Mãe Beata de Iemanjá – Por Fernanda Pompeu

No 20 de janeiro de 2017, Mãe Beata completou 86 anos. Muita estrada e infinitas paisagens, por suposto. O perfil que segue foi escrito em 2008.

Por Fernanda Pompeu em seu blog

Foto: Reprodução/fernandapompeu.com.br

Ao receber o Prêmio Bertha Lutz-2007, Mãe Beata ofereceu-o à trabalhadora doméstica Angélica Teodoro, presa por furtar um pote de 200 gramas de manteiga em um supermercado. Valor da mercadoria: R$ 3,10. A moça de 18 anos, sem antecedentes criminais, alegou que o filho pequeno estava passando fome. Foi recolhida a uma cadeia de São Paulo.

O sentimento de indignação frente às injustiças deve ter nascido com Beatriz Moreira Costa, nome de certidão de nascimento da Mãe Beata de Iemanjá. Eu tinha oito anos, quando vi meu pai puxar um chicote para bater na minha mãe. Não tive dúvida agarrei o machado que ficava atrás da porta. Enfrentei meu pai. Falei que, se ele chicoteasse minha mãe, eu cortaria o pescoço dele.

Nascida no ano de 1931, no Recôncavo Baiano, Mãe Beata conheceu o trabalho e a fome precocemente. Mas também teve contato com 1001 histórias contadas por mulheres e homens negros. Acontecimentos, mitos, contos, adágios do Brasil e da África. Saber de onde se vem é fundamental para manter os pés firmes no chão e os sonhos soltos no ar. Meus antepassados são do norte da Nigéria. Gente da qual me orgulho muito.

Na década de 1960, separada do marido e com filhos para criar, migrou para o Rio de Janeiro. Trabalhou como empregada doméstica, costureira, manicure, cabeleireira, pintora, artesã. Anos mais tarde, no bairro de Miguel Couto, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, Mãe Beata abriu o terreiro Ilê Omi Oju Arô. Nele construiu sua reputação de sacerdotisa ou, na linguagem mais popular, de mãe de santo.

A solidariedade é a base de tudo. Mãe Beata deplora o individualismo que, sob seu ponto de vista, destrói o indivíduo e a comunidade a qual ele pertence. Quando a gente sobe em uma escada, é bom ter alguém segurando embaixo. Simples assim. Verdadeiro assim.

Apaixonada pela Baixada, ela diz que já rodou o mundo, mas nenhum lugar supera a doçura dos vizinhos de Miguel Couto. Aqui, ainda colocamos cadeiras na calçada. Se uma vizinha está com o filho doente, eu vou lá ver se dá para ajudar. Às vezes, as pessoas precisam tão somente de um alento.

Na comunidade, Mãe Beata desenvolve várias ações sociais: apoio a pessoas vivendo com HIV/Aids, apoio a mulheres em situação de violência doméstica, apoio à infância. Muitas mulheres sofrem com a violência de companheiros alcoólatras, desempregados. Ficam nas costas delas criar e sustentar os filhos.

A cultura da paz tem de ser ensinada desde a infância. Quando ouço um menino falando palavrão, eu o educo: Não fala palavrão, porque volta contra você. Conhecida, reconhecida, respeitada na comunidade, Mãe Beata, quando vai ao centro comercial de Miguel Couto, é saudada pelos alto-falantes das lojas: Atenção, gente… Está na nossa calçada Mãe Beata de Iemanjá!

A baiana do Recôncavo é uma mulher firme. Não deixa pedra sobre pedra quando o tema é discriminação racial: Racismo é ignorância. É algo que não podemos, nem devemos admitir. Os negros não devem curvar a espinha. Somos filhas e filhos altivos da Mãe África. Nossa religião é um colosso.

Para ela o negro precisa saber o bom de ser negro. Cabelo carapinha é lindo. Lábios grossos são lindos. Seios fartos e bunda empinada também são lindos. Mãe Beata é presidenta de honra da organização carioca de mulheres negras Criola. Declara-se uma feminista negra. Tento sempre juntar as duas forças: ser mulher e ser negra. Adoro ser como sou.

Esta segurança de Mãe Beata faz dela uma pessoa profundamente respeitadora. Respeito padre, pastor, rabino. Na mesma proporção em que exijo respeito a minha religião. Todos devem ter os seus espaços.

E conclui com poesia: Minha casa está aberta para pobre, rico, operário, artista, homem, mulher, preto, branco, gay, lésbica, velho, criança. Sabe por quê? Porque gente precisa de gente.

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