Mulheres Negras em luta lançam Manifesto

Do Site da Uneafro-Brasil com fotos de João Novaes

No Negro Belchior 

O dia 18 de Novembro de 2015 será histórico. Milhares de mulheres negras devem ocupar a esplanada dos ministérios, em Brasília, a fim de manifestar a exigência, junto ao Estado brasileiro, de equidade de gênero, racial e social. Esta ação, batizada de Marcha das Mulheres Negras 2015, será um marco na denúncia e na busca pela superação do racismo e do patriarcado, elementos fundantes e estruturantes da sociedade brasileira. Neste último sábado, a Uneafro-Brasil promoveu um encontro de formação e arrecadação de recursos para contribuir com a mobilização. Na ocasião fora divulgado o Manifesto das Mulheres da Uneafro. Veja as fotos da atividade e leia a declaração abaixo:

Lideranças dos diversos núcleos de base da Uneafro, além de militantes de outros movimentos também participaram.
Lideranças dos diversos núcleos de base da Uneafro, além de militantes de outros movimentos também participaram.

Em Manifesto, mulheres da Uneafro fortalecem a Marcha das Mulheres Negras 2015

Nós, mulheres, mães, jovens, estudantes e dirigentes da Uneafro-Brasil, há anos nos dedicamos ao trabalho comunitário e permanente através dos Núcleos de Base espalhados pelas periferias de SP, por meio da arte, da cultura e principalmente a partir dos Cursinhos Comunitários e da prática da educação popular, convidamos a todas as mulheres a se organizar e juntas construir um grande instrumento de luta do povo negro e da classe trabalhadora brasileira.

Conheça a Uneafro e ajude a construir a Marcha das Mulheres Negras 2015

Mulheres negras e pobres são diretamente responsáveis pela trajetória dos jovens estudantes de nossos cursinhos. São delas os maiores incentivos e apoios para que seus filhos estudem.

Advogada Popular, militante feminista e membro do Conselho Geral da Uneafro, Rosâgela Martins.
Advogada Popular, militante feminista e membro do Conselho Geral da Uneafro, Rosâgela Martins.

Para nós da Uneafro, os elementos de raça e gênero e cultura, ao lado do elemento econômico, são centrais para o entendimento da realidade brasileira e para o fomento das lutas políticas e sociais em nosso país.

A efervescência da luta feminista que vivemos hoje é fruto direto das lutas históricas pela emancipação das mulheres negras. Muitas vieram antes de nós: Dandara, Acotirene, Aqualtune, Anastácia, Tereza de Benguela, Luiza Mahin, Maria Carolina de Jesus, Lélia Gonzalez, Sueli Carneiro, Leci Brandão, Luiza Bairros, Jurema Werneck. À elas nossa reverência! Às novas gerações cabem a radicalização do enfrentamento ao machismo e ao patriarcado, traços fundantes do nosso país. E assim tem sido, afinal, não se tem lembrança da realização de tantas ações, atividades, seminários, rodas de conversa e formação de coletivos voltados ao empoderamento das mulheres negras.

Luciana Araújo, jornalista, feminista e militante do Núcleo Impulsor da Marcha das Mulheres Negras 2015
Luciana Araújo, jornalista, feminista e militante do Núcleo Impulsor da Marcha das Mulheres Negras 2015

É uma questão de pele, de energia movente, quando várias mulheres negras relatam sua vivência, se identificam umas com as outras, riem, choram, se inspiram, se enaltecem. E é sim preciso falar sobre isso, já que, em vários momentos e espaços, fomos silenciadas. Agora que este silêncio foi quebrado e as angústias foram divididas, percebemos o quanto as trajetórias são idênticas. Daí nosso poder cada vez maior de mobilização e luta!

É preciso olhar para dentro de nossos movimentos, organizações, cursinhos, saraus, partidos políticos, sindicatos e discutir, incidir, reeducar e provocar mudanças reais.

Sobretudo, é preciso demarcar a posição histórica das demandas das mulheres trabalhadoras, reivindicar o campo popular da esquerda brasileira como lugar de nossa organização política, a valorização das organizações e instituições políticas da classe trabalhadora e a centralidade da luta antirracista e antimachista, sem as quais os sonhos por justiça jamais avançarão.

Drika e Luana Hansen manda o recado no momento de descontração e consciência.
Drika e Luana Hansen manda o recado no momento de descontração e consciência.

O contexto político retrógrado e o avanço de setores conservadores atingem brutalmente a vida das mulheres negras. Não é preciso ir longe para exemplificar, uma vez que o genocídio da juventude negra e periférica se dá de forma continuada. O cerceamento da garantia de direitos fundamentais às crianças e adolescentes, com a ameaça constante de uma redução da maioridade penal, produzem efeitos violentos sobre os ombros das mulheres negras.

Por outro lado, a resistência, o posicionamento político, a força que vem da auto-organização das mulheres negras é motivo de reafirmação da luta, e precisa ser festejado. É motivo de alegria! Traz renovação, dá poder, contagia! Temos que envolver mais, mobilizar as comunidades periféricas onde vivemos e construir um grande movimento para mudar o país!

Outros momentos formação devem ser promovidos até novembro de2015
Outros momentos formação devem ser promovidos até novembro de2015

E é com força inspiradora de um dos lemas da Marcha das Mulheres Negras: “uma sobe e puxa a outra”, que chamamos todas e todos para o debate, para a roda de conversa, para o samba, para a ciranda, para o coco, para a capoeira, para o jongo, para assim, alcançar as mulheres negras organizar nosso exército em luta! Assim já é nossa prática!

Mas por que marchamos?

A nossa experiência nos cursinhos populares, nas escolas públicas, em associações comunitárias, na escuta e na conversa com mulheres da periferia, de forma direta e permanente nos faz dizer:

Marchamos pelos relatos que ouvimos, para levar a todos os espaços a fala da mulher encarcerada ou mãe de negros encarcerados, violentada pela revista íntima nas cadeias, ou para elevar a voz da dona de casa com filhos sem vaga em creche, da mãe solteira, da mulher negra faxineira sem carteira assinada, que vê os filhos e filhas lutando para que ela deixe um dia de limpar banheiros nas casas de pessoas.

Cidinha Silva, professora da rede municipal de SP, militante feminista e membro do Núcleo Uneafro Cohab II – Itaquera.
Cidinha Silva, professora da rede municipal de SP, militante feminista e membro do Núcleo Uneafro Cohab II – Itaquera.

Marchamos para que se ouça o que diz a mulher negra no seu mais íntimo momento de solidão. Marchamos porque dentre as mulheres assassinadas, por feminicídio, a taxa de 61% é de mulheres negras. Marchamos para que se repita à exaustão que nosso salário é menor, que o assédio moral e sexual persiste contra nosso corpo, no trabalho, no ônibus, na rua.

Marchamos pelas jovens que abandonam o cursinho comunitário com vergonha de estarem grávidas, por medo de apanhar do namorado, por não ter quem cuide de suas crianças para que elas estudem! Marchamos para nossa geração sobreviver e nossas filhas um dia encontrarem o bem viver!

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Por fim, marchamos para que esta linda mobilização continue, incansavelmente, pelo fim do racismo, do machismo, da lesbo-bi-transfobia, das violências vindas do patriarcado que sofremos e contras as quais resistimos, por inspiração de Dandara e todas de que somos herdeiras!

Pela superação do patriarcado e do racismo, seguimos!

Assinam militantes, coordenadoras de núcleos e membros do Conselho Geral da Uneafro:

Ana Paula – Núcleo Clementina de Jesus – Cotia/SP
Andressa Melo – Núcleo Mandela – Bragança Paulista/SP
Camila Cunha – Núcleo Capão Redondo – ZS-SP
Carolina Fonseca – Núcleo São Mateus em Movimento – ZL-SP
Estela Rocha – Núcleo Uneafro Jundiapeba – Mogi das Cruzes/SP
Fernanda Braga – Núcleo Mandela – Bragança Paulista/SP
Franciana Lacerda dos Santos – Núcleo Diadema/SP
Larissa Oliveira – Núcleo Luz – Centro-SP
Letícia Santos– Núcleo Mandela – Bragança Paulista/SP
Luciana Machado – Núcleo Antônio Candeia Filho – Centro-SP
Maira Cunha – Núcleo Capão Redondo – ZS-SP
Mayra Prachedes – Núcleo Antônio Candeia Filho – Centro-SP
Rebeca Martins – Núcleo XI de Agosto/Esquerda Preta – Poá/SP
Rosângela Martins – Núcleo Tereza de Bengela –ZL-SP
Talita Gomes – Núcleos Guerreiros de Atibaia/SP
Thais Renata de Lima – Núcleo Rosa Parks – ZL-SP
Turiny Sá – Núcleo Educação Liberta – Itaquaquecetuba/SP
Vanessa Gravino – Núcleo Clementina de Jesus – Cotia/SP
Vanessa Nascimento – Núcleo Uneafro Jundiapeba – Mogi das Cruzes/SP

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