Negros e brancos em Porto Alegre

O que devemos entender do estudo recém-divulgado do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) sobre o “Desenvolvimento Humano para Além das Médias”, que mede o IDHM – Índice de Desenvolvimento Humano para além da renda, levando em consideração saúde e educação? O Globo entendeu, conforme se pode depreender da sua manchete, o seguinte: “Nível da qualidade de vida dos negros tem uma década de atraso em relação ao dos brancos”.

Por Juremir Machado da Silva Do Correio do Povo

Por que será mesmo?

Eu entendi que o Brasil continua racista. O documento afirma que entre 2000 e 2010 “o Índice de Desenvolvimento Humano (IDHM) da população negra cresceu, em média, 2,5% ao ano, acumulando alta de 28% no período, frente aos 1,4% anuais dos brancos ou 15% em dez anos”. Quase o dobro do crescimento dos brancos. “Mas, apesar do ritmo mais acelerado, só em 2010 o IDHM dos negros alcançou a pontuação (0,679) que já havia sido atingida pelos brancos dez anos antes (0,675)”. Eu poderia entender que os negros continuam sendo castigados como se fossem inferiores, mas que a década de Lula foi das menos piores que já tiveram. Essa constatação, porém, poderia me atrair dissabores. Haveria quem me chamasse de petista. Mudo de entendimento. Claro.

O estudo investigou também as diferenças de IDHM entre os estados brasileiros. Conclusão: “As maiores diferenças percentuais entre o IDHM da população branca e negra, em 2010, foram observadas no Rio Grande do Sul (13,9%), Maranhão (13,9%) e Rio de Janeiro (13,4%)”. Eu entendi que o Rio Grande do Sul era, nessa longínqua época de 2010, um dos Estados mais racistas do país. Ainda bem que faz tempo!

O mesmo foi feito em relação aos municípios: “A desigualdade entre brancos e negros, em relação a qualidade de vida, é maior em Porto Alegre (RS), onde IDHM da população negra foi 18,2% inferior ao IDHM da população branca”. Eu entendi que Porto Alegre era nesse tempo tão distante em nossa memória a cidade mais racista do Brasil.

Saí em busca de subsídios. Alguém me disse que a palavra racista é inadequada para a situação: “Força a barra”. Correto seria afirmar, com base nos dados, que o Rio Grande do Sul e Porto Alegre eram na época o Estado e a cidade mais discriminatórios do Brasil em relação aos negros. Ah, bom! Preciso aprender a usar melhor as palavras.

O senador do Rio de Janeiro Paulino de Sousa considerava a Lei Áurea inconstitucional, antieconômica e desumana. Fez possível para evitar a sua aprovação. Os três termos que usou estão nas raízes do conservadorismo brasileiro. Certamente ele não imaginava que mais de 120 anos depois da sua derrota os brancos continuariam a operar para manter a maioria dos negros no rodapé da sociedade. Apesar desse tipo enfadonho de dado quantitativo, “intelectuais” globais como Ali Kamel garantem que a desigualdade no Brasil é uma só questão de classe.

Confesso que me falta justamente classe para interpretar. Eu simplifico: vejo racismo e nada mais. Sou branco, burro e comunista. Não percebo a ação da meritocracia. Deve ser problema de metodologia. Salvo se for, como gostam de dizer os iluminados, “mimimi vitimista”.

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