Mais um caso de racismo ganha milhares de curtidas no Facebook, que servem tanto para dizer que se gosta de algo, quanto para dizer que não se gosta, mas acha-se justo apoiar a causa e fazer reverberar o fato ou a reflexão. Também de compartilhamentos. Estes parecem indicar um pouco mais, desejam que mais pessoas tomem ciência daquilo que importa a quem lê e compartilha.
Enviado por Cidinha da Silva para o Portal Geledés
Uma criança negra de nove anos, filha de uma família branca, vai até o balcão de uma loja de doces em um shopping de grife escolher guloseimas, num exercício salutar de autonomia, enquanto mãe e avô brancos a aguardam assentados. Qual não é a surpresa da mãe quando à sua frente uma das atendentes da loja expulsa a filha do local, sob alegação de que ela não poderia “pedir ali, não poderia incomodar as pessoas”.
A mãe reage, grita com a atendente e talvez tenha lançado mão de sua superioridade de classe para colocar as coisas nos devidos lugares e proteger a filha negra de um episódio racista. Sim, episódio, porque, segundo a mãe, a filha negra que integra família de boas condições econômicas nunca sofrera racismo antes e vive em uma “bolha”. Entretanto, a mãe indaga solidária e indignada, “e as outras crianças negras que não gozam dessa proteção”?
Ora, as outras estão tão expostas quanto a menina discriminada da narrativa. A bolha não existe. Ela é criada pela ilusão de quem julga ter poderes para impedir a ação do racismo, de eliminá-lo pela boa educação, acesso a bens culturais e poderio econômico, oferecidos aos filhos negros.
A atendente discriminadora se esconde. Terá sorte se não perder o emprego. Em qualquer país sério no combate ao racismo, ela perderia, mas ali, deve seguir as normas de comportamento da casa em relação a crianças negras, segundo as quais, até que se prove o contrário, são ameaçadoras e esfomeadas pedintes. Acresça-se à receita a moral burguesa do trabalho que dignifica as pessoas, logo, se as crianças negras quiserem comer doces nobres, que trabalhem e arranjem dinheiro para comprá-los.
Todo o barulho feito na Web, principalmente no contexto brasileiro, não significa banalização dos eventos racistas, como podem julgar os apressados e os saudosos do silêncio cúmplice da democracia racial.
Mas, de nada adiantará insistir na bolha ou tratar a pergunta da criança como artifício de retórica e frase chamativa no Twitter. O desespero da mãe para proteger a filha negra é compreensível, contudo, é imperativo responder de maneira assertiva, corajosa, educativa e íntegra à pergunta da criança, “mãe, isso (ser tratada como criança abandonada, cuja fome de vida estampada no rosto incomoda às “pessoas de bem”) também acontece com os brancos”?