‘Mais que escravidão, escola deve mostrar o que fazemos de bom no Brasil’, diz MC Soffia rapper de 12 anos que cantará na Rio 2016

“Espero que Beyoncé me veja”, disse à BBC Brasil a rapper paulistana MC Soffia, de 12 anos, sobre a apresentação que fará diante de cerca de 70 mil pessoas na abertura dos Jogos Olímpicos do Rio, no Maracanã.

por Camilla Costa no BBC

Será a primeira vez em que sobe ao palco para um público tão grande, mas ela não se impressiona. “Não estou nervosa, estou animada, só”, afirma, escolhendo as palavras com cuidado.

MC Soffia virou uma espécie de porta-voz mirim das mulheres negras por causa das músicas falando da importância de meninas negras aceitarem seus cabelos e sua cor. “Menina pretinha/Exótica não é linda/Você não é ‘bonitinha’/Você é uma rainha”, diz uma de suas canções.

A participação da garota na cerimônia de abertura da Rio 2016, em dueto com a rapper curitibana Karol Conka, será breve, mas ela promete uma música nova, feita pelas duas, sobre “empoderamento”.

“Eu fiquei pensando: ‘eu, abrir Olimpíada, quem sou eu’, né. Aí depois comecei a entender que ia representar bastante gente. Estou representando as meninas, as mulheres, as crianças negras”, afirma.

Para Soffia, sua apresentação também ajuda a mostrar positivamente o trabalho dos negros, algo que ela acha que deveria ser obrigatório nas escolas.

“Algumas escolas já falam desses assuntos (racismo e cultura negra), mas acho que tem que ter mais. E não explicar só que nós fomos escravos, explicar o que nós fazemos de bom aqui no Brasil. E os índios também.”

Defesa contra preconceito

Soffia conheceu o hip hop e o movimento de mulheres negras por causa da mãe, a produtora cultural Kamilah Pimentel, de 30 anos.

“Criamos estratégias para que ela não sofresse tanto com o racismo ou que, se fosse ofendida, soubesse se defender. Por exemplo, minha mãe fazia bonecas negras para ela brincar, para que se reconhecesse na brincadeira”, disse Kamilah à BBC Brasil.

Mesmo assim, aos 5 anos, Soffia disse à mãe que “queria ser branca e ter o cabelo liso”. “Mesmo que exista uma conscientização, era eu contra uma sociedade que diz que a gente tem que seguir um padrão de beleza. O primeiro contato das crianças com o racismo é na escola”, afirma Kamilah.

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Image captionMãe e avós de Soffia criaram “estratégias”, como bonecas negras e livros sobre cultura africana, para protegê-la do preconceito

Soffia diz que já foi chamada de “neguinha do cabelo duro” e de “macaca”. Mas agora sabe o que responder.

“Hoje eu digo: ‘Meu cabelo não é duro, meu cabelo é crespo. Duro é o seu preconceito’ e ‘Macaco é o racista, que ainda não evoluiu para poder ser chamado de homem ou mulher’. Estou procurando mais frases como essa.”

Ela afirma que os professores também são responsáveis pelos insultos que crianças negras ouvem nas escolas.

“As professoras só mandam pedir desculpa, mas tem que explicar sobre a questão. Existe uma lei de 2003 para que elas falem sobre isso (a lei determina que escolas ensinem História e Cultura Afro-Brasileira)”, afirma.

Em sua escola, que fica em Cotia, região metropolitana de São Paulo, ela diz que racismo e bullying são questões discutidas, muitas vezes por meio de filmes.

“No final da aula todas as crianças fazem a roda para explicar o que entenderam do filme, o que não acharam legal. Mas acho que eles não adiantam muito”, reclama.

“Os filmes só mostram que os negros estão sofrendo racismo, que são empregados e escravos. Mas eles também deveriam mostrar coisas boas sobre os negros. Algumas amigas brancas ficam se sentindo superiores e dizem: ‘Eu gosto de ser branca para não sofrer isso’.”

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Image captionSoffia diz que crianças brasileiras precisam assumir que são negras e manifestar-se contra racismo

‘Mais como nos EUA’

A convivência com mulheres e homens militantes do movimento negro também fez com que Soffia acompanhasse mais de perto a mobilização contra as mortes de jovens negros na periferia. Para ela, as crianças precisam se manifestar juntamente com os adultos e “assumir” a própria cor.

“Aqui no Brasil deveria ter um pouquinho mais igual aos Estados Unidos, em que se um preto morre fazem manifestações. Tem menos negros lá, mas eles vão, fazem, falam”, afirma.

“Aqui também poderia ser assim, se as crianças que são negras não tivessem vergonha de falar. Porque às vezes elas são um pouquinho mais claras e já acham que não são (negras).”

Nas suas canções, ela afirma sua negritude exaltando as bonecas negras Makena (“Barbie é legal, mas eu prefiro a Makena africana”), que ganhava da avó, e os cabelos afro (“Na minha história, Rapunzel tem dread”).

Soffia faz entre dois e quatro shows de hip hop por mês, mas diz ter bastante tempo para brincar. E para além de querer o fim do preconceito contra meninas como ela, sonha alto com seu futuro profissional.

“Quero ser cantora, atriz, modelo, jogadora de futebol, de basquete, de vôlei, skatista e médica”, diz.

“Meu sonho é cantar com a Beyoncé, com a Nicki Minaj e com a Rihanna, nós quatro, num show assim bem grande, mas com a maioria do público meu, né.”

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