As mulheres negras no esporte brasileiro

A jornalista Neusa Maria Pereira, em artigo para o Blogueiras Negras, traça a trajetória das mulheres negras brasileiras esportistas. Desde a pioneiras Melania Luz, Wanda dos Santos e Aida dos Santos, natural de Niterói e de origem popular até atletas contemporâneas como a carioca da Cidade de Deus Rafaela Silva, bicampeã mundial de judô, entre outras atletas negras renomadas. “Apesar do crescimento da participação das afrodescendentes nas diversas modalidades esportivas o número ainda é pequeno em relação à demanda”, afirma

Em artigo para o Blogueiras Negras a jornalista Neusa Maria Pereira traça a trajetória das mulheres negras brasileiras no esporte de alto rendimento. Desde as pioneiras Melania Luz, que competiu nos 200 metros, na Olimpíada de Los Angeles, nos EUA, em 1948; de Wanda dos Santos, que participou dos 80 metros com barreiras nos jogos de Helsinque/Finlândia, em 1952; e de Aida dos Santos, natural de Niterói e de origem popular e que conquistou o 4º lugar no salto em altura nas Olimpíadas de Tóquio em 1964; até atletas contemporâneas como  a carioca da Cidade de Deus Rafaela Silva, bicampeã mundial de judô, Valesquinha, jogadora de futebol da seleção brasileira e filha de Aida dos Santos entre muitas outras atletas negras renomadas.

Neusa Maria relembra em seu artigo que o esporte representa uma possibilidade de ascensão social para as mulheres negras originárias de famílias pobres. Mas Neusa Maria afirma: “Apesar do crescimento da participação das afrodescendentes nas diversas modalidades esportivas o número ainda é pequeno em relação à demanda”. A autora relata ainda casos de racismo sofridos pelas atletas negras em determinadas competições.

Por *Neusa Maria Pereira

Mulheres negras no esporte

O esporte sempre representou uma possibilidade de ascensão social para as mulheres negras. Ele também foi e ainda é uma excelente maneira de manter o corpo saudável, colaborando no equilíbrio dos inevitáveis problemas da vida.

Muitas mulheres negras, originárias de famílias pobres, encontram nele um forma de romper a barreira das dificuldades econômicas, tornando-se profissionais, atuando nas competições de alto rendimento. Algumas conseguiram uma performance reconhecida pelo mercado esportivo por meio de muito sacrifício, dedicação, vontade de vencer e um pouco de sorte porque no Brasil ainda é muito precária a situação do esporte dito amador.

Apesar do crescimento da participação das afrodescendentes nas diversas modalidades esportivas o número ainda é pequeno em relação à demanda. Com a crise econômica, um fantasma sempre presente em nossa sociedade, também esta via de trabalho fica cada vez mais complicada para quem é negra e pobre. Transformar a situação exige ações políticas governamentais e empresas privadas visando o desenvolvimento do esporte. É urgente a criação de mais clubes e espaços esportivos nas periferias para a formação de novos atletas.

Um pouco de História

As Olimpíadas de Sydney de 2000, na Austrália, marcou a estreia de atletas afrodescendentes em diferentes modalidades, algumas das participantes foram classificadas para os jogos de Atenas. O levantamento de peso foi representado por Maria Elizabeth Jorge, primeira atleta brasileira da modalidade.

Ela estreou, justamente, quando a prova feminina passou a integrar o programa oficial da competição. À época com 34 anos, Beth, nascida em Viçosa, Minas Gerais, descobriu a vocação para o levantamento de peso quando lavava roupas de estudantes. Exercitava-se carregando pesadas trouxas.

Enfrentou preconceito de raça e gênero, pois naquele tempo o levantamento de peso era modalidade majoritariamente masculina, sem falar na dificuldade de conseguir patrocínio, mas ela não desanimou, seguiu em frente. Conta em seu currículo o bicampeonato mundial máster 97/98 e o bicampeonato sul-americano 92/96.

A paulistana Wanda dos Santos embarcou sozinha para os Jogos Olímpicos de Roma de 1960. Na delegação brasileira, 81 atletas. Apenas ela de mulher. Wanda dos Santos e Aida dos Santos foram pioneiras no combate ao binômio racismo e machismo no esporte. São responsáveis por abrir espaços nas pistas às mulheres que hoje brilham no esporte.

Wanda foi a segunda mulher negra a disputar uma Olimpíada, a primeira foi Melania Luz, nos 200 metros, em Los Angeles, EUA, em 1948. Wanda participou dos 80 metros com barreiras nos jogos de Helsinque/Finlândia, em 1952, dos jogos de Roma, em 1960. Esteve presente em vários jogos Pan-Americanos, disputando as edições de Bueno Aires, em 1951, Cidade do México/1955, Chicago/1959 e São Paulo/1953, conquistando em todas as edições quatro medalhas, três de bronze e uma de prata.

Foi professora de Educação Física para crianças do Ensino Fundamental. Um dos maiores expoentes do atletismo brasileiro, com 81 anos, Wanda é sócia campeã do São Paulo FC e disputa competições de atletismo máster além de promover eventos sociais e esportivos para a terceira idade e ministra aulas no Conjunto Vaz Guimarães, em São Paulo.

Como mulher negra sofreu vários preconceitos, principalmente nos jogos Olímpicos de Helsinque onde, embora cordiais, as competidoras se recusavam a ficar próximas ou até mesmo cumprimentá-la.

Como a maioria das pioneiras, Aida dos Santos também teve uma vida de dificuldades. Nascida em Niterói, RJ, Aida passou fome e apanhava do pai alcoólico. A dedicação ao esporte foi uma redenção, a possibilidade de encontrar cidadania. Nascida em Niterói, Rio de Janeiro, chegou às Olimpíadas de Tóquio de uma maneira que nenhuma atleta atual o faria. Sem qualquer apoio, sem sapatilhas de prego, e muito menos médico, ela participou dos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 1964, conquistando a quarta colocação no salto em altura. Aida foi a única mulher na delegação brasileira e a primeira brasileira numa final de Olimpíada. Teve que improvisar uma roupa para participar da abertura dos jogos de Tóquio. Não permitiu que as dificuldades se transformassem em barreiras para seus objetivos. Venceu todas elas.

Aida também se dedicou ao pentatlo. Foi medalha de bronze nos jogos Pan-Americanos , do Canadá, em 1967. Obteve a vigésima segunda colocação no pentatlo nos Jogos Olímpicos do México de 1968. Três anos depois, conquistou a medalha de bronze no pentatlo nos jogos Pan-Americanos da Colômbia.

O passado de dificuldades inspirou a criação do Instituto que leva seu nome. Nele, Aida proporciona a crianças e adolescentes de baixa renda, entre sete e 16 anos, inclusão social através da pratica do atletismo e do voleibol.

Dias atuais

Apesar da situação das mulheres negras praticantes de esporte ter melhorado em relação às dificuldades enfrentadas pelas pioneiras, os problemas ainda são relevantes. Primeiro e principal deles é a falta de patrocínio o que é muito desestimulante para aquelas que almejam seguir carreira na área.

O escasso incentivo financeiro impede o surgimento de novos clubes e torna inviável o desenvolvimento dos existentes. Com isto, muitas atletas seguem para o exterior onde os salários são melhores e o futebol feminino valorizado. A maioria das atletas negras continuam originárias das classes de menor renda e bons salários são fundamentais para o progresso pessoal e de suas famílias.

No futebol feminino brasileiro a falta de incentivo aliada ao preconceito contra a mulher que o pratica afastam os anunciantes que acreditam que o futebol é esporte de homens. Além do mais, o esporte agrega muitas jogadoras negras e a publicidade é um dos segmentos mais racistas do país.

A melhor jogadora de futebol feminino nacional é Marta da Silva Vieira, ou somente Marta. Eleita cinco anos seguidos como a melhor do mundo pelo FIFA, recebeu o prêmio Bola de Ouro da entidade. Natural de Dois Riachos/LA, mudou-se para o Rio de Janeiro, com 14 anos. Jogou pelo IK da Suécia onde foi eleita artilheira do campeonato por quatro anos e melhor atacante em 2007 e 2008. Possui artilharia em Copas do Mundo e nos jogos Pan-Americanos e duas medalhas olímpicas de prata e carreira de sucesso na Europa.

Marta é a primeira mulher a jogar uma partida internacional de futebol masculino e foi eleita pela ONU embaixadora da Boa Vontade.

Pretinha, Delma Gonçalves é outra jogadora de destaque. É a mais veterana da Seleção Brasileira. Está no time desde 1991. Iniciou sua carreira no Clube de Regatas Vasco da Gama do Rio de janeiro. Foi vice-campeã em Atenas 2004, logo depois foi jogar no Japão, onde está até hoje.

Graças a uma gestão competente o voleibol feminino é uma das modalidade que mais cresceram no país. Possui nível razoável de patrocinadores e divulgação na mídia. Uma das expoentes da geração de ouro da modalidade é Fabiana Claudino.

Nascida em Belo Horizonte em 1985, começou a jogar em 2000, no Minas Tênis Clube. Aos 16 anos conquistou o primeiro título da Superliga Feminina de Vôlei na carreira. Em 2003 transferiu-se para o Rexona-Ades, onde ganhou a maioria de seus títulos. Foram quatro superligas, um campeonato carioca, e um Solampas.

Em 2011, depois de passar pelo Vôlei Futuro, foi jogar no Ferbahçe, da Turquia. Sagrou-se campeã da Champions League de 2012. A meia de rede, volta ao Brasil contratada pelo SESI/SP, após o bicampeonato olímpico conquistado em Londres. A jogadora ostenta ainda duas medalhas de Gran Prix, duas pratas de copa do mundo e uma prata em jogos Pan-americanos.

Hélia Souza, mais conhecida como Fofão é um dos ícones do vôlei brasileiro. Recebeu o apelido do técnico Zé Roberto, numa alusão ao bochechudo personagem que fez sucesso na televisão. Era jogadora mais experiente da delegação que participou das Olimpíadas de Pequim. Começou sua carreira no São Caetano/SP, passando pelo Minas Tênis Clube, Osasco e Rexona. Aos quarenta anos sagrou-se campeã da última superliga de vôlei jogando pela Unilever do Rio de janeiro. Foi ainda medalha de prata no mundial de Havana, bronze nas Olimpíadas de Atenas, em 1996. Igualmente medalha de bronze nas Olimpíadas de Sydney, de 2000, campeã do Gran Prix de 1998, 2006 e 2008 e campeã Olímpica em 2008, desta que talvez tenha sido sua última competição.

Outras jogadoras negras que contribuem para manter o voleibol feminino no topo são Sassa, Valewska, Valesquinha (filha da grande Aida dos Santos) e Adenizia central do time de Osasco.

O basquete feminino, que abriga relevante número de atletas negras, passa por grandes dificuldades. A falta de patrocínio e divulgação faz com que a cada ano diminuam o número de clubes. A situação faz com apenas as atletas de ponta sejam aproveitadas impedindo o aparecimento de novos valores. O histórico machismo reinante faz com que o basquete masculino tenha mais visibilidade e o feminino seja relegado a segundo plano.

Destacam-se neste esporte as atletas Érika Cristina de Souza, Karen Rocha, Kelly Cristina da Silva, entre outras.

Érika foi vice-campeã mundial sub-20 , na Croácia em 2004 e dos campeonatos mundiais de basquete de 2002 e 2006. Conquistou o WNBA, versão feminina do basquete americano, em 2002 pelo Los Angeles Sparks. Foi eleita MVP da Copa América em 2011, torneio classificatório para as Olimpíadas de Londres. Joga atualmente no Sport Club Recife.

Karen Rocha já atuou no time de Ourinhos e teve grande destaque nos Pan-Americanos de 2007, no Rio de Janeiro no qual o Brasil recebeu medalha de prata e participou das Olimpíadas de Pequim.

A principal atleta negra do judô é Rafaela Silva, primeira mulher brasileira campeã mundial da modalidade. Carioca da cidade de Deus , Rafaela é atleta da Ong Reação. Como todas as atletas negras, encontrou no esporte uma forma de combater a pobreza, a discriminação racial e reencontrar a cidadania.

*Neusa Maria Pereira é jornalista, educadora sociale proprietária da editora Abayomi Comunicação Ltda e uma das fundadoras do MNU/SP.

Fonte: Brasil 247

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