Menina-Mulher

Esse corpo que te liberta também te aprisiona menina-mulher, esse prazer que te faz delirar também te inferioriza. Esse sentimento que te completa em uma das dezenas de noites solitárias da tua vida, é o mesmo que te põe em uma louca aventura de acumulação de perdas, desilusões, desamores. Acordar desse ciclo vicioso em que tu menina-mulher vive é extremamente difícil. Acordar desse sonho, libertar-se dos beijos, dos desejos, dos sussurros ao pé do ouvido, do teu corpo em chamas é antes dizer não à ilusão que criastes para justificar todo o abandono e despreparo do menino a quem chamas de homem.

Enviado por Lucimara da Silva Carvalho via Guest Post para o Portal Geledés 

Quando ele te tocas você por alguns minutos senti cada parte do seu corpo despertar, uma sensação maravilhosa te invade. Já não tem forças para dizer não, tudo o que deseja é sentir e sentir ainda mais. Tuas pernas enfraquecem e se abrem, se abrem para o prazer, sem abrem para o esquecer. Uma mistura de câimbras e formigamento toma posse dos teus braços. Já não tem força para impedir que ele continue, tua boca se abre lentamente anunciando em voz alta esse prazer velado diariamente, teu peito se contrai loucamente. Já não existe mais controle, você simplesmente é o seu corpo. Ter e está em um corpo agora faz todo sentido e você menina-mulher tudo que quer é sentir-se liberta. Liberta das tristezas, do desconforto que essa relação te causa, das amarras da sociedade que diz que é tudo normal (agradeça a Deus por ter um marido!), da prisão que vive com tuas fantasias. Nesse instante do teu mundo tudo é permitido, você pode abrir as pernas sem ser “tão” julgada, pode se tocar sem tantos olhares de reprovação, pode reinventar o teu cotidiano ao menos por alguns minutos, pode esquecer-se da tua solidão!

Dizer não a essa relação opressora e dolorosa, significa também renunciar esses momentos de êxtase, o qual poucas vezes na rotina entre o trabalho, a criação dos filhos e a limpeza da casa te sobras. Dizer não a essa relação é ainda e principalmente uma atitude libertadora, diante de tantos abusos sofridos, é entender que NÃO, ele nunca vai melhorar, não vai largar a bebida e as outras mulheres. Não vai conversar com você como um homem amoroso, também não vai te dar flores pra te deixar feliz, tampouco rir com você ao invés de roncar depois do sexo.

Te incentivo menina-mulher a sair dessa relação, mas não tenho o direito de te julgar por continuar nesta. Eu posso imaginar tamanha a sua coragem para lutar dia após dia com esse homem e também com toda a sociedade que o apoia. Posso ainda imaginar a enorme dor que é sentir prazer com esse corpo que te machuca constantemente, sentir pulsar entre tuas pernas o desejo e não saciá-lo nunca porque agora te transformaram em mãe, deixaste de ser menina-mulher e é agora a mãe de João, de Mateus, de Maria. É agora a esposa de Rafael, de Joaquim, é agora a mulher que trabalha e cria os filhos. É enfim a senhora negra de meia idade conhecida pelo bom coração e pela dedicação a família. É tudo menos você! Tiraram-te até o domínio sobre o teu desejo, já nem sabe o que é sonhar e o pior nem percebe. Por isso e para concluir repito, te dou a minha mão para te ajudar a sair dessa relação, mas também não te dou as costas se ainda continuar. Minha falta de sensibilidade é ainda enorme, mas já consigo enxergar que NÃO, você não gosta de sofrer, não tem culpa da opressão, não gosta de apanhar. Entendo menina-mulher que a culpa não é sua!

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