestiloso, tipo black power, sem preconceito, ou as protagonistas de novelas com cabelo cacheado, bonito e solto. Isso é uma novidade e é ótimo, pois dá liberdade para as pessoas se expressarem de outras formas. Em meu negócio, nossa missão vai além de dizer “não” a um padrão estético. Implica dizer “sim” a todas as possibilidades que a vida oferece. Quando alguém se conscientiza de que pode ser linda do jeito que é, de que não precisa se enquadrar em algum padrão, isso é libertador, porque a diversidade é uma característica do ser humano.

ÉPOCA – Suas clientes, em geral, vêm do segmento caracterizado como a nova classe média. Hoje, boa parte desse segmento está endividada. No momento de aperto financeiro, os serviços de beleza costumam estar entre os primeiros a ser cortados. Isso representa uma ameaça para sua rede?
Leila – Nenhum setor está isento de sofrer com mudanças macroeconômicas. Se houver uma crise grande como a inflação em décadas passadas, isso poderá sim afetar a empresa. Mesmo assim, no Beleza Natural, a gente tem uma relação com o cliente um pouco diferente do salão de beleza tradicional. Não é simplesmente aquela vaidade efêmera de precisar cortar o cabelo ou fazer uma escova para uma festa. O serviço passa a ser, no nosso caso, um item da cesta de consumo permanente da cliente. Ela prefere deixar de fazer outras coisas a abrir mão de um tratamento que é um sonho realizado. Durante muito tempo, essa cliente buscou uma solução. A partir do momento em que encontra e muda não simplesmente a aparência, mas sua vida em função disso, abrir mão dessa conquista é uma decisão difícil. Muitas de nossas clientes, numa situação de necessidade extrema, diminuem a frequência, mas não deixam de fazer o tratamento.

ÉPOCA – Quais são os maiores problemas enfrentados por quem decide empreender hoje no Brasil?
Leila – O Brasil vive uma dicotomia grande. Por um lado, há um potencial absurdo, especialmente quando pensamos na classe C. Há serviços que ainda não foram oferecidos com o nível de qualidade que essas pessoas merecem. Por outro lado, quando olhamos a lista do Doing Business (ranking de qualidade de ambiente de negócios do Banco Mundial), vemos o Brasil em 116o lugar em facilidade para fazer negócios. Temos uma carga tributária pesada e complexa. Um empreendedor que vê seu negócio crescer também vê o nível de complexidade do empreendimento aumentar – às vezes, de forma mais rápida que a capacidade do negócio de absorver toda aquela burocracia. O ambiente de negócios tem mudado, mas ainda lentamente.

ÉPOCA – A senhora faz parte de um grupo de mulheres executivas defensor de uma saída  gradual do Simples (o regime tributário simplificado), não como acontece hoje, quando as empresas ultrapassam um faturamento anual de R$ 3,6 milhões. Essa proposta não poderia causar perda de arrecadação do governo, sem gerar, em contrapartida, empregos?
Leila – Essa é uma visão errada. Fizemos cálculos que ainda serão refinados, mas mostram que 62% da empresas depois que saem do Simples quebram ou vão para a total informalidade. É óbvio que, se você mantiver essas empresas na economia formal e em crescimento, gerará uma arrecadação maior, fora os empregos. Não haverá perda de arrecadação, porque a base total de pessoas que contribuirão aumentará significativamente.

ÉPOCA – Sua sócia, Heloísa Assis, a Zica, criou uma fórmula de relaxamento de cabelos, um dos motivos do sucesso do Beleza Natural. Inovação ainda é um termo muito distante do cotidiano de milhões de pequenos empresários. Como é possível inovar sem recorrer a uma parceria com uma grande universidade?
Leila – Não precisa haver alto nível de sofisticação para conseguir inovar. Com tecnologia, a gente consegue fazer isso de forma fácil e barata. Hoje, é possível colocar uma dificuldade do negócio para ser pensada em modelos de crowdsourcing (modelo de produção que usa a inteligência e os conhecimentos coletivos e voluntários) ou Open Innovation (o uso de caminhos internos ou externos nas empresas para avançar no desenvolvimento de novas ideias e tecnologias). Essa inteligência coletiva é maravilhosa e mais abrangente do que qualquer gênio. A inovação também pode ser incremental, melhorar o negócio em determinados aspectos, melhorar o processo, melhorar o custo de um produto, a forma como um cliente é atendido, a experiência que ele tem, uma embalagem. São coisas simples, mas que às vezes podem ter um impacto incrível no negócio.

ÉPOCA – Qual o maior desafio para uma mulher assumir o comando de um negócio no Brasil?
Leila – Numa das reuniões com esse grupo de mulheres, uma das executivas contou que, quando foi promovida a vice-presidente da empresa, na primeira reunião, quis ir ao banheiro. Percebeu, então, que, naquele andar onde acontecia a reunião, não havia um banheiro para mulheres, só para homens. No primeiro dia de trabalho, teve de quebrar um pedaço da estrutura física para construir um banheiro. Já havia secretárias ali havia anos. Elas tinham de passar por não sei quantos andares para usar o banheiro noutro departamento. Eles nunca tinham pensado nisso! O reconhecimento da mulher no mercado de trabalho, em todas as esferas, tem ainda uma estrada enorme a seguir. Precisamos de chances iguais para chegar aos mesmos patamares de crescimento. No Brasil, apenas 7% das mulheres conseguem chegar aos níveis mais altos das empresas, como os conselhos de administração. Se você tirar as herdeiras, esse índice cai para 3%. É uma lacuna enorme. Será que as mulheres não têm a competência? Claro que têm!

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