Morre o ator e cineasta Zózimo Bulbul, aos 75 anos

Enviado por / FonteG1

O ator e cineasta Zózimo Bulbul morreu nesta quinta-feira aos 75 anos em sua casa em Botafogo. Ele sofria de câncer havia alguns anos e não resistiu a uma parada cardíaca pela manhã. Ator e diretor de mais de 30 filmes, 50 anos de carreira, estreou no cinema com “Cinco vezes favela” na década de 60 e trabalhou com ícones do Cinema Novo como Glauber Rocha.


Zózimo Bulbu

 Um dos maiores expoentes afro-brasileiros do Cinema Novo nas décadas de 60 e 70, Zózimo Bulbul construiu sua trajetória no cinema através da história do seu povo no Brasil. Bulbul atuou também em clássicos como Terra em Transe (Glauber Rocha), Compasso de Espera (Antunes Filho) e, mais recentemente, em Filhas do Vento (Joel Zito Araújo), entre outros.

 Em 1974, realizou seu primeiro trabalho, Alma no Olho. O título foi inspirado no livro do líder dos Panteras Negras Eldridge Cleaver,Alma no Exílio. O livro de Cleaver foi publicado em 1968 nos EUA e no Brasil em 1971. Tornou-se leitura corrente entre os intelectuais negros brasileiros, quase todos, naquele momento, antenados com os movimentos políticos que ocorriam na África e nos EUA. Aliás, nesse sentido, reflete totalmente o ideário da negritude afro-americana na história e na trilha sonora: a música “Kulu Se Mama”, de Julian Lewis, executada por John Coltrane entra em “off”, enquanto o ator (Bulbul), através de pantomimas, conta a história da diáspora negra, desde a África até os dias atuais. No final o personagem, vestido de roupa, africana quebra a corrente branca que o prende pelos punhos. A mensagem não poderia ser mais política: a liberdade definitiva só virá com a assunção da negritude cujo símbolo é a África.

 Dedicado ao saxofonista John Coltrane, Alma no Olho é um dos poucos filmes (talvez único) que absorveu na época as influências do protesto negro norte-americano. Embora a parcela mais ativa dos militantes negros brasileiros já tivesse construído uma agenda política informada do ideário da negritude pelo menos desde o final da década de 60. “No cinema vivia-se ainda a ressaca do golpe militar entre a goiabice de intelectuais de esquerda em crise e o desbunde tropicalista” (dogma, p. 86). A reflexão sobre a experiência dos negros urbanos e de suas lutas políticas nos filmes brasileiros é praticamente ausente. Nesse sentido, Alma no Olho é absolutamente moderno e aponta para uma representação do negro descolada do culturalismo nacionalista quase sempre elitista e conservador.

 Em seguida, Bulbul dirige com Vera de Figueiredo o curta Artesanato do Samba sobre os preparativos do carnaval carioca. Ainda em 1974, sentindo-se acuado pela repressão desencadeada com o golpe militar, Bulbul parte para um auto-exílio europeu retornando somente em 1977. Em 1980, dirige seu terceiro curta-metragem, Dia de Alforria?, sobre a vida do sambista e fundador da escola de samba Império Serrano, Anicéto do Império. O filme é de uma reverência completa com o velho sambista, representante da cultura negra carioca. Reflete, assim, a postura política da intelectualidade negra que marcou o final da década de 70 e início da década de 80 desde a fundação do Movimento Negro Unificado (MNU). Nos letreiros iniciais de Dia de Alforria? lê-se: “Dedicado a Zumbi dos Palmares e todos os quilombolas mortos e vivos”.

A afirmação da cultura e da história do negro foi fundamental para o ativismo negro desde o final da década de 80. É nessa chave que Bulbul realiza o seu primeiro longa metragem, o documentário Abolição, lançado em 1988, durante as comemorações do centenário da Abolição.

 Ousado, o filme pretende contar a história do negro desde a abolição. O que, aliás, o faz, a partir de entrevistas com artistas, ativistas, historiadores, políticos e intelectuais negros. O dado político percorre todo o filme na base da denúncia de que nada mudou desde a abolição até agora. No entanto, há um discurso mais interno, que se manifesta quando mostra uma equipe de cinema formada por negros montando os sets e filmando. “Uma mudança e tanto! O que vemos está mediado pelo olhar dessa equipe. Assim, não se trata apenas de contar a história do negro, mas de um ponto de vista negro sobre a história. Nesse sentido Abolição (1988) é um programa ampliado de Alma no Olho (1974).

 Em 1997, participou do Fespaco – Festival Pan-Africano de Cinema de Ouagadodou, considerado por ele “A Cannes Africana”, para o qual presta uma homenagem neste encontro no Brasil. “Lá, descobri que o africano que preserva a cultura oral ama o cinema por ser um ato social, de integração, diferente da literatura, que é mais individual. Os cineastas africanos são verdadeiros Griots, sábios que contam histórias para a população. E assim nós fazemos aqui respeitando o nosso tempo, nossas cores e a nossa música”, diz ele, que acaba de completar 70 anos realizando através desse Encontro de Cinema um sonho de muito tempo: juntar a África e o Brasil através das suas culturas.

  Em 2001, Bulbul filma Pequena África. Utilizando como mote a descoberta de um cemitério de escravos, volta-se para os seus temas preferidos: a história do negro e do samba cariocas. Atualmente Bulbul realiza vídeos e prepara a produção do seu segundo longa metragem.

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