Mapa de direitos LGBT e dados sobre violência mostram divisões e contradições

Dados sobre legislação e violência relacionada à comunidade LGBT mostram que o Dia Internacional Contra a Homofobia, celebrado na quarta-feira, 17 de maio, ainda tem muito contra o que lutar. No mundo, pelo menos 72 países, estados independentes ou regiões criminalizam a homossexualidade. Dentre esses, oito aplicam pena de morte a homossexuais, segundo levantamento divulgado nesta segunda-feira pela Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Pessoas Trans e Intersexuais (Ilga). Apesar de alguns países, como o Brasil, garantirem certa proteção e reconhecimento aos direitos dessa população, estatísticas sobre violência contra o grupo revelam contradições.

POR LUÍS GUILHERME JULIÃO, do O Globo 

Ativista exibe bandeira em Berlim durante protesto que pede que o presidente russo Vladimir Putin acabe com a perseguição de gays na Chechênia. Foto: John Macdougall / AFP | Foto: John Macdougall / AFP

O mapa elaborado pela Ilga mostra uma divisão clara do mundo nesse assunto: Américas e Europa concentram os países com mais direitos aos LGBT, como reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo e adoção. África e Oriente Médio têm os países com as penas mais duras, como prisão e execução. Há particularidades em alguns países, tanto em relação aos direitos quanto à criminalização. Embora Iraque e Síria, por exemplo, oficialmente tenham penas de até dois e sete anos de prisão, respectivamente, e tenham sido classificados assim no mapa, a Ilga destaca que a pena de morte pode acabar sendo aplicada nesses países por pessoas que não representam o estado. Em nível federal, quatro países determinam a execução de homossexuais.

Brasil tem proteção parcial

Já o Brasil aparece no mapa como país que prevê proteção contra crimes de discriminação, permite a adoção e reconhece a união entre pessoas do mesmo sexo. Mas a Constituição brasileira não contém proibição explícita da discriminação baseada na orientação sexual. “Contudo, várias jurisdições no país têm. Isso inclui as constituições dos estados de Alagoas, Distrito Federal, Mato Grosso, Pará, Santa Catarina e Sergipe”, destaca o relatório, que pode ser acessado aqui (não disponível em português).

– Apesar de as leis que criminalizam práticas sexuais entre pessoas do mesmo sexo estarem diminuindo anualmente – com Belize e Seicheles sendo os mais recentes a revogar essas leis em 2016 – a perseguição e a vasta estigmatização persistem em muitos estados. Por outro lado, a promulgação de legislações específicas que nos protegem da discriminação e violência tem expandido significativamente nos últimos anos, e o verdadeiro teste que os estados enfrentam é a implementação significativa dessas leis – afirma Aengus Carroll, um dos autores do levantamento junto com Lucas Ramón Mendos, que destaca ainda que apesar de as leis que reconhecem os relacionamentos e famílias de pessoas do mesmo sexo estarem crescendo, menos de 25% dos estados mundiais reconhecem ou garantem proteção à comunidade LGBT.

Mesmo com uma diminuição do número de países que criminalizam a homossexualidade, o relatório mostra preocupação e aponta avanços da violência contra LGBTs no mundo. Um caso recente citado no estudo é a perseguição a homens gays na Chechênia em março “que teve resultados fatais, uma questão que (no momento da elaboração do levantamento) foi registrado pela mídia, mas cinicamente negado pelos oficiais”, diz o relatório.

Apesar de o Brasil, na perspectiva mundial, estar no grupo de países que preveem certos direitos à comunidade LGBT, ainda que não estabelecidos na Constituição e não aplicados de forma homogênea no país, dados de outras organizações revelam o nível de violência contra o grupo em âmbito nacional. Como o Brasil não tem leis específicas que combatem a homofobia, esse tipo de violência é registrado em outros tipos de crimes, como discriminação, injúria ou agressão, por exemplo. Por isso, não há dados oficiais sobre a violência contra a comunidade LGBT, mas associações ligadas ao tema fazem levantamentos próprios que ajudam a mensurar a violência cometida em âmbito nacional.

A associação Transgender Europe, por exemplo, coloca o Brasil como um dos países com o maior número de assassinatos de transexuais em números relativos no mundo, entre 2008 e 2016. O levantamento completo, entretanto, não tem dados de alguns países que têm leis duras contra homossexuais.

Os dados do Disque 100, serviço telefônico que recebe denúncias de violações mantido pela Secretaria de Direitos Humanos, mostram que em 2016 mais da metade das imputações que têm como vítimas LGBTs aconteceram na rua ou na casa da própria vítima. Esses dados têm relação com o perfil do suspeito da violação. A maior parte é de parentes próximos (irmão, mãe, pai, tio ou primo) da vítima, seguido de vizinhos e desconhecidos.

‘Homofobia mata diariamente’

Segundo o levantamento realizado pelo Grupo Gay da Bahia, 347 LGBTs foram mortos por causas violentas no Brasil em 2016. A pesquisa foi feita de forma hemerográfica, ou seja, com base em notícias publicadas em veículos de imprensa. Os dados da entidade já foram usados como referência para elaboração do Relatório de Violência Homofóbica no Brasil, da Secretaria de Direitos Humanos, em 2013 e trazem informações como a idade das vítimas. No gráfico abaixo é possível observar que o maior número de mortes ocorre na faixa dos 21 a 30 anos.

Para Carlos Tufvesson, estilista e militante pelos direitos humanos, a violência é a pauta mais urgente a ser contemplada no que diz respeito aos direitos dos LGBT. Ele reconhece que o Brasil avançou nas garantias civis a estas pessoas, mas aponta para a escalada da violência e o “apedrejamento moral” que fazem vítimas diárias no país.

– Chegamos ao nível do “homocausto” das chacinas de cidadãos e cidadãs. O governo possui os dados dessa violência. Mas não só não há uma lei que criminalize a homofobia no Brasil, como, na tramitação de um projeto legislativo sobre o tema em 2013, o governo cedeu sua continuidade a uma base dita religiosa – denuncia Tufvesson. – Precisamos pensar uma maneira rápida de agir contra a violência. Não podemos esperar dez anos no Legislativo, enquanto as famílias estão perdendo seus entes queridos. A homofobia mata diariamente no Brasil.

Colaborou: Mariana Alvim

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