Mulher Negra – Uma análise da raça

Um corpo descomunal, envolto em sedução, olhar profundo, seios fartos, boca carnuda, coxas bem delineadas, bunda arredondada, pernas sensuais, e um jeito de conquistar envolto no semblante de uma figura extraída da imaginação de Jorge Amado, quando assim compôs Gabriela.

Do Jornal da Cidade 

Falar sobre o corpo da mulher negra implica, a priori, pensarmos o corpo enquanto signo, como um ente que reproduz uma estrutura social de forma a dar-lhe um sentido particular, que certamente irá variar de acordo com os mais diferentes sistemas sociais.

“Como qualquer outra realidade do mundo, o corpo humano é socialmente concebido”. É o que nos diz José Carlos Rodrigues em “O Tabu do Corpo”. (1)

A análise da representação social do corpo possibilita entender a estrutura de uma sociedade.
A sociedade privilegia um dado número de características e atributos que deve ter o homem, sejam morais, intelectuais ou físicas; esses atributos são, basicamente, os mesmos para toda a sociedade, embora possam ter diferentes nuances para determinados grupos, classes ou categorias que fazem parte da sociedade.

O corpo humano, para além de seu caráter biológico, é afetado pela religião, grupo familiar, classe, cultura e outras intervenções sociais.

Assim, cumpre uma função ideológica, isto é, a aparência funciona como garantia ou não da integridade de uma pessoa, em termos de grau de proximidade ou de afastamento em relação ao conjunto de atributos que caracterizam a imagem dos indivíduos em termos do espectro das tipificações.

É assim que, em função das aparências (atributos físicos), alguém é considerado como um indivíduo capaz ou não de cometer uma transgressão (atributos morais), por exemplo.
Isto significa que o corpo está investido de crenças e sentimentos que estão na origem da vida social, mas que, ao mesmo tempo, não estão submetidas ao corpo:

“O mundo das representações se adiciona e se sobrepõe a seu fundamento natural e material, sem provir diretamente dele”.(2)

O corpo funciona como marca dos valores sociais e nele a sociedade fixa seus sentidos e valores. Socialmente o corpo é um signo e, como diz Rodrigues: “A utilidade do corpo como sistema de expressão não tem limites” (3).

Pensar o corpo negro a partir dessa definição de corpo implica necessariamente em pensar o lugar do negro em nossa sociedade; para tanto, recorro a um artigo de Schwarez, “ser peça ser coisa: definições e especificidades da escravidão no Brasil” .(4)

Acredito que não se esgota aqui a possibilidade de entender de que maneira se deu e vai se dando esse processo, pelo qual passa o corpo e a feminilidade da mulher negra, tendo como pano de fundo todo esse passado histórico que atravessa, sem sombra de dúvidas, a constituição psíquica dessa mulher em particular.

Mas, proponho nesse texto a possibilidade de pensarmos para além da singularidade de cada sujeito, como é o habitual na psicanálise, poder entremearmos também essas questões que aparentemente seriam exteriores ao processo de assumir-se sujeito, mas que na verdade faz parte de tudo que é herdado culturalmente, e que está inserido no que entendemos também como processo de estruturação do sujeito.

Não há dúvidas que a raça negra, nos orgulha, por sua galhardia, por seu espírito guerreiro, no sabor de sua arte, defendendo seus limites, em golpes rasantes de capoeira a marcar um estilo livre de combate diante da insanidade de colonizadores a destilar a ira, o ódio, além do preconceito, em uma terra dantes habitada por selvagens nus, alheios ao poder nefasto dos aventureiros que aqui, deixaram marcas indeléveis que o tempo não apagará.

Pio Barbosa Neto

Professor, escritor, poeta, roteirista

NOTAS

1 Rodrigues, J.C. (1983:44).
2 Rodrigues, J.C. (1983:97).
3 Idem.
4 Schwarez, L.M. (1996:14).

Referencia

AZEVEDO, C.M.M. (1987). Onda Negra, Medo Brando. O negro no imaginário das elites. ? Século 19. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

FREUD, Sigmund (1969). Edição Standard das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol. XVII. “Uma neurose infantil e outros trabalhos”. Rio de Janeiro: Imago Editora Ltda., 1987.

LACAN, J. (1978). O eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise. O Seminário, Livro II. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.

MUNANGA, Kabengele (1986). Negritude usos e sentidos. São Paulo: Editora Ática.

                                           

+ sobre o tema

para lembrar

Ana Paula Xongani estreia no GNT e se torna primeira brasileira com dreads em campanha de cabelos

A influenciadora digital fez os dreads durante uma viagem...

Precisamos reconhecer nossa palmitagem

Muito se tem discutido sobre a solidão da mulher...

Morre em Salvador a líder religiosa Makota Valdina

A educadora, líder religiosa e militante da causa negra,...

Um dia histórico para o Movimento das Mulheres

Ontem foi um dia histórico para o Movimento de...
spot_imgspot_img

Ela me largou

Dia de feira. Feita a pesquisa simbólica de preços, compraria nas bancas costumeiras. Escolhi as raríssimas que tinham mulheres negras trabalhando, depois as de...

“Dispositivo de Racialidade”: O trabalho imensurável de Sueli Carneiro

Sueli Carneiro é um nome que deveria dispensar apresentações. Filósofa e ativista do movimento negro — tendo cofundado o Geledés – Instituto da Mulher Negra,...

Comida mofada e banana de presente: diretora de escola denuncia caso de racismo após colegas pedirem saída dela sem justificativa em MG

Gladys Roberta Silva Evangelista alega ter sido vítima de racismo na escola municipal onde atua como diretora, em Uberaba. Segundo a servidora, ela está...
-+=