Meninas black power: “Não tenho vergonha de ser quem eu sou: negra”

Incentivada pelo trabalho do coletivo Meninas Black Power, estudante de 14 anos resolveu assumir cabelos crespos e diz que não se trata apenas de não alisá-los, mas de assumir sua verdadeira forma. “Hoje posso bater no peito e dizer que sou descendente de africanos e tenho muito orgulho disso. (…) De agora em diante, não vou ser influenciada pelas pessoas: eu vou influenciá-las”, afirma Nathane

Nathane sempre recebeu apelidos na escola por causa do cabelo crespo e da cor negra. “Eu ficava me perguntando: ‘por que eu nasci assim?’, ‘por que eu não tenho o cabelo normal, liso ou cacheado?’. Toda vez que eu olhava para o espelho, me achava feia, achava que as pessoas iam rir de mim. E, cada vez que isso acontecia, mais eu me frustrava”. Até que um dia, ao faltar à aula para alisar o cabelo, soube que coletivo Meninas Black Power havia visitado a escola onde estuda, no bairro de Tinguá, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Após se informar sobre o trabalho do grupo – que incentiva “a consciência do valor deste cabelo crespo natural e outras características naturalmente pretas”, “através de atividades educativas direcionadas para o público infantojuvenil e mulheres pretas” –, viu que não precisava ter vergonha de assumir suas características naturais.

“Quando eu falo em deixar o cabelo natural, não falo somente em não alisar os cabelos, mas sim em assumir minha verdadeira forma. Estou pronta para isso. E, quando as pessoas virem meu cabelo natural, vão saber que eu não tenho vergonha de ser quem eu sou: negra. Hoje posso bater no peito e dizer que sou descendente de africanos e tenho muito orgulho disso”, conta, em matéria publicada no site do Meninas Black Power. Atualmente, aos 14 anos, Nathane cortou toda a parte do cabelo alisada por química (técnica conhecida como big chop) e ostenta o cabelo crespo. “Tinha dúvidas, mas decidi que vou enfrentar meus medos e que, de agora em diante, não vou ser influenciada pelas pessoas: eu vou influenciá-las. (…) Quero que a professora Jaciana e as Meninas Black Power saibam que elas estão sendo muito importantes na minha vida, pois estão me ajudando a superar meus medos”.

 

Por Jaciana Melquiades, para o Meninas Black Power

Quem é a menina black power?

Nathane já é conhecida nossa. Ela tem 14 anos, estuda na escola que atuamos em Tinguá e aos poucos vem construindo sua identidade de mulher preta e crespa. Passou pela transição. Trançou, retrançou, fez o big chop… e trançou de novo os cabelos imediatamente. Mas a vontade de ver seus cabelos livres falou mais alto! Um mês depois do big chop tirou as tranças e ostenta um crespo lindo. O pai deu a ela seu primeiro pente garfo: ele mesmo fez e relembra os tempos em que ele também usava os cabelos Black Power, na década de 1970. Pensamos então que seria bem bacana acompanharmos esse processo de perto. Antes, vamos conhecer um pouquinho mais dela. Temos dois relatos escritos por ela e uma entrevista que fizemos para que ela falasse de assuntos que nos são interessantes! Vamos ver?
O complexo

09 de Dezembro de 2013

Na escola sempre me colocavam apelidos por causa do meu cabelo ou da minha cor. No começo eu não ligava, mas começou a ser frequente. E eu ficava me perguntando: “por que eu nasci assim?”, “por que eu não tenho o cabelo normal, liso ou cacheado?”.

Toda vez que eu olhava para o espelho, me achava feia, achava que as pessoas iam rir de mim. E cada vez que isso acontecia mais eu me frustrava. Dava vontade de passar o dia dormindo. Quando me chamavam para sair, eu não ia, pois achava que não era digna de ser vista pelas pessoas.

Hoje em dia superei isso, estou aprendendo que não importa o que acham de você, mas sim o conceito que você tem de si mesmo. Mas às vezes esse complexo volta como pesadelo e não dá vontade nem de levantar da cama.
A decisão

15 de Fevereiro de 2014

Quando comecei a pensar em deixar de relaxar o cabelo, fiquei com muitas dúvidas. No meu coração eu sentia que seria bom, mas minha cabeça dizia que eu não ia gostar. Tinha medo do que as pessoas iam falar, mas ao mesmo tempo queria saber como seria minha vida se fizesse isso.

Tinha dúvidas, mas decidi que vou enfrentar meus medos e que de agora em diante não vou ser influenciada pelas pessoas: eu vou influenciá-las. Estou muito feliz, pois as pessoas que eu amo estão me apoiando nessa nova fase da minha vida. Um dos motivos que me levou a tomar essa decisão foram as pessoas que acreditam em mim e no meu potencial e quero que essas pessoas sintam mais orgulho de mim e não irei decepcioná-las. Quero que a professora Jaciana e as Meninas Black Power saibam que elas estão sendo muito importantes na minha vida, pois estão me ajudando a superar meus medos. Eu agradeço à Deus por ter colocado vocês na minha vida.

Com vocês estou aprendendo mais sobre meus antepassados, estou aprendendo que não é ruim ser diferente. Agora penso que cada vez que eu alisava o cabelo, eu rejeitava meus antepassados, eu rejeitava tudo o que eles sofreram para eu ser livre, para eu ter direitos na sociedade hoje.

Quando eu falo em deixar o cabelo natural, não falo somente em não alisar os cabelos, mas sim em assumir minha verdadeira forma. Estou pronta para isso. E quando as pessoas virem meu cabelo natural, vão saber que eu não tenho vergonha de ser quem eu sou: negra. Hoje posso bater no peito e dizer que sou descendente de africanos e tenho muito orgulho disso.
Entrevista

Esta entrevista foi feita dia 01 de agosto de 2014, um pouquinho antes do Big Chop.
MBP – Como foi que você percebeu que precisava mudar a forma como lidava com seus cabelos?

Nathane – Sempre alisei mas não tinha satisfação. Um dia faltei aula para ir ao salão alisar o cabelo e soube pelos meus amigos que vocês (Meninas Black Power) tinham ido à escola. Fiquei triste por não ter encontrado vocês mas fiquei curiosa pra saber do que falavam.
MBP – Qual foi a sua sensação quando viu tantas mulheres crespas juntas?

N – Me senti enganada. Sempre ouvi que meu cabelo era feio e vi em vocês que era mentira. Vi que eu não precisava ter vergonha do meu cabelo.
MBP – Como foi conversar com seus pais sobre a transição e a sua vontade de usar os cabelos crespos?

N – Minha mãe aceitou bem, mas meu pai teve muito receio porque eu já fui muito triste por causa do meu cabelo. Eu tinha um “complexo”, não queria sair de casa e ele ficou preocupado que esse “complexo” voltasse.
MBP – Como são os comentários que você já começou a ouvir?

N – Meus amigos apoiam, mas os comentários negativos de outras pessoas que nem conheço ainda me deixam triste.
MBP – Você pensa em relaxar o cabelo?

N – Não. De jeito nenhum.
MBP – Quais os desafios você acha que vai enfrentar usando seu cabelo natural?

N – Críticas, preconceitos, vou ter que enfrentar as pessoas que acham que eu tenho que ter cachos. Tenho primas que tem cachos, isso é visto com bons olhos, e as pessoas não conseguem entender que o que eu quero é deixar meu cabelo natural como ele é. Pensam que entrei em transição para relaxar. Acho que preferem não me ouvir. Não quero relaxar, nem cachinhos feitos no salão, quero meu cabelo natural como ele é.

 

 

 

Fonte: Brasil 247

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