Maíra Azevedo e Tia Má: amor, irreverência e sinceridade na receita do sucesso

Filha de Mira, herdeira de Bia. A caçula de Miralva Dias Azevedo e Evangivaldo Batista de Azevedo Pereira já dava sinais de que seria a mulher que hoje Salvador e o Brasil conhecem como Tia Má. Maíra Cristina Dias Azevedo tinha apenas 11 anos quando decidiu ser jornalista. Talvez a vocação tenha se aflorado com os tantos poemas e letras de música que ela guarda daquela época e que ainda pensa em um dia publicar.

Do SoteroPreta

Sempre criada com muito amor e afeto, não só pelos pais, como pela avó, D. Valdimira Santos Dias, a Dona Bia, e seus oito tios – um registro especial para o tio Wellington, que a emociona só de falar. Maíra Azevedo não tem qualquer trauma de falta de atenção, isso ela garante.

Ela foi dengada, tinha no pai um realizador de vontades, mas na mãe um puxão pra realidade. “Eu tinha que ser filha dos dois mesmo, tive tudo, mas sempre soube discernir o certo do errado, o que podia e não podia”, ela diz. O discernimento, aliás, D. Miralva sempre fez questão de afirmar em casa. Maíra era a menina negra que estudava em escola particular, muitas vezes a única em sala de aula, tinha Xuxa e Angélica como “referências”.

Embalada pela TV – como ela mesma diz, a “babá eletrônica” de muitas crianças – ela construía um dos seus mundos. O outro era o da realidade: de que nem ela, nem a irmã eram iguais às ídolas, dizia a mãe.

“Eu tenho a cara das mulheres, não sou uma mulher padrão, falo de empoderamento e de amor. Não sou a gatona, mas sou alguém que aprendeu que é poderosa. E acho que todas devem aprender isso.”

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Daí vinham muitos questionamentos: “não sou igual, mas quero (preciso) estar no padrão”. A fase dos alisantes e das tentativas de embranquecimento – tão comuns entre crianças e jovens negras – também passou por sua história. Talvez o senso de humor também tenha ajudado a lidar com essa dicotomia. Segundo Maíra, esse é o DNA da família e ela não fugiu à regra, a irreverência e a sinceridade sarcástica são suas marcas – onde ela estiver todos já entendem rapidamente.

“Tiramos sarro um do outro, fazemos piadas, rimos muito entre nós, até meu filho de oito anos me arranca gargalhadas”. Aladê Koman (Dono da Coroa), sua outra metade, seu complemento, que a ensina dia após dia que mãe não é tudo igual.

A irreverência do pequeno anda junto à educação também sincera da mãe. “Meu filho tem apenas oito anos e eu tenho que conversar com ele sobre genocídio de jovens negros, que ele não pode usar determinadas roupas pra não reforçar o estereótipo racista que recai sobre nós. Sobre a escolha de usar seu cabelo rasta e como o ambiente escolar é um espaço de tensão racial, sobre o tráfico de drogas em nossa comunidade. Coisas que outras mães, talvez, de meninos não negros, não precisem se preocupar”, ela desabafa.

Maíra mora no bairro de Plataforma, Subúrbio de Salvador, é repórter do Jornal A Tarde, assessora do vereador Silvio Humberto (PSB) e consultora da Rede Globo, no programa Encontro, de Fátima Bernardes. Mas arranja tem tempo pra ser mãe zelosa e atenta. Pra ela, a parte mais difícil é educar, orientar moralmente, cuidar da higiene e abrir mão do descanso, muitas vezes.

“É cansativo sim, mas não consigo pensar mais minha vida não sendo mãe, não sendo mãe de Aladê”. Nos afazeres domésticos ela assume: não gosta. Mas é ela quem faz, afinal Maíra e Tia Má são as mesmas pessoas, glamour só na tela. Não há encenação, cenário, roteiro, bastidores. É no carro dela (o mesmo de sempre, aliás), nos intervalos entre um trampo e outro que os vídeos que já alcançaram mais de 1 milhão visualizações são gravados.

 “To sempre atenta ao que acontece ao meu redor, leio tudo, ouço tudo, pesquiso tudo, sou a diversidade. Busco a informação, tenho sede de saber, sou de Oxum com Oxossi. Minha vaidade é o saber.”

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Ela não entende quando perguntam como é ter sucesso, já que ela sempre foi uma mulher de sucesso, como se define. “Eu já me considerava uma pessoa de sucesso muito antes de Tia Má, o que me surpreende é que algumas pessoas não me enxergavam antes de sentar no sofá de Fátima Bernardes, aí percebo como alguns discursos são falaciosos.

Odeio quando alguém me cobra pra não esquecer dele/a com a fama. Só se eu tiver Alzheimer, quem colou comigo vai tá sempre, quem não colou, não estará!”, dispara.

Afinal, ela foi “educada pra dar certo, pra ser boa em tudo que fizesse”. E ela é, né? Seus conselhos são suas opiniões mesmo, agrade ou não, ela não tá se importando muito.  E os sobrinhos e sobrinhas desta filha de Oxum com Oxóssi…já são mais de 100 mil.

E não pára de crescer, com certeza porque Tia fala de afetividade, algo que tem sido tão caro a muitas mulheres, em especial as negras. Maíra é certeira: “Muitas estão fracassando em suas relações, no desespero de encontrar a outra metade da laranja, porque assim fomos criadas, isso faz com que aceitemos migalhas afetivas, relações abusivas”.

S. Evangivaldo já dizia pra ela e a irmã “pra não nos submetermos a capricho de homem, tínhamos que sair com nosso dinheiro, nosso carro e não aceitar que um homem nenhum nos bancasse”. Ela já teve suas decepções. Duas, na verdade: um cara que tentou lesá-la financeiramente (“e quem me conhece sabe que dei meu jeitinho de reaver minha grana”) e a outra que ela conta: “quando conseguiu o que queria de mim, me deixou”. Mas ela não deixou de acreditar no amor.

“Não importa quão sacana tenham sido com você, você vai encontrar a pessoa que vai colar na corda. Tenho hoje minha história de final feliz, que pode ate virar infeliz, mas enquanto tá durando ta sendo uma história feliz.”

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Hoje, Maíra tem sua casa (a mesma de antes também!), seu amor Adilson, pensa em ter outro filho (ou filha) e o que ela quer mesmo é continuar sendo representatividade para as meninas negras que a assistem. “Quero que vejam em mim a possibilidade de ocupar vagas na Academia como jornalistas, serem construtoras de conhecimento. Quero montar um….aliás, aprendi no Candomblé que silêncio é fundamental pra que as coisas aconteçam…(risos). Deixa lá, meus projetos, quando acontecerem, todo mundo vai saber…(mais risos). Ok, Tia!

“Temos o hábito de associar agressão apenas à física, mas tem a afetiva, alguém que não te respeita, te desqualifica mas, pra não entrar na estatísticas da solidão, você aceita. Quando você socializa a dor, você ameniza o sofrimento.”

Veja todos os vídeos no Canal da Tia Má.

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