Não existe um feminismo da Rede Globo, existe uma brecha que deve ser ocupada

Ao falar do tema no programa “Amor & Sexo”, a empresa demonstra o quanto as movimentações feministas nos últimos anos tem ganhado força na sociedade

Por Luka, do Opera Mundi 

Foto: TV Globo/Paulo Belote

A participação de algumas figuras do movimento feminista no programa “Amor & Sexo” tem gerado muita discussão. O episódio de estréia da temporada de 2017 retomou uma série de palavras de ordem e debates que vem ganhando espaço desde 2011 nas ruas do Brasil. É um debate interessante, mas em nada ajuda a avançar na necessária resistência a retirada de direitos das mulheres que temos que encarar em diversos níveis (federal, estadual e municipal).

Essa grita é muito similar ao que aconteceu em 2014, quando algumas feministas foram ao encerramento da 3ª temporada do programa “Na Moral” da mesma rede de televisão. Vamos lá, a Rede Globo apoiou a ditadura e, recentemente, o golpe em nosso país. Interessante que questionamentos sobre falar com a Globo não foram feitos quando, acertadamente, Boulos respondeu as perguntas da Globo em entrevista coletiva recentemente. Outra coisa que devemos lembrar é que não existe nenhum feminismo na Rede Globo. As vezes é preciso lembrar que os grandes meios de comunicação em nosso país lidam com a comunicação como se fosse qualquer outro negócio e precisa de algumas formas e organizações para manipular informação.

Ideologicamente as programações, os espaços dados a este ou aquele tema, a forma como as notícias e programas são construídos tem uma sintonia fina que não pode ser explicada com uma visão bicolor, sabe? Ou seja, não dá pra manipular tudo que se passa na TV e nem manipular uma vez ou outra. Não é algo tão simples, se fosse o processo de manipulação seria facilmente reconhecido – vamos lembrar da mudança de posicionamento profundo que o Arnaldo Jabor teve em 2013 de, literalmente, um dia para o outro? Se isso acontecesse sempre a “credibilidade” que a Globo construiu estaria em uma sinuca de bico eterna.

A Globo abriu espaço em alguns programas para se debater feminismo e antirracismo. Já falei sobre isso por aqui antes. Se abrir para fazer estes debates se dá por que não podem fingir que tais questões não são temas prementes na sociedade e que tem pressionado nas ruas mudanças culturais e de garantia de direitos. Marchas das Vadias, organizações de coletivos feministas em diversos cantos do país, Primavera Feminista, Marcha das Mulheres Negras, Marcha das Mulheres em Washignton D/C e tantas outras movimentações de rua protagonizadas por mulheres não tem como se ignorar e não pautar sobre o tema em sua programação. Faz parte do negócio comunicação, ou seja, a movimentação política que vem ganhando lastro no Brasil desde 2011 pauta a opinião pública e não o contrário.

Compreender como funciona o processo da comunicação de massa é muito importante pra sabermos a limitação deste ou daquele espaço na mídia. A Globo, Band e SBT são as redes de televisão com os mais altos índices de audiência no Brasil. Ou seja, entram nas casas das pessoas do Oiapoque ao Chuí, conseguem acessar aqueles rincões que as nossas organizações, blogs, canais do Youtube, programas de solidariedade e afins não conseguem alcançar e, no momento em que há abertura de brecha na programação de um meio de comunicação de massa é preciso ocupar. Não estamos falando de disputas palacianas, mas abrir espaço de debate junto a uma camada da sociedade brasileira que, em geral, não temos acesso.

O programa “Amor & Sexo” teve a maior audiência na última semana desde sua estréia e levando em conta as medições não dá pra afirmar que apenas pessoas convencidas do debate feminista acompanhavam o programa. Em uma rede de comunicação que tem na sua preocupação maior o lucro, não há como garantirmos em sua programação formal um roteiro e um formato que garanta 100% dos debates que fazemos junto ao movimento. Nenhuma empresa deixaria isso, ainda mais em um país que desde 1988 nunca regulamentou de forma real a comunicação. Ha´problema de limitação? Há, da mesma forma que há problema de limitação com a esquete “Branco no Brasil”, mas isso não quer dizer que são momentos do entretenimento descartáveis e desimportantes.

Ter a Djamila, Monique e Thayz naquele programa abre espaço para o feminismo de diversas vertentes, tanto que já o faz só com as polêmicas e debates que vem acontecendo. Para mim a encalacrada maior é como usamos essa abertura que existiu para organizar mulheres para resistir. Mulheres negras, trans, lésbicas, bissexuais, indígenas, trabalhadoras (incluo aí as profissionais do sexo) e imigrantes que são mais atingidas pela violência machista e com o esvaziamento das políticas públicas de enfrentamento a violência contra mulher. É acertado ir a este espaço sim, por que se a indústria do entretenimento ao abrir brechas para falarmos com o grosso da população brasileira nos dá espaço pra transformarmos estas brechas em fissuras estruturais.

Se tivéssemos uma comunicação realmente regulamentada, haveriam Djamilas, Moniques, Thayzes, Julianas, Lucianas, Isas, Suelis e tantas outras mulheres que formulam e organizam movimento de mulheres em nosso país em horários ainda mais propícios, como ao meio dia. Enquanto algumas pessoas ficam por aí dizendo qual a cartilha o movimento feminista deve rezar, devemos nos preocupar em como iremos organizar as mulheres tocadas por discursos fortes e importantes que existiram neste “Amor & Sexo” para se somarem as manifestações de 8 de março, pela garantia de direitos e contra o machismo e o racismo.

PS: Interessante que várias feministas que criticam a participação política das pessoas neste espaço, quando Patrícia Arquette falou sobre equidade salarial em Hollywood amaram, mas calaram quando no mesmo Oscar foi falado sobre o encarceramento em massa da população negra.

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Deixe-nos passar, é sobre nós que estão falando! – por Luka Franca

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