Maioria das mulheres é contra cantada de rua, que pode virar até caso de polícia

Campanha Chega de Fiu-Fiu mostra que 83% do público feminino vê investida cantada de rua como assédio

Por: Marcella Franco

 

Juliana Kenski, uma das fundadoras do coletivo feminista Think Olga, que luta contra o assédio em espaços públicosMontagem/Arquivo Pessoal/thinkolga.com

Ô, lá em casa! Ei, gostosa! Se você é mulher, certamente já ouviu essas cantada de rua de estranhos alguma vez na vida. Talvez tenha, ainda, escutado coisas possivelmente mais invasivas, ou assobios e grunhidos. É algo que acontece com todas, invariavelmente. Mas há, no entanto, um ponto que diferencia uma mulher da outra nestas situações: a reação ao assédio.

Enquanto algumas não se importam e acham até lisonjeiro, outras entendem as cantadas como uma forma de violência e ofensa.

“Estas mulheres que gostam realmente existem, mas, de acordo com nossos levantamentos, são apenas 17% da população brasileira feminina”, pontua a jornalista Juliana de Faria Kenski, uma das criadoras do coletivo feminista Think Olga, responsável pela campanha Chega de Fiu-Fiu, que se propõe a lutar contra o assédio sexual em espaços públicos.

— Não existe um problema com quem gosta, cada uma sabe de si, mas a questão é quando o homem coloca todas as mulheres na mesma situação. Porque, para cada uma que curte a cantada, ele está humilhando outras cinco. Juliana conta que sempre se incomodou com este tipo de situação, especialmente depois de um episódio que viveu aos 11 anos de idade.

— Eu voltava de uma padaria quando o motorista de um carro abriu a janela e gritou algo ofensivo. Foi muito surreal, eu nem sabia direito o que tinha sido aquilo, mas comecei a chorar. Uma senhora, então, me parou e disse para eu deixar de ser boba, porque elogio é bom. Por muito tempo, achei que tinha que aceitar, porque talvez fosse bom para mim.

A confusão de sentimentos é um ponto comum relatado entre as assediadas, bem como a dúvida sobre a responsabilidade daquela situação. Por serem alvos de cantadas desde muito cedo, as mulheres acabam se questionando se têm algum tipo de culpa pelo assédio, especialmente no que diz respeito à maneira como se vestem.

Afinal, uma peça de roupa poderia justificar e encorajar o comportamento de outra pessoa? Usar uma saia curta ou uma blusa decotada daria o direito aos homens de cantarem as mulheres na rua?

“De forma alguma”, defende Carla Cristina Garcia, professora doutora em ciências sociais pela PUC de São Paulo.

— A responsabilidade pelo assédio é da sociedade machista que cria essa condição para que as mulheres sejam agredidas. Devemos nos cobrir todas para não sofrermos violência? Cantadas são uma forma de abuso porque tratam a mulher como se seu corpo fosse público. Se as mulheres hoje reclamam e antes não reclamavam, é porque hoje sabem que é uma violência.

Na mesma proporção que crescem as queixas femininas, aumenta também a revolta de homens que, pelos mais variados motivos, consideram absurda a ideia de que mulheres possam se incomodar com cantadas na rua.

Em comentários masculinos na página do Think Olga, por exemplo, é possível ver opiniões que defendem, entre outras coisas, que mulheres que se vestem com roupas curtas “não se valorizam”.

“Para os homens da sociedade ocidental, a mulher é um objeto. Sendo assim, como um objeto pode reclamar? Objeto não tem vontade”, explica a professora Carla Cristina.

Em uma pesquisa realizada com 7.762 mulheres pelo coletivo feminista de Juliana Kenski, 90% das entrevistadas disseram já ter trocado de roupa por receio do assédio no lugar em que iriam. Outras 81% garantiram já ter deixado de fazer alguma coisa — sair a pé, passar em frente a uma obra etc — por medo de serem assediadas.

No entanto, o que poucas pessoas sabem — tanto homens quanto mulheres — é que aquelas que se sintam ofendidas por cantadas na rua podem até mesmo recorrer à Justiça. De acordo com o advogado criminalista Lélio Borges, mesmo se tratando de situações subjetivas, há casos em que é cabível punição, inclusive de detenção.

— Se o ato é realizado em local público, mediante gestos obscenos, podemos estar diante do crime de ato obsceno, cuja punição é de três meses a um ano de detenção. Se da cantada derivam ofensas que firam a dignidade ou o decoro da vítima, estaríamos diante de um possível crime de injúria, com sanção de um a seis meses de detenção. E, ainda, uma investida que é feita em local público, de forma ofensiva ao pudor, pode configurar a prática de contravenção penal denominada importunação ofensiva ao pudor, que é apenada com multa.

Fonte: R7

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